segunda-feira, 13 de novembro de 2023

“Avião”, um personagem dos velhos tempos de minha terra.

 

 

Em minha oficina de armengues, no Lago Dourado, costumo ligar o rádio em uma estação que reproduz músicas antigas e, ontem, ouvi uma velha canção de Anísio Silva que me despertou lembranças de um personagem popular que viveu em Simão Dias, lá pelos anos 60. Era conhecido pelo apelido: “Avião”.

 

Conto para você quem foi esse interessante personagem.

 

Precisamente no ano de 1964, eu regressei à minha terra, depois de concluir o terceiro ano do curso científico no Colégio Estadual Duque de Caxias, em Salvador (Ba), e voltei a ser repórter do jornal A Semana, no qual também, vez por outra, me atrevia a escrever uma crônica, usando o pseudônimo Berto.

 

Naquela época, em encontros com jovens colegas, notei que um senhor meio louco e pedinte, com cerca de 60 anos de idade, conhecido na cidade pelo apelido de “Avião”, era sempre mencionado pelos jovens. E as frases e o vocabulário desconexos usados pelo velho maluco eram repetidos pela garotada. Lembro-me agora do termo "consistir", que para ele significava flertar, namorar. Assim é que os jovens falavam quando alguém começava um namoro ou flerte: "Fulana está 'consistindo' com sicrano". 

 

Pois bem, naquele tempo eu tinha lido o livro "Dom Quixote de La Mancha", de Cervantes, e notei que o velho “Avião” era alto, magro, barba rala, sempre usando um bastão, perambulando pelas ruas de Simão Dias, parecendo os desenhos de Gustavo Doré, que ilustrava o Cavaleiro de Triste Figura.

         

Avião no bar da Ponta da Asa (Traços da lembrança de Beto Déda

Foi em consequência dessa fantasiosa semelhança que resolvi conhecer melhor aquele andarilho que impressionava os jovens simãodienses. Procurei entrevistá-lo, para escrever um texto e publicar no jornal A Semana. Pensado e feito. Na edição de 18-07-1964 daquele jornal, tracei o perfil do velho “Avião” na seção "Um personagem, uma história".

 

Sobre esse texto, minha memória guarda com detalhes o encontro que tive com aquele personagem. Aconteceu em um bar na Ponta da Asa, onde funcionava um melhor cabaré da cidade, quase no final da Rua do Mulungu. Era início de noite e o baile do cabaré ainda não começara. Avião estava sentado em um banco, batendo cadenciadamente seu bastão, com o olhar fixo para o alto, enquanto o rádio do bar tocava, coincidentemente, o bolero “Tudo Foi Ilusão”, de Laert Santos e Arcilino Tavares, na voz de Anísio Silva, gravado em 1956.

 

Ao me sentar ao seu lado, ele imediatamente disse-me que estava com uma ligeira dor de barriga e pediu que eu pagasse uma dose de aguardente “Zinebra Guichard” que, naquela época, diziam ser muito boa para o alegado incômodo. Percebi que a tal dor era apenas um pretexto. Mesmo assim, pedi duas doses: uma pra ele e outra pra mim.  Enquanto conversávamos, ele bebeu em pausados goles, saboreando lentamente o gosto apurado da cachaça. Foi uma conversa pouco elucidativa para se conhecer a história do interessante velho. Ele não dizia coisa com coisa. Perguntei o seu nome e ele deu de ombros. Não lembrava. Esclareceu que o chamavam de “Avião”, mas esse era o apelido de seu cavalo, um pangaré magro que morreu atropelado na Rua do Alambique, próximo do terreno de Antônio Fundão e a casa de Mané de Zabé. Depois, talvez pelo efeito da aguardente, começou a cantar modinhas antigas, entre sorrisos e soluços. Parecia emocionado, voltou a batucar com o cajado no chão e bloqueou as velhas lembranças. Naquele momento, senti que era o instante de encerramos a entrevista.

 

Lembro-me, muito bem, que uma frequentadora do Cabaré, conhecida como Maria Paciência, estava encostada ao balcão, acompanhando a entrevista e percebendo o insucesso de minhas indagações, fez um sinal me informando que queria falar comigo. 

