sexta-feira, 20 de junho de 2025

 

O encontro de idosos operados…


Nesta semana, ainda em repouso de uma cirurgia, tive a satisfação de me encontrar com um conterrâneo e me alegrar com lembranças de acontecimentos chistosos dos velhos tempos em nossa terra natal. Lembramos de patrícios notáveis e de fatos alegres, desses que nos fazem melhorar o humor e aliviar a tensão dos dias atuais.

Desenho da conversa de idosos
(Utilizando IA, edição de Beto Déda e Amanda Santos)

No meio da conversa, eu informei que fora submetido a uma exitosa cirurgia de catarata e que, embora ainda convalescente, já sentia os efeitos benéficos da operação. Ao saber dessa novidade, o amigo riu muito, e passou a me contar o vexame que ele teve quando foi submetido a uma cirurgia de vesícula (confessou que tinha sido operado por várias vezes!).

Resguardando o nome do amigo confidente e do local de sua cirurgia, passo a narrar detalhadamente, sem diminuir ou acrescentar, tudo que ele me contou, mas para isto, devo esclarecer que recebi seu “nihil obstat”. 

Disse-me que chegou ao hospital apreensivo e ansioso, com ligeiro temor da nova operação. O ambiente era frio, com temperatura regulada por potentes aparelhos de ar-condicionado. Esfregando as mãos freneticamente para aquecê-las, aguardou sua chamada. Um serviço de alto-falante, com som duvidoso, chamou seu nome. Acompanhado de uma enfermeira, dirigiu-se ao centro cirúrgico, passando antes pelo sanitário (conhecido nos velhos tempos como “privada ou sentina”) para aliviar a bexiga (tirar água do joelho, com dizem os biriteiros). Antes de entrar no centro cirúrgico, passou pelo vestiário, para trocar a roupa por um “avental curto e aberto”, que cobria apenas o tronco, deixando as pernas e braços nus.

Antes de tirar a roupa, foi orientado pela enfermeira a tirar todos os acessórios do corpo: próteses e outras peças artificiais, caso usasse para auxiliar a função de algum órgão. Ele balançou a cabeça, em sinal de que tinha entendido e, em seguida, recebeu uma cesta para guardar os instrumentos auxiliares de seu corpo...

Então, sorrindo, demonstrando seu admirável humor, disse-me como retirou cuidadosamente cada peça. A primeira foi a peruca, que cobria sua brilhosa careca, em seguida foi uma sequência de instrumentos artificiais: o aparelho para surdez; a dentadura; uma pulseira de cobre de uso terapêutico, para aliviar dores e melhorar a circulação do sangue; um cordão com búzios para abrandar mau-olhado; e, finalmente, tirou de uma das narinas uma folha de arruda, que acreditava ser boa para melhorar as vias respiratórias.

Depois de tudo, lembrou que tinha uma prótese que não sabia como tirar. Então, com acanhamento e ar de dúvida, resolveu informar sobre essa peça auxiliar para a enfermeira. Disse ele: “- Doutora, eu tenho uma prótese na parte íntima do meu corpo, mas não posso tirar…” , e baixou a cabeça, encabulado, esperando uma resposta. A moça respondeu com um sorriso: Deixe-a no respectivo lugar. Não vai poder tirar e também não terá serventia aqui. Aliviado da dúvida, ele conservou sua prótese peniana no devido lugar...

Depois de despir a gasta carcaça de tantos acessórios, foi aguardar sua vez na antessala do centro cirúrgico, onde sofreu com o frio descontrolado do ambiente. Ato contínuo, sem aguentar a baixa temperatura, exclamou: “Estou virando um picolé! Por favor, regulem esse diabo de aparelho!" . E foram salvos por uma simpática moça…

Por fim, o meu confidente afirmava sobre o sucesso da cirurgia da vesícula e, lambendo os beiços de satisfação, concluiu sua narrativa dizendo que hoje pode tomar sua boa cerveja (que apelida de “loura gelada”) sem a preocupação dos vômitos de bílis....

E a cada uma dessas informações o meu amigo se esbaldava em espontâneas risadas. E afirmava, com razão: “Ainda bem que a ciência nos auxilia a enfrentar os percalços da bendita caminhada ladeira abaixo”.

...

É bom conversar com pessoas alegres, tipos que tornam chistosas suas experiências, mesmo aquelas que ninguém deseja.

Um abraço ao bom e hilariante conterrâneo.


