Uma
data inesquecível, uma crônica sobre uma anedota e golpe de estado.
O dia primeiro de dezembro tem um
significado importante para nossa família: trata-se da data que comemoramos o
nascimento do meu saudoso pai, José de Carvalho Déda. Ele nasceu em 1º de
dezembro de 1898.
Neste fim de semana, lembrei-me mais
uma vez de meu pai, ao ler, como sempre o faço, as crônicas escritas pelo
cearense José Nilton Fernandes, que rememora fatos do seu tempo de criança na
cidade de Aracati (CE). E a lembrança aconteceu porque o José Nilton tem o
hábito de escrever fazendo comparações, e o faz com maestria.
Carvalho Déda dizia que o nordestino conversa
fazendo comparações, de modo a ser melhor compreendido. Como folclorista,
registrou um mundão de comparações em seu livro "Brefáias e
Burundangas do Folclore Sergipano". Hoje, para comemorar o dia do seu
nascimento, transcrevo um interessante artigo que ele escreveu em 1954, no qual
faz uma pertinente comparação entre os acontecimentos políticos daquela época e
a anedota do "Burro Carregado de Panelas".
Antes de mostrar o texto, é bom
esclarecer que, naquele ano, nosso Brasil passava por uma grave crise política,
gerando temerosa desconfiança, diante da possibilidade de um golpe militar,
especialmente pela publicação do “Manifesto dos Coronéis”, um ato de
insubordinação de militares contra o Presidente Getúlio Vargas, e que, na
sequência de outros acontecimentos políticos, teve como consequência, ainda
naquele ano, a deposição e o suicídio do Presidente Getúlio.
Carvalho Déda escreveu o texto diante
de uma declaração do General Góis Monteiro sobre a facilidade de golpe no Brasil. Como bom
nordestino e estudioso do folclore fez uma interessante comparação.
Transcrevo o artigo:
“UM BURRO CARREGADO DE PANELAS
Escreveu Carvalho
Déda *
Nós, sertanejos
sergipanos, temos o hábito de conversar fazendo comparações. As conversas e os
comentários, por mais importantes que sejam, têm melhor sabor quando temperados
assim.
Se compararmos o
Brasil atual como aquele burro da anedota, não vejam nisso nenhuma falta de
patriotismo. São coisas de sertanejo, e o costume do cachimbo deixa a boca
torta...
Eu não tenho aquele
“jeitão” de contar anedotas, contudo vou tentar aquela do burro carregado de
panelas, a propósito da situação atual: Conta-se que um ingênuo matuto conduzia
um burro carregado de frágeis panelas de barro, quando, à certa altura, surgiu
um gaiato que fingindo segredar algo na orelha da alimária e, sem que o dono
percebesse, jogou a ponta do cigarro dentro da ouça do burro infeliz, que por
sinal nunca em sua vida dera um coice. Aconteceu que, com o fogo na broca
do ouvido, o manso animal virou o diabo: pulou, pinoteou,
escouceou, atirou fora as panelas em cacarecos e “picou-se” no mundo
desenfreadamente. O matuto queria uma explicação e perguntou ao gaiato: - Que
diabo foi que você disse a meu burro? E o outro: - Disse-lhe apenas que a mãe
dele havia morrido! E o camponês, exaltado: - Homem, isto é coisa que se diga a
um burro carregado de panelas?!...
A historieta vem a
propósito do recente depoimento do General Góis Monteiro, testemunha na ação de
ressarcimento de danos proposta pela família do saudoso político paulista Dr.
Armando de Sales Oliveira contra a União. Entre outras coisas, disse o General
Góis: - “É facílimo dar um golpe no Brasil. Para se dar um golpe, basta o
seguinte: um clima especial, um ministro político, o Ministro da Guerra aderir
juntamente com o Chefe de Polícia, e, finalmente, um País desmoralizado...”
É o caso de
perguntarmos, sertaneja e sergipanamente falando: - General, isto é
coisa que se diga a um burro carregado de panelas?!..”
*Texto escrito por Carvalho Déda, sob o
pseudônimo Pakézo, publicado no jornal A Semana, edição de 20/02/1954.
...
Ao reler esta antiga crônica, e
cotejando com acontecimentos recentes, ficamos a pensar que alguns militares e políticos da atualidade ainda acreditavam na facilidade de dar um golpe. Não esperavam que
confrontariam com pessoas que respeitam e lutam em defesa de princípios
constitucionais. Os golpistas planejaram tudo e iniciaram os movimentos para
impor uma ditadura aos brasileiros. Felizmente houve reação, o plano e os
criminosos foram enfrentados, derrotados, condenados e já estão vendo o sol
quadrado.
Hoje, essa anedota seria contada em um
pitoresco texto, com título: “Um burro carregado de golpistas”. No qual se narraria que o animal, atormentado com o fogo na broca do ouvido,
picou-se, desenfreadamente, pinoteando e trancafiando os golpistas nas celas da
Papuda. E finalizaria com a indagação:
“Isto é coisa que se diga a um
burro carregado de golpistas”.
Aracaju, 01/12/2025
BETO DÉDA