 

A bondosa atenção de Maria Paciência, que sempre fez jus ao seu segundo nome, foi para mim um privilégio. Aguardou que terminasse a malograda entrevista e, então, contou-me que certa noite tivera contato com um sertanejo que reconheceu “Avião”. O moço disse-lhe que o velho era lavrador e morava em um sítio lá para os lados de Bom Conselho, mas que ficou tantã da cabeça quando tomou conhecimento de que a sua amada mulher o tinha traído e fugido com um aventureiro que passara pela região. Inconformado com sua sorte e envergonhado, largou tudo, pegou seu cavalo e desapareceu do local. Perdeu a memória e o juízo, andou perambulando e veio parar em Simão Dias.

 

Com as informações adicionais de Paciência, escrevi o texto, que reproduzo abaixo. 

 

 

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Artigo escrito por Beto Déda e publicado no jornal "A Semana", edição de 18/07/1964, fl.04.

Devo esclarecer que, pouco tempo depois da publicação do artigo, soube que o estranho e simpático “Avião” desapareceu da cidade, surgindo a notícia de que, tal qual seu pangaré, fora vítima de um atropelamento, passando desta para outra dimensão. 

 

Mas, como todos os fatos são motivos de longas discursões em cidades do interior, o destino final de “Avião” motivou controvérsias. Meu amigo Joaquim Vitorino, por exemplo, divergia do referido atropelamento, e afirmava que o velho voltou para os arredores de Bom Conselho, recuperou a memória e conquistou outra mulher. Que seja! Até hoje, torço que tenha ocorrido a versão de Vitorino. 

 

Por fim, para não esquecer os velhos tempos da Ponta da Asa, também é bom ouvir o bolero de Anísio Silva, música muito tocada naquele ambiente.




O bolero "Tudo Foi ilusão" tocado na Ponta da Asa 






Aracaju, 12/11/2023
BETO DÉDA


segunda-feira, 6 de novembro de 2023

 

Recebendo pessoas amigas no Lago Dourado.

 

Recentemente tive a alegria de receber no sítio Lago Dourado as visitas de pessoas queridas.

No dia 26 de outubro, mais uma vez, a querida amiga Amanda Santos esteve conosco e nos deu o prazer de me apresentar à jornalista e escritora Cândida Oliveira.  Das simpáticas visitantes, além da felicidade do encontro, tive a satisfação de receber livros que publicaram sobre fatos históricos de Sergipe.

 De Amanda recebi exemplares do seu “Entre Traços e Contextos”, recém publicado, que trata das charges de Carvalho Déda publicadas no jornal A Semana, editado em Simão Dias.  Amanda é uma pesquisadora cuidadosa e seu livro não pode faltar aos estudiosos interessados na história que nossa terra. 

Da jornalista Cândida Oliveira recebi o livro de sua autoria “Lentes, Memória e História”, que resgata a lembrança dos antigos fotógrafos da Praça General Valadão, em Aracaju, os famosos “Lambe-Lambe”, que atendiam em suas barracas conhecidas popularmente como “Foto Oiti”.

Com as ilustres mestras tivemos longa conversa (nesse ponto vale uma ressalva: como sou conversador, quase monopolizei o bate-papo). Foi um encontro maravilhoso e torço para que seja repetido.


                
                         A jornalista Cândida e Beto Déda                        Beto, Cândida e Amanda                



No primeiro dia do corrente mês, quem me deu o imenso prazer de uma visita foi meu sobrinho-neto Paulo César, filho do querido sobrinho César Déda, que é filho de minha saudosa irmã Nancy Déda. 

O sobrinho-neto Paulo César nos visitou acompanhado de outro simãodiense, o conhecido “Alô”, que é filho do meu velho amigo Jonas do BNB.


Beto e Alô, filho de Jonas



 Nos velhos tempos o Jonas cuidava do BNB-Clube, e eu o apelidava de “Tarita”, isto porque quando ele me via saboreando uma Brahma gelada, ele não pedia tempo e soltava a voz em um refrão com melodia própria:

 “Tarita, Tarita...

  Seu Beto está cheio,

  Está cheio de birita...”


 

O amigão Jonas cantarolando o "Tarita" pra Beto Déda.