Aracaju, 20/06/2025

Beto Déda


terça-feira, 22 de abril de 2025

 

O grande Serafim, um amigo dos velhos tempos.


De minha mocidade vivida na Praça de São João, em Simão Dias(SE), eu guardo lembranças de muitos amigos que compartilhavam brincadeiras e algazarras comuns da época. Entre eles, lembro-me bem do mais alto de todos, com longas e finas pernas, e que parecia ser o mais velho da turma. Era o Serafim ou Sarafim, magro, empinado, rosto comprido, nariz afilado, olhos vivos e sempre usava um boné surrado, cobrindo seu cabelo meio sarará.

Era um garoto quase rapaz, muito criativo, com uma incomum curiosidade por tudo que fosse novidade. Divertíamos ao colher e saborear as mangas e cajus colhidos nos sítios de Seu Jovino, Seu Hilário e Seu Pierre. Também tentávamos as mangueiras do Seu Otávio Moganga, mas eram dificultosas devido a uma cerca alta de pau-a-pique.

Nessas aventuras, a ajuda de Serafim era importante devido a sua altura e seus longos braços que seguravam e balançavam com vigor os galhos das mangueiras, derrubando as mangas de vez, quase maduras. No sítio de Seu Otávio, Sarafim usava uma vara para puxar os frutos caídos no chão, aproximando-os da cerca para pegá-los.

Nas manhãs quentes, durante a semana, a turma ia se refrescar no poço do riacho Caiçá, que ficava antes do Matadouro Municipal. Água límpida, transparente. que dava a ilusão de ser um poço raso, era um perigo para os que não sabiam nadar. Então, o Serafim era o primeiro a pular na água, de modo a saber a real profundidade do poço. Era a primazia que todos concordavam pela altura dele. Mas não deixava de haver protestos porque ele sapateava e turvava as águas cristalinas. Do mesmo modo ele testava o açude do bairro Areal, e também um poço chamado Mariquita, que ficava nas margens do açude federal, na antiga estrada que ligava Simão Dias a Lagarto.

O mais interessante do Serafim era sua graça em prosear fazendo rima. De tudo ele rimava. E gostava do folclore da terra, de ouvir os repentistas na Rua da Feira e aprimorar sua verve poética. Eu costumava ouvi-lo e quando perguntava alguma coisa ele sempre respondia com rima. Qualquer conversa despertava-lhe o senso repentista. Gravei em minha memória a resposta que ele me deu na primeira vez que lhe indaguei o nome correto. E sempre que o encontrava, repetia a pergunta que se tornou uma espécie de saudação: Serafim ou Sarafim? E ele respondia sem pensar: -“Que importa se Serafim ou Sarafim, Cuida de você que eu cuido de mim”; e Sorria, mostrando os dentes amarelos...

Curioso que era, procurava sempre algum afazer que lhe trouxesse alguns trocados. No inverno, cuidava de consertar guarda-chuva e sobrinhas. Quem tinha um sombreiro com armação quebrada procurava-o e o reparo era feito, com garantia. E fazia propaganda de sua arte, transportando um guarda-chuva nas costas pendurado na gola de sua camisa. Recordo-me, agora, de uma noite em que estava no Cine Brasil, quando o Sarafim entrou com o guarda-chuva pendurado na gola da camisa. Ao meu lado estava Luiz Santa Bárbara e uma moça sua parente, que visitava a cidade. E o Luiz esclarecia para a garota todos os detalhe do cinema e das pessoas que passavam entre as cadeiras. Quando avistou o Sarafim, acrescentou: “Está vendo aquele moço com um guarda-chuva nas costas? É um poeta repentista, um artesão e o cara mais alto da cidade!”. Ele ouviu o comentário e gesticulou seu modo característico de aprovar, tocando o beiço superior no nariz.

Serafim tudo sondava com paciência e isto despertava nosso interesse por tudo que ele fazia. Muitas vezes o surpreendíamos concentrado, apreciando pacientemente as árvores, os pássaros, os pequenos animais e os insetos. Certa vez notamos que ele estava observando uma pequena formiga que transportava uma folha de uma planta. Então, ele esclarecia para todos nós que aquela formiguinha tinha andado cerca de 10 metros (mais ou menos a medida da calçada do portão que ficava no quintal da casa de meus pais) carregando uma folha que era quase dez vezes maior que ela. E dizia:

Formiguinha danada de forte! Vejam a inteligência dela e a ajuda das outras para entrar no formigueiro com a folha”.

