segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 


A modinha de Seu Gervásio nas noites de lua.


São muitas as lembranças acumuladas em minha mente e o espaço maior corresponde ao tempo que era criança em minha terra natal: Simão Dias.

Agora mesmo, estava admirando o esplendor da lua e isto foi o toque para despertar recordações das noites enluaradas na Rua dos Ribeiros, local da casa de meus pais, onde nasci e passei minha infância e juventude.

Naquela época a iluminação elétrica das ruas era precária, dependia de um motor movido a óleo diesel que falhava com frequência, deixando a cidade às escuras. Assim, as noites enluaradas eram comemoradas com alegria por todos que residiam naquela rua.

Nessas agradáveis noites se reunia um alvoroçado grupo de crianças: meus irmãos, nossos primos e a garotada da redondeza. Algazarra não faltava. Brincávamos de “manja”, de “se esconder”, de “cipozinho queimado”, do “grilo”, e também de caubói, imitando os astros dos filmes de faroeste que passavam nos cinemas Ipiranga e Brasil: Bill Eliott (Red Ryder), Charles Starret (Durango Kid) e Rock Lane.

Mas a lembrança que me desperta hoje é a cantiga de Seu Gervásio. Ele era um senhor de baixa estatura, rosto pálido e bochechas flácidas, sempre usava um paletó surrado, um velho chapéu e gostava de pitar cigarro de palha. Fazia biscates: cortava lenha e transportava água para as casas. Ele morava com suas irmãs, Arlinda e Amélia, em uma casa antiga, de beira-e-bica, que ficava próxima a de meus pais. A casa era de adobe e apresentava pequenos buracos na parede, que passava a claridade do luar e permitia que avistássemos o que se passava na sala da frente.

A Rua Júlio Manoel de Oliveira, antiga Rua dos Ribeiros, em Simão Dias(SE).


A porta aberta também deixava a lua iluminar a sala. A luz de um candeeiro, em um quarto, divisava a réstia de D. Amélia conversando com sua irmã, que estava na sala em uma cadeira tipo preguiçosa. Próximo à porta de frente, em um banco, estava sentado Seu Gervásio, pitando um cigarro de palha e cantando sua canção predileta: “A festa de casamento”.

Ainda sei alguns trechos da letra daquela modinha, que meu cunhado  Haroldo costuma cantar. Com intuito de ativar a memória dos que conviveram aquele período de nossa simpática rua, ouso ativar a memória e transcrever algumas partes:

A Festa de Casamento

Fui convidado para uma festa de casamento

Da filha de um tenente da guarda nacional…

...

Lá tinha dança e comida com fartura

muito bolo, cocada e frituras…

...

Lá tinha uma moça, bonita e faceira,

dançava e levantava poeira... 

...

Percebendo nossos risos, Seu Gervásio interrompia seu engraçado cantar. Então resmungava, pegava seu velho chapéu, que sempre deixava sobre o banco, e se dirigia ao fogão de lenha para acender o cigarro de palha. Voltava até a soleira da porta. Firmava-se em uma perna só, amparando o ombro no portal, e pitava soltando fumaça, observando a correria da meninada. Depois, olhava para um lado e para o outro, bocejava e fechava a porta. Era sua hora de dormir...

...

Eram pessoas simples de outros tempos e que ainda hoje alegram as lembranças de nossa infância.


Aracaju, 16/01/2022

Beto Déda





9 comentários:

  1. Apesar da visão ser um sentido que impressiona mais fortemente a alma, dificilmente um vídeo com estas cenas impressionaria mais que a leitura desse texto porque nele é fácil de se enxergar todos personagens e encantá-los ao critério da nossa imaginação.
    Parabéns, tio Beto. Continue escrevendo.

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  2. Meu caro Marco: estas lembrança eram compartilhadas por muitos moradores da antiga Rua dos Ribeiros, especialmente meus irmão e primos. Tentei descrever tal qual é a visão que tenho ainda hoje daquelas noites enluaradas em Simão Dias. Aquele abraço.

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  3. Belo registro Seu Beto, senti-me dentro da cena vendo as
    Personagens. inalei até o cheiro do fogão à lenha e do pacaio do Sr. Gervasio…
    Parabéns!

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    1. Ao registrar essas lembranças de minha infância sinto-me reforçado; ajuda-me nesta fase de minha estrada da vida. Obrigado!

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  4. Boas lembranças, tio Beto, como bem disse Marcos; um vídeo, talvez não fosse capaz de nos proporcionar tão bela poesia.

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    1. Obrigado, minha querida sobrinha! Você e Marcos me deixam todo "concho" de alegria com seus comentários. Abraços!

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  5. "... e a repeito de comida e beberage, inté falé é bobage, tem bacalhau tem fem feijÕ. Tem ovo frito , tem galinha e carne assada ... Os convidados que aparece neste dia, Zé \vicente, Malaquias, Jão Corró, Pedro Simão ... E por aí ia. Ela também fez parte da minha infância. A minha se iniciava ass: Eu vou contar como vai ser meu casamento com a filha do sargento da guarda nacioná. KKKKKKK

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    1. KKKK É bem parecida com a de minhas lembranças. É possível que a sua seja a original. KKKKK Sua infância foi daqueles idos?

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