Horas depois, tendo dado várias goladas em água que passarinho não bebe, o companheiro Jonas modificava ligeiramente o melódico refrão, e cantava:

“Tarita, Tarita...

Agora eu estou cheio...

Estou cheio de birita...”

Foto de Jonas cantando o "Tarita" pra ele mesmo.


São lembranças do BNB-Clube, do tempo que o colega Zé Maria era seu inesquecível presidente e o “Tarita” seu prestimoso auxiliar.


Fiquei feliz com a visita de Paulo César e, de modo especial, por trazer com ele o “Alô”, filho do meu companheiro e amigo Jonas, despertando-me interessantes recordações.

Aracaju, 06/11/2023.

Beto Déda


terça-feira, 17 de outubro de 2023

 


O dia do estudante, a queda da antiga ponte de Atalaia e meu discurso no pátio do colégio Jackson de Figueiredo.

 

Recentemente foi concluída a restauração da ponte Juscelino Kubistchek, sobre o Rio Poxim, que liga Aracaju à praia de Atalaia. A primeira parte da referida ponte foi inaugurada em 1958, no Governo de Leandro Maciel. Naquela ocasião o Presidente Kubistchek esteve em Aracaju, quando inaugurou a pista do Aeroporto. Mas, por questões políticas, não prestigiou a inauguração da ponte que levou seu nome.

A primeira ponte sobre o Rio Poxim foi construída em 1937, cuja estrada de piçarra ligava Aracaju à praia de Atalaia, local em que parte da elite aracajuana tinha suas casas de veraneio. Nos anos cinquenta, por questões estruturais, a antiga ponte ruiu.


Lembro-me que naquela época, no período de 1957 a 1960, eu era estudante interno do Ginásio Jackson de Figueiredo, dirigido pelos saudosos professores Benedito e Judite Oliveira. Foi justamente no final daquela década, quando comemorávamos a véspera do dia do estudante e foi mencionada a queda da antiga ponte, que vi encerrada minha vocação oratória naquele estabelecimento de ensino.

E passo a explicar o que realmente ocorreu.

Naquele tempo, era costume de D. Judite Oliveira reunir todos os alunos no pátio do colégio, antes do início das aulas, e fazer palestras instrutivas, do alto de um pódio, educando os alunos em práticas cívicas. E para estimular os discípulos, convocava alguns estudantes para discursar sobre datas relevantes. Em seguidas vezes ela me convocara para falar e eu prontamente atendia. Dava o recado, meio carente das regras de linguagem, mas com raciocínio que parecia agradar, e digo isto levando em conta as diversas vezes que fora chamado para discursar pela saudosa diretora.

Pois bem. Certa vez, na véspera da comemoração do feriado do dia do estudante, D. Judite fez alguns comentários em desmerecimento à suspensão das aulas naquele dia. E dizia ela que não se conformava com tantos feriados: dia do estudante, dia do funcionário público, dia do professor etc... E concluía informando que foi em decorrência de tantos feriados que a antiga ponte de Atalaia desmoronou.

Depois de mostrar sua indignação com os feriados, ela convocou-me a falar sobre o dia do estudante. Aí, então, eu não vacilei em defender feriado e, lamentando o dito pela diretora, esclareci que nada tínhamos contra as demais datas, mas que defendíamos com energia o dia dedicado aos estudantes. Ao dizer isto, a estudantada se manifestou aos gritos, apoiando-me. Foi um começo de baderna. E a diretora, puxou o paletó de minha farda e, ao meu ouvido, exclamou baixinho: “Basta! Pode encerrar!”

Não atendi, e falei em bom som, na altura permitida pelo serviço de alto-falante, que a diretora pedia para parar de falar, mas eu tinha a obrigação de concluir meu raciocínio, e disse que a queda da velha ponte não ocorreu por causa de feriados, mas por erro no cálculo estrutural do engenheiro que orientara a construção. E a turma não economizou aplausos. A diretora não gostou do que viu e ouviu.

O troco dessa minha irreverência não tardou. Duas semanas depois, me envolvi em outro protesto. Desta feita em sala de aula, envolvendo o Prof. Gesteira, que lecionava matemática.  Ele nos submeteu a uma prova, com quatro questões, uma das quais versava sobre matéria que ainda não tinha sido ensinada. Eu e os colegas Estácio Valente (de Maceió) e Valdeck Nascimento (de Cedro de São João) nos insurgimos contra esse fato, lideramos um protesto e fomentamos um alvoroço na sala de aula. Foi uma algazarra danada. O bedel anotou tudo para informar os detalhes aos dirigentes do ginásio que estavam ausentes.