E concluía dizendo com seu jeito simplório, que traduzia inteligência: “Prestem atenção como as formigas nos dão uma lição maravilhosa de força de vontade, de união e de distribuição de tarefas!”.

Nas tardes de trovoada, a Praça de São João era infestada de tanajuras, e o Sarafim era quem nos estimulava a cantar, rimando: “Cai, cai tanajura, na panela de gordura, para agente saborear”.

"Cai, cai tanajura na panela de gordura", do folclore sergipano.

Capturávamos as tanajuras e enfiávamos um palito no parte trazeira, para ouvir o zumbido das asas imitando o som dos helicópteros. Depois, admirados, víamos o Sarafim juntar algumas folhas secas, fazer um foguinho e assar as gordas bundas das tanajuras para comê-las, deliciando-se. Embora para alguns isto fosse estranho, anos depois, assistindo a um filme documentário (Mondo Cane, de Gualtiero Jacopetti), soube que, em um restaurante dos mais chiques da cidade de Nova Iorque, o prato muito apreciado e mais caro era o de tanajuras torradas. Serafim não estava só em seu gosto por formigão...

Passados tantos anos, remoendo essas reminiscências, fico a pensar onde estará o velho amigo? Quem poderia responder essa pergunta era outro companheiro daquela época, o sempre lembrado Tonho de Manequinha, mas ele já está em outro plano, na paz celestial.

Para mim, esteja aqui ou alhures, o grande Serafim é imortal, sempre me lembrarei de seus feitos.

Aracaju, 22/04/202

Beto Déda



terça-feira, 18 de março de 2025

 


Os óculos de um leitor obstinado…



Recentemente tomei conhecimento que uma querida amiga passou a usar óculos. Pareceu-me com absoluta razão o oftalmologista ao lhe prescrever o uso de lentes para descanso da vista, diante da atividade que ela se dedica diuturnamente: ler e pesquisar. Notei que os óculos se ajustaram perfeitamente em seu rosto simpático. E por falar em óculos, me ocorreu a lembrança de um conto que tomei conhecimento há muitos anos

Embora o conto que pretendo narrar não tenha nada ver com minha amiga, devo esclarecer que dois pontos despertaram minha memória para uma história que tive conhecimento quando era jovem: o uso de óculos, o fascínio pela leitura e o atual estágio de conflitos por que passa a humanidade. Não estou seguro se esse conto eu li em um livro da biblioteca de meu pai, ou se foi ouvindo um programa radiofônico de contos macabros, transmitidos pela Rádio Nacional, com o título “Incrível, Fantástico e Extraordinário”. Também pode ter sido um filme que assisti no Cine Ypiranga, em Simão Dias, ou talvez eu tenha visto na televisão, em Salvador, quando era estudante. Mas essa dúvida sobre a autoria e a origem do conto não me desvanece da ideia de transmitir o que minha memória guarda da incrível história, envolvendo um par de lentes, um leitor obstinado e uma estúpida guerra. Então, confiando na memória, narro a história, preenchendo os vazios da lembrança usando a criatividade.

Um senhor de meia idade, bancário, chefe da tesouraria de um banco, era um inveterado leitor que vivia em uma grande metrópole. Ele era dessas pessoas que liam até durante as refeições. Nunca deixava de ter um livro ao seu alcance e quando não era possível, distraía-se lendo jornais, folhetos de propaganda e bulas de remédios. Era um tarado por leitura e, como era míope, usava óculos com lentes de grau, parecendo fundo de garrafa.

Naquele tempo, os chefes das grandes nações estavam em conflito, prevendo-se uma devastadora guerra nuclear. A cidade onde residia o obstinado leitor estava em pânico. Era um caos inquietante. A iminência de uma catástrofe deixava a população daquela capital intranquila e ruidosa. Nesse ambiente, o bancário e incansável leitor, sabendo que o infernal barulho das ruas prejudicaria sua concentração nas leituras, procurou uma solução. A caixa forte do banco era grande e tinha horário eletrônico programado para abrir e fechar a grande porta de aço. Então ele teve a ideia de passar aquela noite no grande cofre, onde o silêncio era sepulcral. Ali poderia ler, sem a perturbação do alarido das ruas. Providenciou livros, café e sanduiches e no horário programado para o fechamento automático da porta de aço, penetrou no grande cofre. Passou a noite trancado, deslumbrando-se em uma viagem maravilhosa que se lhe apresentava em sua imperturbável leitura. Na manhã seguinte, no horário programado, a porta automática abriu. Ele espreguiçou-se e saiu da caixa forte, deparando-se com uma paisagem de horror.


