Outro dia, ouvindo as façanhas de um técnico de futebol falando seu inglês macarrônico em propaganda de refrigerante, lembrei-me do tempo de minha juventude quando fui professor de inglês.
Naquela época, a criação de curso
ginasial no interior do Sergipe exigia a contribuição de pessoas que pudessem
improvisar a tarefa de ensinar, e isto acontecia divido da dificuldade de se encontrar
professores especializados.
A partir de 1964, dei minha colaboração ao Ginásio Industrial Dr. Carvalho Neto, em Simão Dias.
Naquele ano eu estava em Simão Dias e meu primo José Carlos Déda, que já prestava sua colaboração como professor de Inglês, incentivou-me a ensinar, então falou com a direção do ginásio e convidaram-me a fazer parte do corpo docente. Passei a ensinar inglês e matemática. Na verdade, gostava mais de cuidar dos números de que do idioma. Mesmo assim não fugi ao dever de colaborar e o fiz com todo empenho, imitando e assumindo a forma de professor, até no uso de um guarda-pó, tal qual usava o grande Prof. Leão Magno, que foi meu mestre de matemática no Colégio Ateneu.
A partir de 1964, dei minha colaboração ao Ginásio Industrial Dr. Carvalho Neto, em Simão Dias.
Naquele ano eu estava em Simão Dias e meu primo José Carlos Déda, que já prestava sua colaboração como professor de Inglês, incentivou-me a ensinar, então falou com a direção do ginásio e convidaram-me a fazer parte do corpo docente. Passei a ensinar inglês e matemática. Na verdade, gostava mais de cuidar dos números de que do idioma. Mesmo assim não fugi ao dever de colaborar e o fiz com todo empenho, imitando e assumindo a forma de professor, até no uso de um guarda-pó, tal qual usava o grande Prof. Leão Magno, que foi meu mestre de matemática no Colégio Ateneu.
Juntamente com o primo
José Carlos discutimos a dificuldade que os alunos do interior enfrentavam para
adquirir os livros didáticos. E tentamos solucionar esse problema, editando nosso
próprio livro. Como eu era tipógrafo, bolamos então editá-lo ali mesmo, no
Ginásio, em uma pequena oficina tipográfica destinada ao ensino de Artes
Gráficas. Sem descuidarmos do programa exigido pelo MEC, bolamos um livreto
(espécie de cartilha ou ABC em inglês), evidenciando o básico, abrangendo
principalmente conversação inicial, um pouco de gramática e exercícios. Tudo do
modo mais simples possível. Para realizar algumas versões, que serviriam de leitura, pedimos ajuda ao primo Harildo, que estudara nos Estados Unidos, e conhecia muito bem o idioma do "Tio Sam".
![]() |
Capa da edição original do livro que editamos nas Oficinas Gráficas do Ginásio Industrial de Simão Dias, em 1964. |
Conseguimos o
consentimento da diretoria e passamos aos trabalhos da edição. Zé Carlos cuidara
de organizar e datilografar os temas discutidos e eu, na qualidade de tipógrafo, a realizar os trabalhos
gráficos (composição e impressão) do livro. Foi precisamente no mês de junho de 1964 que
concluímos a edição, que tinha o título pomposo: My English Book. O lançamento foi
feito no salão do próprio ginásio, com a presença de alunos e seus pais. Não
sei como expressar a alegria que tivemos naquele dia. Ainda hoje conservo cuidadosamente o
original, com uma dedicatória impressa que fiz pra Leninha, que era minha aluna/namorada
e hoje minha esposa. Também guardo comigo uma cópia feita três décadas depois,
em 1998, pelo saudoso primo Zé Carlos, usando um computador e impressora, mas mantendo
as mesmas características do original.![]() |
Dedicatória a Leninha, impressa na Gráfica onde foi editado o livro. |
Como professor
improvisado, meu objetivo era transmitir o pouco do meu inglês macarrônico (ou
inglês de beira de cais, como dizia o Prof. José Franklin). Preocupava-me em
ensinar o básico mesmo, de modo que soubessem se expressar em situações especias, como: ter fome, sede, pedir ajuda, entrar, sentar,
ficar de pé, ler, escrever, perguntar o nome, etc. E o fazia com aquela
pronúncia que, eu mesmo reconhecia, deixava a desejar e fazia meu primo Zé
Carlos sorrir a vontade.
O maior aperto que
senti aconteceu em certa tarde, quando estava em sala de aula e recebi o
chamado da Profª. Iolanda para ir até a sala da diretoria. Lá chegando, fui apresentado a um americano chamado
David Júnior, que viera prestar serviços em Simão
Dias, como Voluntário da Paz, no âmbito de convênio firmado entre o Brasil e os
Estados Unidos. Feitas as apresentações, alguém sugeriu que ele fosse até a
minha sala para conhecer a turma. O
David começava a se comunicar em nosso idioma e somente com esforço e boa vontade é que dava para se entender o que dizia ou pretendia dizer. Enquanto eu, pelo contrário, pouco
entendia ou me fazia entender com meu inglês macarrônico. Iniciado um ligeiro
diálogo, procurei ganhar tempo. Parece-me que fiquei branco tal qual meu
guarda-pó, mas logo recuperei a cor e o fôlego. Então, pensei com meus botões: "vou usar as frases básicas aplicadas na
sala de aulas, tomar a iniciativa e não
deixar o americano iniciar conversa em inglês, senão tô ferrado".
Fomos à sala. Lá chegando, a turma ficou de pé e eu
prontamente exclamei: Sit down, please!
Todos atenderam. Convidei o David a sentar na fila da frente; e o fiz
balançando a cabeça de lado, indicando a direção com nos filmes de cowboy, e dizendo: "Come on, my
friend, sit down here, please!".
Imediatamente passei a
explicar aos alunos que aquele rapaz era um americano que viera prestar
serviços em nossa terra e que certamente seria professor do ginásio. E aproveitando
a oportunidade pediríamos a ele para ler uma pequena lição de nosso livro de
modo a conhecermos melhor a pronúncia. E olhando para o David, entregando-lhe o
nosso livro, disse, pausadamente: "Please,
friend, stand up, open the book at page ... and read".
O David amarelou, levantou-se e
com as mãos trêmulas abriu o livro e fez a leitura numa velocidade
impressionante. O seu nervosismo me deixou à vontade, senhor da situação. Pedi
então que lesse mais divagar (slowly)
e ele o fez ainda tremendo. Agradeci e sem mais conversa levei-o de volta à
sala da diretoria. Aliviado, voltei à classe e comentei que o americano ficara
emocionado e precisava de um gole de água com açúcar. E a risada foi geral.
Continuei até o final
daquele semestre ensinando o meu inglês “de
beira de cais”, acreditando na possibilidade de pensarem que eu sabia o
idioma. E dizia com meus botões, usando o inglês macarrônico tal e qual o usado pelo
técnico Joel Santana em uma recente propaganda de refrigerante:
“-...Pode to be?”.
“-...Pode to be?”.
Aracaju, 31.10.2012
Beto Déda
Mais uma história muito legal meu caro Beto. Confesso que me emocionei ao lembrar seu primo e meu querido amigo Zé Carlos, Veio logo em minha mente sua caligrafia fantástica. Um abraço.
ResponderExcluirÉ sempre maravilhoso ouvir ou ler suas histórias, elas sempre emocionam e encantam. Te amo!
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