No dia seguinte, D. Judite subiu ao pódio e aproveitou para retaliar minha audácia na comemoração do dia do estudante. Primeiro fez uma alusão ao trio da indisciplina: eu, Estácio e Valdeck e como castigo determinou que não seria permitida nossa saída do ginásio naquele fim de semana.  Depois, se concentrou em me disciplinar, esclarecendo que eu era o líder da anarquia, que os meus discursos eram em português ruim e não devia ser líder de turma que se presasse. 

E como efeito do entrevero fui sumariamente rejeitado como orador da turma. O bastão foi passado para outro colega. Não me senti ofendido e, na verdade, foi um alívio para mim. Sinceramente!

Não obstante esse fato, os diretores foram benevolentes comigo, em atos seguintes.  Lembro-me, como se fosse hoje, o dia que os diretores me chamaram à sala de jantar do casal. Fiquei apreensivo, pensando ser alguma advertência. Aconteceu o contrário: fui convocado a representar o Professor Benedito na formatura dos alunos do Grupo Escolar Valadão, que ficava próximo à Praça da Bandeira. Autorizou-me a escolher dois colegas para me acompanhar. Foram comigo, todos usando a farda de gala do Ginásio, os colegas Hercílio Silva e Roberto Rivas. Na festividade fiz parte da mesa de entrega dos diplomas, como representante do Professor Benedito.

Em outra oportunidade, o diretor determinou que fosse representar o Ginásio em uma solenidade que se conclamava os sergipanos a doar bens para as vítimas da enchente do Rio São Francisco, e que foi realizada no Palácio Fausto Cardoso, ocasião em que o Governador do Estado era o Dr. Luiz Garcia.   Realizei a representação, e dei entrevista sobre o acontecimento a Dr. Marques Guimarães, divulgada pela Rádio Difusora do Estado de Sergipe. 

Depois de cada representação, os dirigentes do Jackson me chamavam para apresentar um relatório oral sobre os acontecimentos e a  minha atuação. Pelo olhar deles, pareceu-me que aprovavam meu desempenho.  

Nunca contei esse fato aos meus pais. Entretanto, muitos anos depois do ocorrido, quando eu já trabalhava no Banco do Nordeste, na mesa do café da manhã, meu pai me fez uma pergunta: Você conhece um senhor chamado Adauto Pereira Souza, de Paulo Afonso (BA)? Diante de minha resposta afirmativa, ele me disse que conhecera o Adauto em uma seção de Júri naquela cidade e que o mesmo lhe perguntou se ele era meu parente. Ao saber que se tratava de meu pai, o interlocutor afirmou: “O Carlos Alberto não nega a origem”, e narrou para meu pai as minhas atuações no Ginásio, elogiando-me pelos pertinentes protestos e comportamento responsável.

Depois dessa informação, meu pai levantou-se para deixar a mesa do café matinal e, expressando um sorriso de contentamento, passou a mão em minha cabeça. Senti naquele momento o gesto de aprovação e carinho que jamais esquecerei.

E foi essa magnifica manifestação de meu pai que me motivou a descrever toda essa longa e cansativa lembrança que agora passo para os parentes e amigos.

 

Aracaju, 17/10/2023

Beto Déda

 

 PS -Adauto Pereira Souza estudou na Faculdade de Direito de Sergipe, e naquela época morava no  Ginásio Jackson de Figueiredo, onde chefiava a equipe de censores (bedéis). Quando se  formou foi advogar em Paulo Afonso, e lá ingressou na política e foi prefeito daquele município no período de 1963 a 1966. Tempos depois, em campanha para deputado estadual, faleceu em 01/10/1982, vítima de um acidente de helicóptero, em companhia do Pastor Clériston Andrade, que era candidato a Governador da Bahia.