Imagem dos efeitos da guerra divulgado nas redes sociais via Google


A cidade estava destruída, o silêncio era interrompido apenas pelo som de uma brisa sufocante. O que se avistava era o caos: prédios destruídos, automóveis em desalinho e, o pior, sem um único vestígio de pessoas; nem mesmo se avistava corpos mutilados. A população fora aniquilada, dissolvida, desaparecera como por encanto. Talvez um raio mortal tenha fulminado os corpos. O bancário fitou os escombros, limpou o embaçado óculos e sentou-se pensativo. Horrorizado com aquela paisagem, avistou ao longe o prédio onde funcionava a Biblioteca daquele bairro. Era um edifício antigo, que ficava no alto, com uma grande escadaria em frente. Ele diariamente a visitava.

Tomou fôlego e andou entre os escombros em direção ao local da Biblioteca. Ainda segurava em sua mão um livro clássico: “Guerra e Paz”, de Leon Tolstói. Aproximou-se do prédio destruído e notou que uma parte não atingida apresentava vários livros esparramados ao lado de uma estante caída. Lamentando os efeitos da guerra, sentiu um lampejo de alegria e exclamou com seus botões: “Nem tudo está perdido”. Arrumou alguns livros ao pé de uma poltrona empoeirada e admitiu que somente lhe restava passar o resto da vida lendo, solitário. Olhou ao longe um exemplar da obra de Ernest Hemingway (Por Quem os Sinos Dobram), pegou-o e, quando ia sentar na poltrona, foi surpreendido por uma explosão, possivelmente provocada por um vazamento de gás. O susto o estremeceu e os óculos do inveterado leitor caíram no chão.

Então, sem enxergar quase nada, o infausto bancário se abaixou e, tateando, passou a mão pelo chão, procurando encontrar os óculos. Encontrou-os, mas teve a sensação triste de notar que as lentes estavam em farelos, imprestáveis. Expressou sua emoção, em um grito de lamento e dor. Com as pernas trêmulas, deu alguns passos, tropeçou em pedras soltas e caiu, rolando degraus abaixo e quedando-se para não mais se levantar. Perdeu tudo que queria e, em transe de desespero, esvaiu-se resignado, sendo tragado por um raio mortal, da destruidora guerra.

Aquele desesperado senhor, atordoado com aquela triste situação, apegou-se ao que lhe restava: a leitura. Pouco durou seu alívio. Um simples par de lentes quebradas frustrou todo seu sonho e foi engolido pelo raio mortal de uma terrível guerra.

...

Ao concluir esse texto, devo repetir que a essência desse conto de final trágico eu li, ouvi ou vi em algum lugar: um livro, uma revista, um filme ou na televisão, lá pelos início da década de 1960. Não me lembro onde e nem recordo o seu autor. O certo é que usei minhas palavras para transmitir, aqui e agora, para os parentes e amigos, a tristeza e o horror que causa os descontrolados conflitos entre os homens. Não podemos admitir que o ódio, o preconceito e a força sem limites das armas sejam um perigo para a coletividade. Do mesmo modo não podemos admitir que não sejam responsabilizados e punidos os que planejam e praticam atos violentos. A falta de punição agrada os facínoras, estimula a repetição de ilegalidades e provoca guerras.

Não podemos esquecer que, atualmente, a humanidade defronta-se com conflitos entre as nações que abalam a segurança do mundo.

Que Deus nos livre da agonia vivida pelo personagem do conto.

Aracaju, 17/03/2025

Beto Déda

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

 

O Dia que Sansão visitou Simão Dias


Nesta semana me lembrei do dia que um senhor conhecido por Sansão apresentou-se em minha terra natal.

A lembrança aconteceu em decorrência de uma conversa recente que tive com minha filha Carla, quando ele sugeriu cortar meus raros e compridos cabelos, que eu deixara arrepiados e esvoaçantes, imitando o personagem Ravengar, interpretado por Antônio Abujamra na novela “Que Rei Sou Eu?”.

Ao ouvir minha resposta desfavorável ao corte, D. Lena fez a seguinte observação: “Certamente Beto quer deixar crescer pra fazer tranças...”

