A criatividade de ontem e de hoje.
Encanta-me apreciar as habilidades de meus netos no uso do tablet (uma espécie de computador
portátil). O uso de tais instrumentos facilita a atividade motora das mãos das
crianças e, dizem, estimulam a criatividade.
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A lousa ou pedra de escrever dos anos 40/50. |
O que percebo é uma grande diferença do que acontecia nos velhos tempos,
lá pelo início dos anos 50. O meu “tablet” era uma pequena lousa de
pedra em que, usando um lápis também de pedra, praticava caligrafia e desenhos,
além de me divertir brincando de forca.
A minha pedra de escrever sempre estava rachada, parecendo casco de tartaruga,
o que dificultava a escrita. Mas minha professora, Ana Santa Rosa, dizia que
devíamos usar a criatividade e nos estimulava a praticar a separação de
sílabas, de modo a nos livrar das fissuras da lousa. Usávamos o lápis de pedra
e depois de feita a escrita e conferida pela professora, tudo era apagado
usando uma pequena planta transparente e rica em água, chamada popularmente de “tripa
de macaco”. Assim que chegávamos à escola de Prof. Ana, íamos até o quintal e colhíamos um molho da
pequena planta limpadora. Algumas meninas usavam como apagador um vidrinho com
água, diziam que era mais higiênico. Mas não faltavam aqueles que, escondidos
da professora, usavam o cuspe para a
“limpeza”, o que era nojento pra caramba...
Com o progresso, surgiram as penas de escrever, acompanhadas de
tinteiros. Inicialmente eram usadas por alunos mais adiantados. E as carteiras das salas de aula tinham um
local próprio para se colocar os tinteiros. Raras eram as mãos e fardas que não traziam
as marcas de tintas.
A verdade é que os poucos recursos de ontem era um estímulo à
criatividade. E todas as crianças procuravam inovar em brincadeiras. De um
simples cabo de vassoura, fazíamos um cavalo de pau e galopávamos empolgados
como estivéssemos em um fogoso mangalarga. Um arco de pneu com um pequeno arame
condutor se transformava em um formidável brinquedo, rolando pelas ruas. Uma
tábua, tendo rolimãs como rodas, se transformava em uma veloz Ferrari. E na
oficina de papai, com uma serra, transformávamos um pedaço de madeira em um revólver
para brincar de caubói, com o famoso grito de “mãos-ao-alto”.
Para angariar alguns trocados, meu irmão Carlos fazia belíssimas gaiolas
de madeira e arame, com contas e outros balangandãs. Eu aproveitava os restos
de madeira, fazia miniaturas de gaiolas, usando toda a criatividade para
enfeitar ao máximo e, depois, vendia aos colegas do Grupo Escolar Fausto
Cardoso. Os trocados serviam para comprar os queimados (balas de mel) vendidos
por D. Rosália.
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O Cartão de Cupido |
Nas oficinas do jornal “A semana”,
para reforçar a mesada, usava o pequeno prelo e imprimia “Cartões de Cupido”
para vender aos colegas nas tardes de domingo. Os cartões eram usados pelos garotos
inibidos – e eu era um deles – para abordar as meninas no passeio da Praça da
Matriz. Era só entregar o cartão à garota escolhida e pedir que dobrasse o ângulo certo e devolvesse. Como bom comerciante, pensando nas próximas vendas, sempre aconselhava
aos compradores sobre o óbvio: o cartão só podia ser usado uma vez, assim
deveriam comprar uma boa quantidade. Vendia muito e tinha fregueses certos.
A criatividade era usada sem parcimônia
e às vezes com um pouco de “astúcia” infantil. Narro, aqui, uma delas.
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Cartaz do seriado A Deusa de Joba, com Clyde Beatty e Elaine Shepard |
Dias depois soubemos que a mãe do colega reclamou da compra. A bronca
era o feijão irregular, uma mistura danada, parecendo “feijão de cego”. E
o pau cantou...
O fato é que o garoto e sua mãe comeram feijão misturado. Ele levou umas chineladas, mas não
perdeu o episódio das aventuras de Baru e
sua irmã, em a Deusa de Joba.
Era assim nos velhos tempos. As dificuldades estimulavam a criatividade
e nos levavam a um mundo de sonhos e fantasias. Acredito que hoje, mesmo com o
desenvolvimento tecnológico, surgem novos estímulos. Os garotos não perderam a
criatividade e com talento não deixam de criar fantásticos mundos na procura de diversões e de soluções para seus problemas
modernos.
É o que vejo, com meu olhar de avô coruja, observando o que fazem meus
queridos netos.
Aracaju, 21/02/2013
Beto Déda
Meu caro Beto,
ResponderExcluirEssas suas lembranças são extraordinárias. Confesso que tenho dúvidas se "nosso tempo" era melhor do que o atual. De fato era gostoso a gente estimular a criatividade, mas tudo era muito difícil, comparado com as facilidades de hoje. O que era ficção, hoje é realidade. O mundo fantástico da internet, nem em sonho passava pela nossa cabeça que um dia pudesse existir. O bom é que somos uns privilegiados em ter tido oportunidade de viver as duas épocas e poder comparar. Isto também é fantástico.