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

 

O adeus a Haroldo Déda

 

Nas primeiras horas de quinta-feira passada, dia 05 de outubro, sentimos repetir em nossos corações a dor da saudade. Desta feita foi a despedida do querido Haroldo Anderson Déda, que passou para a vida eterna. Ele tinha 92 anos de idade, era filho de meus tios Paulo e Francisquinha Déda e era viúvo de minha inesquecível irmã Maura Oliveira Déda, que falecera em 18 de fevereiro deste ano.

 

Haroldo Anderson Déda 

A dor da saudade foi recorrente entre nossos familiares, no decorrer destes últimos meses. Numa sequência dolorosa, nos reunimos em velórios de Maura Déda, em 18-02-2023, de Heraldo Déda, em 14.08.2023, de Harildo Déda, em 19.09.2023, e, no último dia 5, o de Haroldo.  

Haroldo nasceu em Simão Dias, onde estudou suas primeiras leituras, depois foi aluno interno do colégio Dois de Julho, em Salvador. Serviu ao Exército Brasileiro e, ainda jovem, começou a trabalhar, auxiliando seu pai na loja de calçados e curtume Sidon. Com a aposentadoria de seu pai, assumiu a direção da Indústria de Calçados Sidon, que funcionava no bairro Siqueira Campos, aqui em Aracaju. Sentiu profundamente seu sonho se desfazer, diante da forte concorrência (dumping) de potentes indústrias de calçados do sul do país.  Teve que abandonar a atividade como industrial.

Homem de idoneidade invejável, cumpridor firme de propósitos, prestou serviços ao município de Aracaju.

Durante sua vida, nunca esqueceu sua fé cristã e a Igreja Presbiteriana que frequentou enquanto viveu em Simão Dias. No seu velório, a Pastora e orientadora espiritual fez um encantador culto, com emocionantes cânticos de fé.

Tive a alegria de conviver com Haroldo e Maura por um longo período de minha juventude. Para mim. eles foram como meus segundos pais.

Até poucos anos, a distração do querido Haroldo era ouvir canções antigas. E sentia prazer em nos presentear com maravilhosos discos. Gostava de sambas de breque e eu costumava fazer dueto com ele, cantando as músicas de Moreira da Silva. Ele tinha um repertório imenso, que depois doou aos parentes.

Na verdade, esse querido – que partiu para abraçar os parentes que estão no outro patamar da vida – continuará conosco e reviverá sempre em nossas alegres lembranças.

Que Deus abençoe e suavize a dor da saudade dos meus queridos sobrinhos-irmãos: Paulinho, Haroldinho, João, Malô e Francisca.

Aracaju, 09/10/2023

Beto Déda

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

 

Um inesquecível texto escrito por meu pai.

 

 

 

Nestes últimos dias, recuperando-me de uma leve entorse no pé, fiquei repousando em  casa. E preencho meu tempo lendo alguns livros e, principalmente, relendo textos escritos por meu saudoso pai.  Assim é que me deparei com uma pitoresca estória que ele escreveu sobre o sepultamento de um oficial da Guarda Nacional.

 

Carvalho Déda na redação do jornal "A Semana".


Recordo-me, como se fosse hoje, a cativante forma como meu pai contou-me aquele fato. Ele estava sentado em frente à sua máquina de datilografia e, depois da narrativa, percebendo meu incontrolável sorriso, ele escreveu o texto que foi publicado na edição do jornal “A Semana”, edição de 16 de julho de 1966. Já reli várias vezes essa lembrança, e o sorriso se repete.

 

Como é do meu feitio compartilhar com parentes e amigos minhas emoções, posto a seguir o referido texto.

 

 

“VÔTE, SEU ALFERES!

 

Escrito por Carvalho Déda

 

Eu devia ter quinze anos de idade, quando assisti, ali na então Vila do Coité, do vizinho Estado da Bahia, a uma tragicomédia.

Vítima de terrível indigestão, falecera, na véspera, o honrado Alferes Raimundo Santos, mais conhecido por Alferes Raimundo Pé-de-Ferro. Era um oficial da Guarda Nacional e residia no lugar “Trambeque”, a cerca de três léguas de distância da Vila, onde ocorrera o sepultamento.

Causou estranheza o fato de o corpo não ter sido levado diretamente para a Igreja, onde receberia a “encomendação” a que fazia jus sua alma de bom católico e homem de bem. Nem ao menos fora levado diretamente para o cemitério. Foi levado para a oficina do marceneiro Chico Vitor. Os donos do defunto explicaram: – para consertar a tampa do caixão que não fechava.

