Lendo, vendendo gibis e enfeitando
paredes.
Uma coisa que me deixa
desolado, pesaroso mesmo, é quando ouço alguém repetir a triste frase de que “o
lugar certo de parente é em retrato na parede”. Quem assim pensa deve ter
um trauma horrível e, certamente, não recebeu ensinamentos valiosos de seus
ancestrais. Na graça do bom Deus, o exemplo que tivemos de nossos queridos pais
foi de reverenciar a união familiar. Confirma isto a numerosa família que vivia
sob o mesmo teto, seguindo a orientação e liderança deles. Não era sem razão a
existência de duas grandes mesas nas salas de nossa casa. Nas refeições diárias
não éramos apenas os oito filhos do casal Zeca/Sinhazinha Déda. Nos dias
normais, no almoço, sentávamos dezesseis familiares e, segundo
estatística de tia Esterzinha, aos sábados o número ultrapassava a casa dos
vinte. O melhor de tudo é que papai e mamãe se sentiam felizes com
isso.
Seguindo essa orientação, sempre mantivemos um carinho muito grande, indistintamente, com
todos os parentes e, de modo especial, com os queridos irmãos e irmãs.
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Carlos quando recebeu o diploma do Grupo Escolar Fausto Cardoso |
Pois bem. Na minha infância,
devido a aproximação de idade, era mais unido com o Carlos, que contava com
apenas dois anos mais do que eu. Com ele, participava de todas as suas
brincadeiras de criança. Era quem me liderava. Além do mais, para me proteger,
eu fazia uma propaganda danada do seu tamanho e de sua força. Era assim que eu me
livrava da ameaça dos garotos maiores. Lembro-me, agora, que tinha um menino
chamado Arnaldo de Caboclo, morador da Rua do Pastinho, que costumava me
derrubar das bicicletas alugadas, dando-me trancos. Para me livrar da
aporrinhação, disse a ele, entre soluços, que ia contar sua maldade ao meu
irmão Carlos, que era forte e ia dar uma boa pisa nele. Foi a salvação. Parece
que o Arnaldo conhecia Carlos, que era calmo e calado, mas, na hora certa,
sabia bater bem.
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Além da diversão, ele
também partilhou comigo os trabalhos que fazia para reforçar sua mesada. Com
ele fiz parcerias, tanto nas oficinas do jornal “Semana”, como fazendo gaiolas
de passarinhos ou ajudando no comércio de revistas. No que diz respeito a essa
última parte, lembro que Carlos resolveu comercializar gibis para melhorar sua
renda. Arranjara um balcão com vidraças e ali ele expunha, na sala da frente da
redação do jornal, as revistas de Super-Homem, Batman, o Fantasma, Brucutu, Os
sobrinhos do Capitão, Tarzan, Príncipe Submarino e outras publicações. Eu me
encantava com esse trabalho porque tinha a primazia de ler, em primeira mão, todos
os gibis. Foi folheando e lendo os diálogos dos quadrinhos que comecei a gostar
de boas leituras e passei a desvendar os encantos dos livros da biblioteca de
papai.
As revistas também eram
vendidas no cinema. Eu era o encarregado dessa parte. Para isto, eu recebia de
Carlos o valor do ingresso e, levando um maço de gibis, era um dos primeiros a comparecer
ao Cine Ipiranga. Quando eu chegava para pagar a entrada, lá já estavam
Néia, D. Rosália, sempre na primeira fila, e o menino que vendia seus queimados
(balas de mel) expostos em uma cesta de vime que ele transportava no braço.

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A revista preferida pelas garotas |
A preferência das
meninas era pela revista Cinderela, que
mostrava histórias de amor em quadrinhos, tipo fotonovela. Mas raras vezes conseguia vender no
cinema, as garotas preferiam comprar na redação do jornal.
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Esporte Ilustrado e glorioso time do Famengo: Garcia, Pavão, Tomires, Jadir, Dequinha, Jordão, Joel, Rubens, Índio, Benitez e Zagalo. |
Aos que gostavam do
futebol, a revista certa era a do Esporte
Ilustrado, apreciada nas tardes de domingo, no Bar de Abel, que ficava na Rua D. Joviniano de Carvalho, entre as
lojas As Três Américas, de Cícero
Guerra, e A Predileta, de Elísia
Montalvão. Era lá que a turma se reunia para ouvir a transmissão dos
jogos. Abel tinha um rádio potente
(marca Philips, do tamanho das atuais TVs de 20 polegadas) que colocava em uma
mesa na calçada, em frente ao bar, onde a turma se reunia para ouvir as
narrações, torcer, discutir e apreciar as fotos na revista Esporte Ilustrado. Foi lá que eu ouvi as transmissões de jogos em
que o grande Flamengo conquistou o tricampeonato do Rio, 1953/1954/1955.
As
revistas esportivas chegavam a Simão Dias com certo atraso e traziam as
reportagens sobre o campeonato, mostrando na última página, em desenho tipo croqui, como
aconteceram os gols. Nas páginas centrais, vinham as fotos coloridas das
equipes campeãs. Eram utilizadas para ornamentarem as paredes das oficinas do
jornal e das tendas de sapateiros. Com um detalhe, as do jornal só tinham as
fotografias do Mengão. A razão disto:
eu, Carlos, Luiz de “Seu” Izidro e o chefe tipógrafo, Luiz Santa Bárbara, torcíamos
pelo rubro-negro carioca. Também pregávamos as páginas da revista “O Cruzeiro”,
com moças em trajes sumários e recortes com piadas do Amigo da Onça, do famoso Péricles, e As Aparências Enganam, do cartunista Carlos Estevão. As paredes da
oficina d’A Semana transformavam-se
em um belo e colorido painel.
Quem não gostava
daquela ideia, fechando um olho e torcendo a boca em direção aos postais do
Flamengo, era o tio Sininho, que era vascaíno.
Aracaju, 28/02/2013.
Beto Déda
Maravilha meu caro Beto. Mais uma bela crônica. Sua memória é realmente invejável. Parabéns. Abraços.
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