terça-feira, 26 de agosto de 2025

 

Uma visita agradável



Na manhã de sexta-feira passada, 22/08/2025, tive a alegria de receber em minha casa a visita da querida Prof.ª Amanda Santos, doutoranda em História na UFBA, acompanhada do pesquisador João Paulo. Ambos estão realizando um estudo sobre a cultura popular em Simão Dias: as Zabumbas, os Reisados e os Sambas de Roda. 

Histórica visita: Doutoranda Amanda entre João Paulo e Beto Déda


Não é pouco dizer a felicidade que tive em notar que aqueles jovens estão tentando resgatar a história de fatos folclóricos de nossa terra. E mais ainda, por me darem a honra de prestar-lhes algumas informações sobre lembranças de minha infância na Praça de São João, onde, com muita curiosidade, observava os acontecimentos e guardava em minha memória.

Aproveitei, ao máximo, o interesse dos pesquisadores e conversei das 8:30 às 12:30 horas, relembrando fatos da minha terra. De tanto conversar, acredito que tenham pensado que eu tinha "bebido água de chocalho" (termo popular que antigamente se utilizava para as pessoas que conversavam demais). 

Com os simpáticos entrevistadores, comentei sobre a Zabumba do Mestre Terto Mangueira, que percorria os bairros da cidade e acompanhava as procissões religiosas no interior do município. Zabumba era a denominação que se dava a um grupo musical em que constava de um bumbo, tocado pelo Mestre Terto Mangueira, uma gaita (flauta feita com tubo de bambu) soprada pelo baixinho Dicuri, e um triângulo, cuja batida era do galego Timbira. Nos dias de hoje, tais grupos musicais são denominadas “Bandas de Pífaros”. Mas, na linguagem popular do simãodiense, o nome era Zabumba, e a gaita de bambu é o que chamam de pífaro. Como eram muito usadas, especialmente pela meninada, inclusive eu, as gaitas eram expostas para venda na feira livre nos dias de sábado. Mas o nome era gaita, nada de pífaro, que era mais difícil de pronunciar…

Na entrevista, lembrei do tempo em que me divertia observando a apresentação de reisados no interior. Minhas lembranças são das apresentações realizadas nas noite de sábado, no povoado Areal, em frente ao armazém de Seu Antônio de Silva, pai Leninha que desde aquela época era minha namorada. O grupo do reisado era formado por jovens e adultos, com roupas e chapéus coloridos, enfeitados com fitas de papel de variadas cores. Além das moças, compunham o grupo os seguintes personagens: a “besta-fera”, o “boi-janeiro” e o “caboclo”, este era a figura principal do reisado. Inicialmente apresentavam as danças, ao som de zabumba, depois começava a luta em que a “besta-fera” matava o “boi-janeiro”. E ao final do grande espetáculo, o caboclo realiza a partilha do boi, em um formidável e divertido canto rimado. Lembro de alguns desses rimas, pronunciados com graça pelo caboclo, intercalando cada verso, após ouvir o coro se pronunciar: “Iaiá, ô Iaiá, Óia o boi que te dá!”:

“O mocotó, é pra quem dorme só…

O lugar das ‘vergonha’, é pra dona Totonha…

O redém, eu não dou a ninguém...

A rabada, é da rapaziada…

A tripa mais fina, é pra estas meninas…

A tripa gaiteira, é das muié solteira...

Tudo era divertimento, com muitos aplausos para cada verso e alguns apontavam para alguém da plateia, como se fosse a beneficiária de determinada parte do boi. E a pessoa aceitava alegremente a brincadeira em estrondosa gargalhada. A diversão encantava a todos.

Também conversei sobre as comemorações do carnaval, das festas  de largo, em comemoração ao Natal e ao Ano Novo. Entre outros fatos lembrei das festas juninas, dos cortejos de casamento na roça e,  também, no mês de junho, a “Festa do boi”, organizada por Seu Jove da Marinete, que ganhava um boi bravo de um fazendeiro e, ele junto com uma turma de jovens, ia buscar na fazenda do doador. Era uma correria pelas ruas da cidade, com ligeira e tosca semelhança à corrida de touros na Espanha. A rês era abatida e a carne era servida em churrasco, à noite, na casa de Seu Jove, na Praça Jackson Figueredo, com muita música e dança.

Não deixei de mencionar os populares blocos carnavalescos, liderados por Negão, engraxate, Domingos Bina e Jerônimo, bem como as máscaras de carnaval feitas com papel jornal colados em modelos que fazíamos com argila recolhida no Tanque Novo.

De ver-se que naquela época se dava valor à tradição cultural da terra. E lembrei que nossa cidade teve a grandeza de contar com a colaboração de pessoas que incentivavam e ensinavam a juventude a manter as tradições locais, no que diz respeito ao teatro amador, aos folguedos juninos e ao gosto pela música. E faço aqui minha homenagem a simãodienses ilustres, do meu tempo e que me recordo agora: D. Carmem Dantas, D. Clarita Santana, Prof.ª Olda do Prado Dantas, Seu Zeca Laranjeiras, Jerônimo Santa Bárbara e Mestre Raimundo Macedo.