O marceneiro Chico Vítor, de mangas arregaçadas, óculos na ponta do nariz, careca morena polida, foi tomando as novas medidas para o remendo da urna mortuária. Foi quando vi a cena que se agarrou para sempre na minha retina de menino curioso. O finado alferes Raimundo dentro do esquife apresentava uma inchação exagerada, que impedia o fechamento da urna, feita de boa peroba. Com sua farda de alferes da “briosa”, o defunto, notadamente a barriga, crescia em sentido vertical. A calça já não alcançava o volumoso ventre onde os gases da indigestão se acumulavam, nem ao menos cobria os bordados vermelhos de pé-de-galinha, na alva ceroula de algodão. A vistosa túnica azul marinho, de botões e alamares dourados, andavam muito longe de abotoar, deixando nua a barriga de um moreno liso de peles esticadas, ameaçando estourar.

O Alferes morrera empanzinado e a cada minuto que passava a barriga ia crescendo, lotada de gases, impedindo que a tampa do caixa funcionasse.

Enquanto o marceneiro cuidava da nova tampa, a vistosa fardeta do defunto ia despertando a curiosidade popular. E foi juntando gente. Foi quando apareceu o saldado de polícia Osório dos Santos, um sarará que era a única peça militar do destacamento local.

Quando o saldado viu o defunto fardado, empertigou-se, trepou-se nos seus calcanhares e fez a continência disciplinar. Em seguida, determinou, com autoridade: - o enfermo fica embargado. Tem direito às honras militares e eu vou preparar a “companhia de guerra”.

Ele mesmo, sozinho, era o único soldado que compunha a “companhia de guerra” para as continências fúnebres indispensáveis. E saiu para as providências.

Afinal, o mestre Chico Vítor declarou corrigida a tampa do esquife, que foi fechado e conduzido com grande acompanhamento de curiosos para o cemitério, onde seria aguardada a “companhia de guerra”. E lá vai, a passo triste, o enterro do alferes. No cocuruto da tampa do caixão, o quepe de oficial com a sua pala preta de oleado e os seus bordados amarelos.

No cemitério, para que corresse alguma “viração” no cadáver, o caixão foi descoberto. O sol nordestino, mais quente às onze horas, incidia impiedosamente na barriga inchada do defunto.

A “companhia de guerra” demorava, mas a demora era justificável, pois o soldado Osório, como único responsável pela cerimônia, ainda estava dando a última “mão de kaol” no material de guerra: botões da túnica, cabo de latão do refle “rabo-de-galo” e fivela do cinto com “patrona” de sola.

Por fim, a “companhia” foi chegando. O soldado, com sua farda azul surrada, refle balançando na cintura, “comblain” ao ombro, marchava sozinho, mas garbosamente, sob o seu próprio comando. Ao chegar em frente ao caixão fúnebre, comandou-se, com bossa militar: - Alto! Deu um passo à retaguarda, tomando posição de atirador. O suor corria abundante pelo seu rosto cor de manga-rosa. Olhando para a assistência, comandou-se: - Companhia, atenção! Fôôô…go!...

Chico Vítor, Silvestre fiscal e Mestre Xandu tamparam os ouvidos e fecharam os olhos para quebrar a esperada violência do tiro de festim. Mas a carabina do soldado fez “quê-crêfo”, negou fogo! O soldado explicou: - Cartucho velho e uma desgroja repetiu a munição fria, resto da guerra do Paraguai!...Não desanimou, porém, e brado de comando: -Companhia! Fô ô go! A carabina tornou a “mentir fogo”, mas, justamente neste momento, por uma coincidência triste, ouviu-se um estranho estampido fofo, que não partiu da arma do soldado, mas do próprio defunto. O estranho estampido foi seguido de um terrível fedor que encheu o cemitério. Chico Vítor, Silvestre e Mestre Xandu tiraram os dedos dos ouvidos e taparam as narinas.

A barriga do Alferes havia estourado! Com violência, dos gases acumulados, substituíram, na cerimônia, a velha “comblain” do disciplinado soldado. A barriga do defunto estourou pelo lugar próprio.

