Uma visita agradável
Na manhã de sexta-feira passada, 22/08/2025, tive a alegria de receber em minha casa a visita da querida Prof.ª Amanda Santos, doutoranda em História na UFBA, acompanhada do pesquisador João Paulo. Ambos estão realizando um estudo sobre a cultura popular em Simão Dias: as Zabumbas, os Reisados e os Sambas de Roda.
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Histórica visita: Doutoranda Amanda entre João Paulo e Beto Déda |
Não é pouco dizer a felicidade que tive em notar que aqueles jovens estão tentando resgatar a história de fatos folclóricos de nossa terra. E mais ainda, por me darem a honra de prestar-lhes algumas informações sobre lembranças de minha infância na Praça de São João, onde, com muita curiosidade, observava os acontecimentos e guardava em minha memória.
Aproveitei, ao máximo, o interesse dos pesquisadores e conversei das 8:30 às 12:30 horas, relembrando fatos da minha terra. De tanto conversar, acredito que tenham pensado que eu tinha "bebido água de chocalho" (termo popular que antigamente se utilizava para as pessoas que conversavam demais).
Com os simpáticos entrevistadores, comentei sobre a Zabumba do Mestre Terto Mangueira, que percorria os bairros da cidade e acompanhava as procissões religiosas no interior do município. Zabumba era a denominação que se dava a um grupo musical em que constava de um bumbo, tocado pelo Mestre Terto Mangueira, uma gaita (flauta feita com tubo de bambu) soprada pelo baixinho Dicuri, e um triângulo, cuja batida era do galego Timbira. Nos dias de hoje, tais grupos musicais são denominadas “Bandas de Pífaros”. Mas, na linguagem popular do simãodiense, o nome era Zabumba, e a gaita de bambu é o que chamam de pífaro. Como eram muito usadas, especialmente pela meninada, inclusive eu, as gaitas eram expostas para venda na feira livre nos dias de sábado. Mas o nome era gaita, nada de pífaro, que era mais difícil de pronunciar…
Na entrevista, lembrei do tempo em que me divertia observando a apresentação de reisados no interior. Minhas lembranças são das apresentações realizadas nas noite de sábado, no povoado Areal, em frente ao armazém de Seu Antônio de Silva, pai Leninha que desde aquela época era minha namorada. O grupo do reisado era formado por jovens e adultos, com roupas e chapéus coloridos, enfeitados com fitas de papel de variadas cores. Além das moças, compunham o grupo os seguintes personagens: a “besta-fera”, o “boi-janeiro” e o “caboclo”, este era a figura principal do reisado. Inicialmente apresentavam as danças, ao som de zabumba, depois começava a luta em que a “besta-fera” matava o “boi-janeiro”. E ao final do grande espetáculo, o caboclo realiza a partilha do boi, em um formidável e divertido canto rimado. Lembro de alguns desses rimas, pronunciados com graça pelo caboclo, intercalando cada verso, após ouvir o coro se pronunciar: “Iaiá, ô Iaiá, Óia o boi que te dá!”:
“O mocotó, é pra quem dorme só…
O lugar das ‘vergonha’, é pra dona Totonha…
O redém, eu não dou a ninguém...
A rabada, é da rapaziada…
A tripa mais fina, é pra estas meninas…
A tripa gaiteira, é das muié solteira...
Tudo era divertimento, com muitos aplausos para cada verso e alguns apontavam para alguém da plateia, como se fosse a beneficiária de determinada parte do boi. E a pessoa aceitava alegremente a brincadeira em estrondosa gargalhada. A diversão encantava a todos.
Também conversei sobre as comemorações do carnaval, das festas de largo, em comemoração ao Natal e ao Ano Novo. Entre outros fatos lembrei das festas juninas, dos cortejos de casamento na roça e, também, no mês de junho, a “Festa do boi”, organizada por Seu Jove da Marinete, que ganhava um boi bravo de um fazendeiro e, ele junto com uma turma de jovens, ia buscar na fazenda do doador. Era uma correria pelas ruas da cidade, com ligeira e tosca semelhança à corrida de touros na Espanha. A rês era abatida e a carne era servida em churrasco, à noite, na casa de Seu Jove, na Praça Jackson Figueredo, com muita música e dança.
Não deixei de mencionar os populares blocos carnavalescos, liderados por Negão, engraxate, Domingos Bina e Jerônimo, bem como as máscaras de carnaval feitas com papel jornal colados em modelos que fazíamos com argila recolhida no Tanque Novo.
De ver-se que naquela época se dava valor à tradição cultural da terra. E lembrei que nossa cidade teve a grandeza de contar com a colaboração de pessoas que incentivavam e ensinavam a juventude a manter as tradições locais, no que diz respeito ao teatro amador, aos folguedos juninos e ao gosto pela música. E faço aqui minha homenagem a simãodienses ilustres, do meu tempo e que me recordo agora: D. Carmem Dantas, D. Clarita Santana, Prof.ª Olda do Prado Dantas, Seu Zeca Laranjeiras, Jerônimo Santa Bárbara e Mestre Raimundo Macedo.
Com tantas recordações que tenho, o tempo não foi suficiente para narrar o que guardo dos acontecimentos folclóricos de minha terra. Mas aproveitei muito a oportunidade e fiquei feliz ao conversar com esses desbravadores da história contemporânea.
Depois de tudo, na hora do almoço, Leninha e Rosa Luxemburgo, não pestanejaram em perguntar aos moços: “Como aguentaram tantas horas de conversas? Seu Beto conversa pelos cotovelos, parece uma matraca”. E eu, com meus botões, replicava: -Ora, pois...
Espero que minha longa e por vezes dispersa conversa não tenha esgotado a paciência dos pesquisadores e, se paciência ainda tiverem, aguardo que voltem para novas lembranças e consultas aos meus desorganizados e implacáveis arquivos.
Aracaju, 25/08/2025
Beto Déda