Como o mundo perdeu um grande
violonista
Em uma tarde desta
semana, depois de fazer um brinquedo para meu neto, fui descansar no píer que
eu, carpinteiro amador, construí no Lago Dourado. Apreciando a paisagem bonita,
pensava como seria bom se eu soubesse tocar violão para, naquele momento, dedilhando
o pinho, transmitir aos ouvidos a beleza já deslumbrada pelo sentido da
visão. E assim pensando, lembrei-me do
amigo Átila Lisa, que faleceu recentemente. Ele era o pai de meu genro Flávio
e, também, avô de meus netos Miguel e Marina. Toda vez que Seu Átila aparecia por
aqui, passávamos horas lembrando os tempos de nossa juventude. Certa vez contei
pra ele as minhas primeiras experiências vividas em Salvador e a frustração que
tive ao tentar aprender a tocar violão. E lembro aqui como tudo aconteceu.
No inicio de 1963 eu estudava
no Colégio Ateneu, em Aracaju, cursando o Científico. Como em Sergipe não
existia Faculdade de Engenharia, a SUDENE realizou aqui um concurso para
concessão de bolsa de estudo aos estudantes interessados em estudar em
Salvador, onde concluiriam o científico e participariam de um curso
pré-vestibular na Escola Politécnica da Bahia. Fiz o concurso, fui aprovado e
me mandei para Salvador, morar no apartamento de meus primos, que chamávamos de
“República dos Oliveira & Carvalho”. Éramos seis e mais uma secretária, de nome
Marisete, que cuidava da cozinha e de
outros afazeres domésticos. Quem administrava a “República” era o Presidente
Zé, o mais velho dos “republicanos”.
“A “República” ficava
na Rua Rockefeller, em Barris. Passei a estudar, pela manhã, fazendo o curso
patrocinado pela SUDENE na Escola Politécnica da Bahia, que ficava no Bairro
Federação; à noite, cursava o Científico no Colégio Duque de Caxias, no Bairro
Liberdade (não consegui vaga para estudar no Colégio Central, que fica
próximo). Durante a tarde ficava no apartamento, estudando.
Quando recebi a primeira
grana da bolsa da SUDENE foi uma alegria imensa. Paguei o valor da mensalidade
da “república”, separei o valor dos gastos com merenda e ônibus e, com o
restante, comprei um bonito violão para iniciante, marca “Di Giorgio”, na loja
Duas Américas, que ficava na Rua Chile.

Pois bem! À noite,
quando todos os “republicanos” assistiam a um programa na TV, a secretária
Marisete, apontando para a cozinha, onde eu estava, disse:
“Aquele
ali comprou um violão e passou a tarde tocando... Estudar que é bom, necas...”
Ouvindo isso, entrei na
sala e o “Presidente” Zé, terminando de passar entre os seus dentes um fio de
sua camisa “volta ao mundo”, perguntou-me se era verdade a informação de
Marisete. Respondi: “Sim, em termos...” E ponderei que se tratava de um belo
instrumento, que tinha sido barato e que não atrapalhara meus estudos naquela
tarde, nem seria problema no futuro. O grande Zé não foi na minha conversa. E
sentenciou:
“Meu chapa, você veio pra estudar ou pra tocar violão. Se quer aprender
a tocar violão volte pra Simão Dias e se matricule na escola do Maestro
Raimundo Macedo. Para ficar aqui terá que se desfazer desse tal violão. E tem
mais, o prazo para se livrar do instrumento só é até a noite de amanhã. A
decisão é sua...”
Decreto de “presidente”
é para se respeitar, senão a república vai pro brejo. No dia seguinte fui à
Escola Politécnica com o violão debaixo do braço. Procurei a colega sergipana
Lindinalva, que no dia anterior tinha ido comigo à loja e também comprara um
cavaquinho. Ela sabia tocar o instrumento. Perguntei se ela queria comprar o violão.
Diante da resposta que não tinha dinheiro, entreguei-lhe o bendito instrumento
para ela pagar se pudesse ou se quisesse. Ela ficou meio sem graça e eu - meio
amargurado - mas imensamente agradecido por ela ter aceitado o instrumento.
A verdade é que, depois
deste acontecido, perdi o interesse em aprender a tocar instrumentos. Mas nunca
descurei de escutar uma boa música e de cantar no banheiro. Invariavelmente, ao
abrir o chuveiro, solto meus pulmões e o ruído da água descendo mistura-se com o
desafinado som do meu cantar...
...
Muitos anos depois,
contando esta história à filha do querido amigo e primo Zé, ela olhou para o
pai e falou:
-
Painho porque foi tão exigente? É de se pensar que, com seu “decreto”, Simão Dias
perdeu um grande violonista...
E eu completava: “Simão Dias, não! O Mundo perdeu um grande
músico...” E caíamos em uma risada sem limites...
Aracaju, 19/10/2012
Beto Déda
Suas lembranças são muitos legais meu caro amigo Beto.
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