O soldado, que era ele sozinho a sui generis “companhia de guerra”, vermelho como uma baeta, suando como tampa de chaleira, jogou a carabina ao chão, tapou o nariz e exclamou fanhoso: - Vôte’, seu Alferes!...”

     (Texto de Carvalho Déda – jornal “A Semana”, edição de 16.07.1966).

  

Depois desta leitura, espero que não tenha lhe faltado um bom sorriso.

 

Aracaju, 02/10/2023

Beto Déda

terça-feira, 19 de setembro de 2023

 



Saudade de um ilustre simãodiense: Harildo Déda



Mais uma vez a saudade nos atingiu. Nesta manhã, os noticiários informaram a partida de mais um ilustre simãodiense: Harildo Déda. Ele passou para a eternidade e agora vai reviver em nossas lembranças e na História do Teatro da Bahia.

Harildo Déda

Harildo nasceu em Simão Dias, no dia 3 de novembro de 1939. Era meu primo, filho dos tios Paulo Silveira Déda e Francisca Esteves Déda.

Ainda garoto, com 12 anos de idade, foi estudar em Salvador, no internato do Colégio Dois de Julho. E ficou na Bahia e de lá não saiu, dedicando-se às artes cênicas.  Sem nunca negar sua origem de sergipano e simãodiense, passou a ser “cidadão soteropolitano, por honraria, mérito e decreto datado de 2003”.

No livro “Harildo Déda- a matéria dos sonhos”, da autoria de Luiz Marfuz & Raimundo Matos de Leão, na última página, ele sentenciava:  

          “Um dia desses, me fizeram uma pergunta: se você deixasse de fazer teatro, continuaria vivo? No meu romantismo, achava que não. Hoje digo: ‘É uma pena deixar de fazer, mas eu continuo vivo, sem meu braço, sem uma perna, mas vivo’, Lutero já dizia: ‘mas eu continuo de pé’; eu continuo fazendo teatro”.

Há alguns dias, o Harildo esteve em Sergipe, conhecendo o Museu Virtual Enedina Chagas em Simão Dias, que foi inaugurado em dezembro do ano passado e que teve a colaboração artística dele. 


  
                              
        Harildo Déda no Museu de Simão Dias, com Ézio Déda e com Amanda Santos 


Hoje é um dia de justa homenagem ao ilustre professor, ator e diretor teatral.


Continuarei fã deste notável e querido primo.


Rogo ao bom Deus que conforte seus irmãos: Haroldo, Haroldina, Anísia, Paulo César e Humberto Déda.

Aracaju, 19/09/2023

BETO DÉDA

sábado, 9 de setembro de 2023

 

A posse de Ézio Déda na Academia Sergipana de Letras.





Na próxima quarta-feira, dia 13 de setembro, acontecerá a posse de mais um imortal na Academia Sergipana de Letras. E desta feita é o simãodiense ÉZIO DÉDA, que se destaca como intelectual, escritor, arquiteto, professor e grande divulgador da cultura sergipana.

Ézio Déda


Como escritor, Ézio é autor dos livros: “Arvore das Folhas Caducas" (2001) – apresentado pelas cantora Maria Betânia -, e “A Casa das Ausências”, com a participação de várias personalidades, publicado em 2010.



O novo imortal da Academia Sergipana de Letras, além de escritor e poeta, também é um cuidadoso arquiteto que cuida da memória de Sergipe.



Como arquiteto e responsável pelo Instituto Banese, realizou os seguintes projetos culturais: o Museu da Gente Sergipana e o Largo da Gente Sergipana, em Aracaju, e, recentemente, O Centro de Memória Digital Profª Enedina Chagas e o Clube Cultural Caiçara, na cidade de Simão Dias.



A solenidade da merecida posse de Ézio ocorrerá na próxima quarta-feira, às 18:00 horas, no Museu da Gente Sergipana, aqui em Aracaju.



Lá estarei abraçando o querido primo e conterrâneo.



E convido todos os parentes e amigos para o alegre encontro.



Aracaju, 09\09\2023

Beto Déda





quarta-feira, 23 de agosto de 2023

 

Atendendo às constantes reclamações...

 

E para não perder o humor, encontrei um meio de evitar as reiteradas reclamações.

