quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

 

Lendo, vendendo gibis e enfeitando paredes.

Uma coisa que me deixa desolado, pesaroso mesmo, é quando ouço alguém repetir a triste frase de que “o lugar certo de parente é em retrato na parede”. Quem assim pensa deve ter um trauma horrível e, certamente, não recebeu ensinamentos valiosos de seus ancestrais. Na graça do bom Deus, o exemplo que tivemos de nossos queridos pais foi de reverenciar a união familiar. Confirma isto a numerosa família que vivia sob o mesmo teto, seguindo a orientação e liderança deles. Não era sem razão a existência de duas grandes mesas nas salas de nossa casa. Nas refeições diárias não éramos apenas os oito filhos do casal Zeca/Sinhazinha Déda. Nos dias normais, no almoço, sentávamos dezesseis familiares e, segundo estatística de tia Esterzinha, aos sábados o número ultrapassava a casa dos vinte. O melhor de tudo é que  papai e mamãe se sentiam felizes com isso.
Seguindo essa orientação, sempre mantivemos um carinho muito grande, indistintamente, com todos os parentes e, de modo especial, com os queridos irmãos e irmãs.  
Carlos quando recebeu
o diploma do Grupo Escolar
Fausto Cardoso
Pois bem. Na minha infância, devido a aproximação de idade, era mais unido com o Carlos, que contava com apenas dois anos mais do que eu. Com ele, participava de todas as suas brincadeiras de criança. Era quem me liderava. Além do mais, para me proteger, eu fazia uma propaganda danada do seu tamanho e de sua força. Era assim que eu me livrava da ameaça dos garotos maiores. Lembro-me, agora, que tinha um menino chamado Arnaldo de Caboclo, morador da Rua do Pastinho, que costumava me derrubar  das bicicletas alugadas, dando-me trancos. Para me livrar da aporrinhação, disse a ele, entre soluços, que ia contar sua maldade ao meu irmão Carlos, que era forte e ia dar uma boa pisa nele. Foi a salvação. Parece que o Arnaldo conhecia Carlos, que era calmo e calado, mas, na hora certa, sabia bater bem.
 





 
Além da diversão, ele também partilhou comigo os trabalhos que fazia para reforçar sua mesada. Com ele fiz parcerias, tanto nas oficinas do jornal “Semana”, como fazendo gaiolas de passarinhos ou ajudando no comércio de revistas. No que diz respeito a essa última parte, lembro que Carlos resolveu comercializar gibis para melhorar sua renda. Arranjara um balcão com vidraças e ali ele expunha, na sala da frente da redação do jornal, as revistas de Super-Homem, Batman, o Fantasma, Brucutu, Os sobrinhos do Capitão, Tarzan, Príncipe Submarino e outras publicações. Eu me encantava com esse trabalho porque tinha a primazia de ler, em primeira mão, todos os gibis. Foi folheando e lendo os diálogos dos quadrinhos que comecei a gostar de boas leituras e passei a desvendar os encantos dos livros da biblioteca de papai.

As revistas também eram vendidas no cinema. Eu era o encarregado dessa parte. Para isto, eu recebia de Carlos o valor do ingresso e, levando um maço de gibis, era um dos primeiros a comparecer ao Cine Ipiranga. Quando eu chegava para pagar a entrada, lá já estavam Néia, D. Rosália, sempre na primeira fila, e o menino que vendia seus queimados (balas de mel) expostos em uma cesta de vime que ele transportava no braço.


Assim que o pessoal começava a entrar no cinema, eu me aproximava e oferecia as revistas. E vendia. O freguês que se destacava era o garoto José Prata, filho de família proprietária da Fazenda Riachão, localizada na estrada Simão Dias-Pinhão. Ele usava roupas brancas, de linho, gostava de ler gibis e comprava muitos de uma só vez. Lembro-me que ficava imensamente alegre quando avistava aquele freguês. A venda era assegurada e me garantia a compra de uns “queimados” de Néia.
A revista preferida pelas garotas


A preferência das meninas era pela revista Cinderela, que mostrava histórias de amor em quadrinhos, tipo fotonovela. Mas raras vezes conseguia vender no cinema, as garotas preferiam comprar na redação do jornal.


Esporte Ilustrado e  glorioso time do Famengo:
Garcia, Pavão, Tomires,  Jadir, Dequinha, Jordão,
Joel, Rubens, Índio, Benitez e Zagalo.
Aos que gostavam do futebol, a revista certa era a do Esporte Ilustrado, apreciada nas tardes de domingo, no Bar de Abel, que ficava na Rua D. Joviniano de Carvalho, entre as lojas As Três Américas, de Cícero Guerra, e A Predileta, de Elísia Montalvão. Era lá que a turma se reunia para ouvir a transmissão dos jogos.  Abel tinha um rádio potente (marca Philips, do tamanho das atuais TVs de 20 polegadas) que colocava em uma mesa na calçada, em frente ao bar, onde a turma se reunia para ouvir as narrações, torcer, discutir e apreciar as fotos na revista Esporte Ilustrado. Foi lá que eu ouvi as transmissões de jogos em que o grande Flamengo conquistou o tricampeonato do Rio, 1953/1954/1955.
As revistas esportivas chegavam a Simão Dias com certo atraso e traziam as reportagens sobre o campeonato, mostrando na última página, em desenho tipo croqui, como aconteceram os gols. Nas páginas centrais, vinham as fotos coloridas das equipes campeãs. Eram utilizadas para ornamentarem as paredes das oficinas do jornal e das tendas de sapateiros. Com um detalhe, as do jornal só tinham as fotografias do Mengão. A razão disto: eu, Carlos, Luiz de “Seu” Izidro e o chefe tipógrafo, Luiz Santa Bárbara, torcíamos pelo rubro-negro carioca. Também pregávamos as páginas da revista “O Cruzeiro”, com moças em trajes sumários e recortes com piadas do Amigo da Onça, do famoso Péricles, e As Aparências Enganam, do cartunista Carlos Estevão. As paredes da oficina d’A Semana transformavam-se em um belo e colorido painel.

Quem não gostava daquela ideia, fechando um olho e torcendo a boca em direção aos postais do Flamengo, era o tio Sininho, que era vascaíno.

 Esses, como outros por mim já narrados, são fatos reais de nossa vida que me encantam e me dão prazer em lembrar, porque tudo era feito com muita espontaneidade e diversão...

Aracaju, 28/02/2013.

Beto Déda


Um comentário:

  1. Maravilha meu caro Beto. Mais uma bela crônica. Sua memória é realmente invejável. Parabéns. Abraços.

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