terça-feira, 9 de março de 2021

 

O cuscuz, o pica-pau e as histórias penosas de tio Paulo.

 

Nesta semana, em postagens via internet, duas pessoas fizeram-me relembrar do tio Paulo Déda.

Uma amiga, nordestina convicta, informou que gostava muito de saborear um bom cuscuz. E meu sobrinho João Déda apresentou uma foto de um pica-pau que estava em uma árvore nos arredores de sua casa.

Estas simples informações despertaram-me momentos de bom humor, quando eu escutava as histórias penosas contadas com muito estilo por meu saudoso tio. 

No final dos anos cinquenta, ainda estudante, fui filar um café na casa de tio Paulo. Estava saboreando biscoitos tipos “americanas” e “cabeça-de-frade”, quando tia Francisquinha apareceu com um apetitoso cuscuz.



Cuscuz quenos deixa com água na boca...


Então, embora sempre meio reservado, tentei disfarçar minha timidez, exclamando:

-Obá! Um gostoso cuscuz de milho...

Mal terminei de falar, alguém complementou:

- Ah! ah!... Se é cuscuz, não precisa dizer que é de milho... E a risada ecoou na sala.

Baixei a cabeça, no desespero de vergonha. Meu tio notou e imediatamente me socorreu, dizendo para o gaiato, mais ou menos o seguinte:

- Ei, madeirinha, o Beto está certo. O cuscuz não é só de milho. Também existe o cuscuz de arroz, que é uma delícia, muito apreciado em nossa Simão Dias. Você é de lá, devia saber!

A intervenção do tio me aliviou e lembrei o bom cuscuz de arroz feito por minha tia Nice – eu ajudava a moer o arroz em um pilão que até hoje ainda conservo.

Depois do café, tio Paulo sentou em uma cadeira de balanço, para acender seu charuto “Cesário”, e chamou-me para ficar ao seu lado. Enquanto enrolava entre os dedos o papel que envolvia o charuto, me contou dois fatos interessantes, envolvendo cuscuz e pica-pau. Repasso pra vocês.

Em nossa terra vivia um senhor muito respeitoso, pretenso intelectual, que tinha um cuidado enorme para não pronunciar expressões chulas. Certo dia ele foi convidado a jantar na casa de um honorável amigo. A mesa estava posta com variadas iguarias, entre as quais se destacava um delicioso cuscuz de milho, que ficara na ponta da mesa, longe dos curtos braços do respeitoso senhor. Então, ele resolveu pedir que lhe passassem o prato, usando um linguajar cuidadoso que não ferisse as ouças dos comensais. 

Selecionando cuidadosamente cada palavra, ele fez o pedido ao moço que estava próximo ao cuscuz:

- Garoto, por gentileza, passe-me esse prato de bundas-bundas...

No meio dos risos contidos, um idoso ficou levemente sufocado e, para seu alívio, expeliu um pouco do cuscuz que mastigava, borrifando o rosto do convidado.

Meu tio ria de sua história e acrescentava que aquele senhor tinha uma filha que fora muito bem educada, seguindo os preceitos do pai, especialmente no que diz respeito ao uso de um linguajar “escorreito”, evitando termos vulgares que sugerissem as partes pudentes do corpo humano.

O que se sabe é que em sala de aula, a moça foi ler um texto do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, e aplicou seu aprendizado. Naquele dia, seguindo orientação de seu respeitoso pai, alterou o título do livro, evitando pronunciar um palavrão.

Para ela o sítio era do “Pinica”- Pau Amarelo.

 

Aracaju, 09/03/2021

BETO DÉDA


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