Com o avançar dos anos, já idosos, para não usar o termo “velhos” – considerado por muitos como pejorativo - recebemos reclamações diárias, por mim consideradas intoleráveis: “Não faça isto, evite dizer aquilo, deixe de conversas bobas...  E segue uma ladainha de indefectíveis restrições.

Mas, tem uma delas que é insuperável e repetitiva:

- “Não molhe o chão do banheiro! “.

Justo sobre essa queixa de não molhar o banheiro é que passo a refletir nesse momento. E procurando dar um basta a tais admoestações, recentemente encontrei a solução.

E quem, involuntariamente, me auxilia nesse intento é o colega aposentado do BNB, José Nilton Fernandes, genial escritor da cidade de Aracati, que reside em Fortaleza.

Recentemente o Zé Nilton compartilhou em sua página no Facebook uma foto do site “Ideias Incríveis e Geniais”, com o título: Quero ver errar agora... e que eu aproveito e, também, reproduzo aqui.

O projeto que denominei "MIJODUTO".


A ideia é realmente formidável. Usarei meus dotes de artesão para realizar e usar o projeto que denomino de “Mijoduto”. Assim, ficarei livre de - pelo menos - uma das diversas queixas.

E o conselho vai também para aqueles que querem se livrar de tais reclamações diárias.  

Um bom riso não maltrata ninguém. Né? Então sorria...

Aracaju, 23/08/2023

Beto Déda

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

 

O primo Heraldo Déda nos deixou…


No dia 14 deste mês, nossa família sentiu novamente a dor da saudade: o querido primo Heraldo Déda passou para o outro plano da vida. Deixou para os que conviveram com ele um montão de boas recordações.

Na sexta-feira, dia 11, ele sofreu um AVC, foi hospitalizado, mas não resistiu. Sua despedida ocorreu na segunda-feira, um dia após a data dedicada aos pais.

Heraldo tinha 81 anos, era mais novo do que eu, diferença pouca: apenas um ano. Nossa amizade era grande, desde o tempo de criança.

Quando éramos garotos, em Simão Dias, estudamos no Grupo Escolar Fausto Cardoso, brincamos de bola de gude, peteca, jogamos castanhas nos buracos de bica das casa de platibandas; e, no Aloque – onde funcionava o curtume Sidon de tio Paulo - saboreávamos caldo de cana produzido ali mesmo, em um pequeno engenho movido por um jegue. O melhor mesmo era pescar lambaris e aratanhas no riacho Caiçá, que passava por trás da casa sede do Aloque.

Ainda muito novo, em companhia de seus pais, Heraldo veio morar em Aracaju. Nos encontramos aqui, no Ginásio Jackson de Figueredo, em 1957, ele cursando um ano letivo na minha frente. Concluiu o Ginásio em 1959. Naquela época, passávamos as férias em Simão Dias, e participávamos dos eventos da cidade.


Todos os anos, na festa de Santana, padroeira de nossa terra, era costume o encontro familiar. Sempre os primos se reuniam no bar do Abrigo, na Praça Matriz, e alegria era estampada no rosto de cada um. Com seu passamento, Heraldo será recebido pelos queridos parentes que já partiram para outro plano, especialmente pelos sempre lembrados primos que se reuniam nas datas festivas da terra berço: Zé Carlos de tio Sininho, Marcelo de Zilda e Washington de Lindonor.

Beto e Heraldo em Simão Dias=1958


Heraldo trabalhou como executivo em várias empresas e, com sua formatura em Direito, dirigiu também com sucesso seu escritório de advocacia. Certa vez, fazendo uma visita ao seu escritório, informei-lhe que pretendia fazer um curso de licenciatura para ser professor. Ao me ouvir,  dissuadiu-me daquela ideia e despertou-me o estímulo para o estudo de Direito, fazendo-me lembrar do que me orientava meu pai nos velhos tempos. Não desperdicei aqueles conselhos.


Heraldo Déda - Foto de seu site no Facebook


O querido primo e amigo Heraldo nos deixou, mas tornou-se imortal em nossas lembranças.

Que o bom Deus o receba no reino celestial e que conforte seus queridos filhos e netos.

Aracaju, 17-08-2023

Beto Déda