Então eu complementei que realmente faria uma grande trança, igual a do forte Sansão que visitou Simão Dias na segunda metade dos anos 50,  época  que eu era garoto. E para que os mais novos conheçam os detalhes do aparecimento de Sansão em nossa terra, passo a narrar como tudo aconteceu.

A notícia da visita foi divulgada por um circo que estava armado no largo do Bonfim de Baixo, no local que hoje é um anfiteatro (praça de eventos), na antiga Praça Nicanor Leal. A divulgação foi feita pelas ruas da cidade por um palhaço, com pernas de pau, usando um grande funil para ampliar o som. Dizia o anunciante que o Sansão estaria se apresentando no circo na noite de domingo e que para demonstrar sua força e poder, faria uma ligeira apresentação gratuita na Praça Barão de Santa Rosa, local em que puxaria um caminhão usando a força de seus cabelos.

Como sempre fui muito curioso e não queria perder detalhes do acontecimento, fui para a praça no início da tarde daquele domingo. O local escolhido para apresentação foi em frente ao consultório de Dr. Salustino, ou seja, no trecho entre o casarão do Hotel de Seu Liminha (que depois passou a ser o hotel de D. Miné e hoje é a casa da Professora Virgilinha) e, na outra esquina, a casa onde morava Seu Libério Fonseca, que depois foi do pai de Floriano Nascimento. Tudo já estava sendo preparado: o caminhão de Dão Rodrigues – marido de D. Matilde Dortas, que era diretora do Grupo Escolar Fausto Cardoso – já estava ali estacionado e o popular Zé Súia cuidava de varrer o local, a pedido do Sansão, de modo a evitar que a areia sobre o paralelepípedo provocasse o deslizamento de seus pés no esforço para puxar o caminhão.

Passei a ouvir com atenção os comentários do grupo de adultos que se juntou em frente ao caminhão, alguns crédulos e outros duvidando da possibilidade do tal Sansão mover o pesado caminhão. E diversas foram as opiniões, muitas delas seguidas de alegres risadas...

Pouco depois, quando já havia um razoável número de curiosos, apareceu o Sansão. Era um homem realmente forte, alto, moreno, cabelos longos dispostos em uma grossa trança; usava um traje típico, numa imitação desengonçada do artista Victor Mature, no filme Sansão e Dalila, dirigido por Cecil B. DeMille.

Tudo foi cuidadosamente preparado. Uma forte corda foi amarada na frente do caminhão e foi o próprio Dão que ajudou a fazer a amarração dos cordões dispostos no final do cabo à trança de cabelos do musculoso artista. Ecoaram gritos de vários lugares e o coordenador do evento pediu silêncio, para o atleta se concentrar.

Após um ligeiro silêncio, foi dado o sinal e o Sansão, com grande esforço, começou a puxar o pesado caminhão, vagarosamente, até alcançar a marca de cinco metros, marcados no piso de paralelepípedo. Em seguida ouviu-se os aplausos, inicialmente tímidos que se transformaram em grande aclamação. E o artista agradeceu curvando-se diante da plateia.

Naquela noite, o circo esgotou os ingressos. O grande astro foi Sansão, que fez várias apresentações, entre as quais lembro-me da quebra de vários tijolos com um simples soco, e da parte em que o forte simãodiense Braúna (que cuidava do balanço de seu Raimundo nas festas natalinas) foi convidado a manejar uma pesada marreta e quebrar uma enorme pedra colocada em cima do busto do artista. E o Braúna caprichou. Essa foi a cena mais aplaudida.

No meu pensar de garoto, acreditei na veracidade do espetáculo. Mas o acontecimento foi motivo de várias discussões no correr da semana e não faltaram comentários adversos, dos inconformados, sugerindo que tudo não passava de uma grande fraude. Seria?

Não! Para mim não houve truque, nem magia! Não mudei meu ponto de vista do tempo de garoto. Os saudosos Dão Rodrigues e Braúna jamais participariam de uma falsidade.

Ainda hoje tive a alegria de perceber que não foi ilusória minha convicção. Pesquisei via internet e notei que tais proezas acontecem em várias partes do mundo. Como exemplo, constatei que na Inglaterra um indiano conseguiu puxar pelos cabelos um ônibus duplo, daqueles usados em Londres, pesando 8 toneladas, num percurso de 20 metros e seu nome ficou registrado na lista de recordes do Guinness Book. A façanha do Sansão que esteve em Simão Dias também acontecia e acontece em outras partes do mundo.

