Fatos
da eleição de 1962, em Simão Dias: “Feijão de Cego”
Ontem
à noite, a ver o resultado das eleições para prefeito e vereadores, lembrei-me
do que disse meu saudoso pai sobre a observação feita por Seu Nezinho de
Antero – um agricultor simãodiense, “arguto e sério, fervoroso defensor
da coerência partidária” – a respeito do resultado da votação eclética que
aconteceu em Simão Dias, 07/10/1962.
Estava
o Seu Nezinho acompanhando os trabalhos da apuração de votos e, notando
que os eleitores não seguiram uma diretriz partidária, inconformado com a
mistura, não se conteve e exclamou com indignação, em voz alta para que todos
ali ouvissem: “Isto é um feijão de cego!”
Meu
pai procurou saber o sentido daquela afirmação e registrou o causo em
interessante artigo: “Feijão de Cego”, publicado no jornal A
Semana, edição de 20/10/1962. Repasso aqui aos amigos e parentes o
referido texto.
FEIJÃO
DE CEGO
(Contribuição para o folclore sergipano)
Escrito por Carvalho Déda (*)
“Sempre
fui enamorado do folclore. Membro da Comissão Sergipana de Folclore,
colecionei, pacientemente, centenas de expressões populares, comparações,
anedotas, historietas e acerca de um milhar de vocábulos não dicionarizados.
Tudo isto guardei com avareza nos baús do ineditismo.
Múltiplos
afazeres me desviaram dessas atividades. Tornei-me descuidado, deixando escapar
peças que enriqueceriam uma coleção para dar o que fazer aos pesquisadores do
nosso folclore. Mas, porque o costume do cachimbo deixa a boca torta,
não resisti ao sabor de uma expressão popular surgida no meio de numerosa
assistência que acompanhava os trabalhos da Junta Apuradora do último pleito
nesta Zona Eleitoral.
A
despeito da tensão política que tomava conta de todo o Estado, a Junta
Apuradora desta zona desenvolvia suas atividades num ambiente de cordialidade e
democracia. A vontade do povo era ali manifestada em cada cédula única ou em
cada sobrecarta cheia de dobradinhas traquinas, que eram cantadas
por diligentes escrutinadores. Eram as ecléticas que traduziam a
indisciplina partidária, ou o desgaste dos partidos nacionais. Candidatos dos
mais diversos partidos misturados nas sobrecartas opacas ou nos quadriláteros
da cédula única.
Seu
Nezinho de Antero, um camponês arguto e sério, de olhos miúdos e rasgados, com pinta
de filósofo de roça, fervoroso defensor da coerência partidária, disciplinado
por índole e por tradição de família, escutava com desencanto o decorrer da
apuração. A cada eclética cantada, Seu Nezinho torcia o beiço, abanava a
cabeça, ou dava um tunco em
sinal de reprovação.
A
certa altura, Seu Nezinho não se conteve. Passou a mão pelo rosto imberbe e
exclamou em retirada: - Isto é um feijão de cego!...
A
expressão buliu no meu fraco de folclorista. Abandonei lápis e notas de apuração
e corri atrás do Seu Nezinho: -Homem, que diabo vem a ser feijão de cego?
O
filósofo sertanejo respondeu com uma explicação que encerra profunda filosofia
popular e ao mesmo tempo retrata com fidelidade o panorama partidário deste
país:
-
Se o senhor quer saber, vá ao mercado do feijão e observe as esmolas
recolhidas por um mendigo cego. Estirando a mão à caridade dos comerciantes do
cereal, o cego vai recebendo, no fundo da cuia, de saco em saco, as diversas
esmolas. Logo mais a cuia estará cheia de feijão, mas numa mistura chocante de
grãos: feijão preto, feijão branco, feijão roxo, feijão mulatinho, feijão
pintadinho, feijão grande, feijão miúdo, feijão sempre-verde, feijão pisa,
feijão de corda etc. etc. As qualidades do cereal se confundem na cuia do cego,
tirando-lhe o sabor. É isto que se chama feijão de cego.
E
arrematando a pitoresca observação, o filósofo tabaréu fez a notável
comparação: - o que estou vendo naquela apuração de votos é um feijão de
cego. Uma mistura que tira o gosto do voto e da política também. Hoje em dia
não vale a pena votar. Eleitores não
seguem os correligionários, os chefes políticos não obedecem aos partidos, os
partidos não têm rumos certos e se misturam miseravelmente como feijão de cego!
Realmente,
Seu Nezinho tem razão. Os partidos nacionais e os sufrágios populares se
tornaram num autêntico “feijão de cego”.
Sem
querer, Seu Nezinho ofereceu uma preciosa joia ao folclore sergipano.”
(*) Carvalho Déda, jornalista, folclorista, escritor,
advogado e político. Artigo publicado no jornal A SEMANA, de Simão Dias
(SE), edição de 20.10.62.
...
Qualquer
semelhança desse artigo com os fatos atuais é mera coincidência.
Aracaju,
07/10/2024
Beto
Déda
Realmente o contemporaneo e c
ResponderExcluirVisionaro Nezinho com maestria e sabedoria popular esta atualizadissimo, esta parecendo um feijão de cego !!!!
Parece realmente que Seu Nezinho continua com a razão.
ExcluirDe fato, a política mostra- se cada vez mais indigesta.
ResponderExcluirPS: Como o Dr. Carvalho Deda escrevia bem !
Flávio Lisa.
Ele realmente sabia transmitir seu pensamento quando escrevia. Um abraço, meu caro Flávio.
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