Com tantas recordações que tenho, o tempo não foi suficiente para narrar o que guardo dos acontecimentos folclóricos de minha terra. Mas aproveitei muito a oportunidade e fiquei feliz ao conversar com esses desbravadores da história contemporânea.

Depois de tudo, na hora do almoço, Leninha e Rosa Luxemburgo, não pestanejaram em perguntar aos moços: “Como aguentaram tantas horas de conversas? Seu Beto conversa pelos cotovelos, parece uma matraca”. E eu, com meus botões, replicava: -Ora, pois...

Espero que minha longa e por vezes dispersa conversa não tenha esgotado a paciência dos pesquisadores e, se paciência ainda tiverem, aguardo que voltem para novas lembranças e consultas aos meus desorganizados e implacáveis arquivos.


Aracaju, 25/08/2025

Beto Déda




7 comentários:

  1. Te ouvir é sempre uma agradável e alegre viagem na história, meu pai querido

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  2. Imagino o quão rápido voaram essas 04 horas rsrs. Certamente , por uma via de mão dupla, ambos (pesquisadores e entrevistado) saíram maiores deste bate papo. A história de Sergipe agradece.

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    1. Realmente, para mim foi tudo muito rápido e, acredito, de importantes trocas de informações. Acredito que eu saí lucrando... Um abraço, querido Flávio!

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  3. Gostei da prosa!
    Na minha última viagem a Simão Dias, eu tive o prazer de conhecer Amanda. Eu acho que essas suas entrevistas com ela estão sendo enriquecedoras para ambas as partes, pelo prazer que o senhor sente em divulgar os seus arquivos e a história de Simão Dias e também pela base documental e empírica de que ela está se munindo.
    A partilha do BOI JANEIRO me lembrou a música de Luiz Gonzaga BOI DO MANGANGÁ, que eu cantava para os meus filhos quando eles eram pequenos e eles respondiam com as rimas. Imagino que esse formato de partilha do boi seja adaptado para cada lugar, rimando as partes do boi com o nome das pessoas.
    As gaitas me lembraram de uma cena feliz da minha infância, quando o meu avô entrou em nossa casa num final de tarde com cinco gaitas fabricadas por ele nas engenhocas da sua tipografia. Uma gaita para cada irmão (na época éramos cinco, Juliana ainda aguardava no mundo espiritual o momento da sua encarnação). No dia seguinte ele fez uma gaita também para Marcelo. Formamos uma banda interessante, pois ninguém sabia tocar, mas juntos achávamo-nos excelentes e felizes músicos.
    Gostei de ver o registro de que Leninha desde criança já era sua namorada. Vocês são almas gêmeas, flechadas por EROS, o deus grego, para serem eternos namorados, e são. Da próxima vez que ela perguntar “como os pesquisadores aguentaram ficar quatro horas conversando”, explique-os que o senhor tem um “visgo” diferenciado e que, se eles quiserem mais detalhes, perguntem à própria Leninha, que a este “visgo” está presa por tantos anos.
    A lembrança de que “naquela época dava-se valor às tradições culturais” é importante para as novas gerações que não se identificam mais com a realidade local e, perdendo as raízes da “terra fértil”, deixam-se levar pelos formatos impostos pela mídia global. Isso é sério! O Papa Francisco, na encíclica FRATELLI TUTTI, escreveu que a colonização cultural aliena, leva à perda da consciência histórica, rouba a alma e a fisionomia espiritual, faz-nos renunciar a um tesouro, leva-nos a um universalismo abstrato. Para ele ninguém consegue acolher o de fora se não estiver ancorado no amor à sua terra, ao seu povo e aos seus próprios traços culturais, pois é isso que nos identifica e nos dá originalidade. Assim, o universal não deve imposto nem padronizado de forma homogênea.
    Bendita seja essa “água de chocalho”! Que ela nunca falta na sua moringa, querido Tio Beto, para que esses seus “implacáveis arquivos” sempre estejam abertos às novas gerações e sejam sempre uma fonte a saciar a sede daqueles que procuram o conhecimento da realidade local por amor às suas raízes!

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    1. Obrigado por sua maravilhosa mensagem, meu querido sobrinho! Minha moringa parece não deixar de conservar a "água de chocalho". A questão é saber quem tem a paciência de me escutar. Grandeza que não falta em você e em pessoas como a querida Amanda. Aquele abraço bem apertado do tio que te admira.

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  4. Obrigado por sua maravilhosa mensagem, meu querido sobrinho! Minha moringa parece não deixar de conservar a "água de chocalho". A questão é saber quem tem a paciência de me escutar. Grandeza que não falta em você e em pessoas como a querida Amanda. Aquele abraço bem apertado do tio que te admira.

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