O rodopio da casa sede e o vaso sanitário bonitinho…
Ao ouvir o prosear de um amigo que cuidava de mudar um vaso sanitário em uma casa na vizinhança do Lago Dourado, despertei minha lembrança para um fato que ocorreu quando trabalhava no Banco do Nordeste. O acontecido foi pitoresco, ficou gravado em minha mente e ao relembrá-lo resolvi repassar para os amigos.
Minha memória guardou recordações do tempo em que as agências do BNB tinham um número considerável de funcionários, isto porque os trabalhos de escrituração e cálculos de encargos bancários eram realizados manualmente e demandavam tempo. As máquinas de calcular elétricas e os computadores só surgiram anos depois.
Mas naquela época o quadro de funcionários não contava com técnicos agrícolas em número suficiente. Então o banco selecionava e credenciava, em suas agências, pessoas bem conceituadas e com bom conhecimento de agropecuária para avaliar os imóveis e apreciar “in loco” as pretensões dos interessados em financiamento.
Trabalhei em algumas agências que mantinham bons avaliadores credenciados. Lembro-me bem de um deles, que tinha excelente noção das atividades agropecuárias e grande responsabilidade no seu trabalho, no entanto enfrentava certa dificuldade no trato do idioma pátrio ao redigir os relatórios, conhecidos como Laudos de Avaliação. Mas, apesar disto, dava conta de sua tarefa com zelo e cuidado.
Certa vez, o dito avaliador apresentou um Laudo sobre proposta de um cliente que pretendia financiamento para realizar diversos melhoramentos em sua propriedade, inclusive uma reforma na casa sede. No referido relatório, além de avaliar o imóvel e o plano a ser do financiado, o avaliador apresentou um detalhado orçamento da pretensa reforma da casa e fez o seguinte comentário:
“Concordo com o plano proposto. No tocante à casa sede, o proponente quer fazer uma reforma, de modos que a frente fique para trás e a trás fique na frente e no final tudo fique vilse e velsa.”
Ao analisar o pedido de empréstimo e deparar-se com o referido comentário do avaliador, um colega benebeano que além de analista de crédito era finório gozador, deu uma boa risada, aproximou-se de minha mesa e exclamou:
“– Pera aí, Beto, veja isto: o avaliador tá dizendo que o cliente quer mudar a posição da casa... Mas ao acrescentar o tal ‘vilse e velsa’, ele quis evidenciar que a casa não mudaria de lugar, mas dará um rodopio da gota...”
E sua gargalhada ecoou em todo o prédio e foi ouvida por toda a vizinhança.
Não obstante a gozação do finório analista, o empréstimo foi aprovado. No plano da reforma da casa sede estava detalhado um banheiro completo, com chuveiro, lavatório e vaso sanitário. Dias após receber o valor do empréstimo, o fazendeiro informou que tinha efetivado os melhoramentos financiados e um técnico do banco foi realizar a vistoria. Constatou-se então que fora realizado parcialmente o plano, e o detalhe é que na reforma do banheiro faltava o vaso sanitário. No seu lugar estava um buraco com contornos de cimento imitando um solado de pés. O técnico considerou a operação como ANORMAL e recomendou ao cliente a compra e fixação de um vaso sanitário, regularizando assim o financiamento.
Passados trinta dias, volta o funcionário do banco ao local e verifica que a situação permanecia inalterada. Indagado, o cliente informara que a latrina foi construída seguindo a tradição de sua família, considerando que o costume deles era fazer cocô de cócoras. Mesmo assim, esclareceu de forma respeitosa e sincera que atendera a orientação do banco, pois tinha comprado um vistoso vaso sanitário que o mantinha em sua despensa ao lado da cozinha, cheio de grãos de feijão. E justificou, exclamando, com seu pronunciar inconfundível apontando para o vaso:
- Veja, moço, vasim tão alvim e bunitim dimais, que tem sirvido pra guardar o feijão de cada dia. Proveito mior que a ordenada pur vasmicês!...
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O vaso que se tornou pote de feijão |
- Diante de tão sincera justificativa só resta uma pergunta: fazer o quê?
Aracaju, 09/11/21
BETO DÉDA
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PS -Pena que não estejam entre nós bons amigos e colegas benebeanos que acompanhavam meus escritos e partiram para outra dimensão neste triste e lamentável período que vivemos. Assim é que dedico este texto em saudosa homenagem a José Amâncio Neto, José Raimundo Araújo, Ailton Cardoso Santos, Ulpiano Costa Amaral Guimarães, João Batista Santos, Nícolas Almeida e a todos os colegas que já se foram mas revivem em nossas lembranças.
Beto Déda
Meu pai amado, suas lembranças alegram meu dia e enriquecem minha alma. Te amo❤️
ResponderExcluirUm beijo para minha filha querida do meu coração.
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ResponderExcluirGostei do "rodopio" da casa e da mudança de objetivo dada pelo cliente ao vaso. Pode-se dar aí duas interpretações: a criatividade esperta para justificar o melhor uso do investimento, ou uma percepção sincera de que este seria o melhor uso. Analisando esta segunda hipótese o caso ganha ainda maior expressão e se assemelha ao do nosso conterrâneo que não quis vender os bois de barro por atacado: aquilo que pode ser óbvio para a maioria pode não fazer sentido quando se leva em consideração o intangível.
Maravilha de texto! Parabéns, querido tio Beto.
Olá, meu querido Marco. Suas palavras me deixam feliz. Você disse tudo ao interpretar os personagens reais que apresento em meus textos. Um abraço.
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