terça-feira, 12 de julho de 2016

Lições do passado.
Recentemente, depois de ler um de meus textos, um amigo disse-me que eu tinha um estilo parecido com o do meu pai. Especialmente no que diz respeito à linguagem simples e direta. Não foi a primeira vez que me disseram isto. Nem é preciso dizer que fiquei demasiadamente feliz com a grata comparação.
De meu pai tive um aprendizado muito grande. Desde garoto me acostumei a ler e gostar do que ele escrevia. E tem um detalhe importante: como aprendiz e tipógrafo, eu fazia questão de compor os textos por ele escritos, juntando no componedor os tipos de chumbo para edição do jornal “A Semana”. Foi um treinamento valioso para minha formação.
Lembro-me, agora, de uma das mais gratas lições do meu pai. Estava certa tarde na sala da frente da redação do jornal, lendo um gibi. Meu pai aproximou-se, olhou o que eu estava lendo, foi até uma de suas estantes, pegou um livro e me disse: “Se você quer conhecer boas histórias, leia este livro”.  Era um dos exemplares de sua coleção do escritor Malba Tahan, com o título “Lendas do céu e da terra”. Fiquei encantando com a leitura do primeiro livro. Daí em diante eu comecei a ser um assíduo leitor e admirador do autor de “O Homem que Calculava”; passei também a conhecer os encantos da biblioteca de meu pai.
Tempos depois, no final dos anos cinquenta, quando eu era aluno interno do Ginásio Jackson de Figueiredo, voltei a lembrar da lição de meu pai. O diretor Benedito Oliveira designou-me a comparecer ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe para assistir à palestra “A arte de contar história”, proferida pelo professor catedrático do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, Júlio Cesar de Mello e Souza, que era mais conhecido pelo pseudônimo Malba Tahan, que usava ao escrever suas famosas histórias.  
Para mim foi uma satisfação imensa e, até hoje, não esqueço uma parte da explanação do grande escritor, na qual ele dizia que o simples fato da saber escrever não era suficiente para ser um bom contador de história. E apresentou um exemplo que ficou inculcado em minha memória.  Tentarei passar para os amigos o que ouvi do grande Malba Tahan.
Dizia ele que um garoto estudante, que vivia na roça, aproximou-se do pai e perguntou o que significava o vocábulo “FENÔMENO”, termo que a professora pedira para ele descrever como dever de casa. O pai não era letrado, mas sabia das coisas e tinha sua maneira própria de se fazer entender. Então, pensou um pouco, olhou para o filho e disse:
- Está vendo esta vaca? E antes que o filho dissesse qualquer coisa, ele completou: “Ela não é um fenômeno”.
- Está vendo aquela casa? E acrescentou: “Ela também não é um fenômeno”
E ante o olhar interrogativo do filho, concluiu:
- Mas, quando você notar que esta vaca subiu no telhado daquela casa, aí meu filho, você estará diante de uma raridade, uma coisa fora do comum: um FENÔMENO.  E fatos como este  serão  merecedores de admiração porque se incluem entre os que têm natureza fenomenal.
Ao finalizar, o conferencista fez uma explanação sobre a importância do uso da simplicidade na forma de contar histórias.
...
Ainda aproveitando o gancho deste causo, veio-me à lembrança um fato que ocorreu quando eu trabalhava no Banco do Nordeste e participava na Direção Geral, em Fortaleza, de um treinamento para elaborar apostilhas sobre ensino à distância (no meu caso: Crédito Rural). O Banco contratara uma professora paulista para nos ensinar. Na primeira aula, ela fez uma preleção sobre a necessidade de usarmos uma linguagem simples, de modo a facilitar o entendimento. Aproveitei a oportunidade e narrei o exemplo que nos foi ensinado pelo famoso Malba Tahan.
Depois que contei o caso, um colega desatento perguntou qual o sentido daquele fato para o treinamento. Fiquei triste e atordoado diante daquela pergunta, isto porque deu a entender que a minha narrativa tinha sido impertinente.
Recuperei-me ao ouvir a professora paulista esclarecer a pertinência de minha intervenção, e o fez usando exemplo simples, tal qual o ensinamento do mestre do Colégio Pedro II.

São lições inesquecíveis de pessoas que enriqueceram nosso conhecimento.

Aracaju, 11/07/2016

BETO DÉDA

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