Veja isto no YouTube:

Foto capturada de vídeo no YouTube


Diante do que narrei é de se perceber que se trata de coisa de idoso, que relembra de velhos acontecimentos partindo de uma simples discussão sobre o desalinhamento de seus poucos e quase esbranquiçados cabelos.

Mas é melhor me entreter com meu prolixos textos sobre os bons tempos de criança do que se preocupar com as ameaças de guerra que atualmente ocorrem entre os dirigentes de grandes nações.

É o que queria transmitir aos meus amigos e conterrâneos.

Aracaju, 04/02/2025

Beto Déda



terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Meus netos e sobrinhos maravilhosos.

No meu quarto de repouso, no Lago Dourado, ornamentei uma das paredes com molduras envolvendo folhas escritas por meus netos, São textos singelos e bondosos que me prestam homenagem por uma data significativa: meu aniversário, o dia dos avós ou uma recordação agradável. No mesmo canto de parede também  reservei lugar para textos que me emocionaram escritos pela sobrinha Denise e pelo sobrinho Humberto Oliveira. Gosto de relê-los. Me encantam!

Ontem pela manhã, dia 6 de janeiro, meu sobrinho Marco Aurélio esteve em minha casa. E desse encontro, ocorreram-lhe lembranças que lhe deram motivos a escrever o texto, que me enviou pelo WhatsApp. Ao ler, não tive dúvida em imprimir e emoldurar para que passe a fazer parte da ornamentação da parede de meu abrigo.  

Para não gerar ansiedade e cessar a curiosidade da querida parentada, transcrevo abaixo o que escreveu o bondoso sobrinho: 



              "A ELEGÂNCIA DE TIO BETO E AS OBSERVAÇÕES DE VOVÓ.

                                                  Marco Aurélio Déda Oliveira

Sob qualquer um dos diversos ângulos que possamos considerar a ideia de elegância da alma, poderemos notar a materialização desse conceito em nosso querido Tio Beto.

Rapidamente, qualquer um de nós poderia descrever diversas das qualidades de que o seu espírito é portador e que o tornam uma pessoa admirável, querida, que impregna alegria e bons sentimentos naqueles que dele se aproximam. Este é um bom tema para a nossa reflexão.

Hoje, entretanto, eu lembrei da admiração específica que a minha avó tinha pela sua elegância física. Em geral, o carinho que a minha avó tinha pelos seus familiares misturava-se a uma preocupação exagerada em querer vê-los da melhor forma e sempre bem apresentados, mas isso conforme as suas próprias avaliações, critérios e valores. Barba grande, bigode, cabelos grandes e alguns apetrechos nunca foram adornos que passaram pelo seu crivo de valores.

Lembro-me que, quando a moda dos cabeludos estava no auge, três primos meus chegaram em Simão Dias com os cabelos longos, bonitos e bem cuidados, caídos até os ombros. Sem que os seus pais soubessem, a minha avó os enviou imediatamente ao barbeiro, que fez o corte estilo Ronaldinho, adequando a aparência dos garotos aos critérios de beleza que ela considerava mais adequados. 

Lembro-me também de quando tio Beto colocou a barba pela primeira vez. Como sobrinho, ele não estava subordinado aos ditames da minha avó. Entretanto, o carinho que ela sentia por ele, somado à admiração pela sua elegância, causava-lhe um certo sofrimento. Impotente, sem alternativas para ajudá-lo a resolver a situação, a minha avó lamentava com voz triste e indignada: como pode uma desgraceira dessa? Beto, tão bonito, tão elegante, todo espigadinho, botar uma barba pra ficar parecendo um bode?

Hoje eu fui à casa de tio Beto levar uma porção de maniçoba que a minha sobrinha Ana Paula o enviou. Ele estava de saída e estava elegantíssimo, vestido de calça social, paletó preto e calçando tênis, mas um apetrecho na sua indumentária me fez lembrar a minha avó e eu logo a imaginei com sua a voz sofrida fazendo-lhe um apelo: Beto, meu filho, você tá tão elegante com esse terno preto, todo espigadinho, mas tire esses óculos escuros, pelo amor de Deus, meu filho, porque você não é Zé Ceguinho." 


Só me resta agradecer emocionado as palavras e lembranças graciosas do querido Marco. E o texto vai para minha galeria especial...

Aracaju, 7 de janeiro de 2025.

Beto Déda