segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

 

Uma data inesquecível, uma crônica sobre uma anedota e golpe de estado.

 

O dia primeiro de dezembro tem um significado importante para nossa família: trata-se da data que comemoramos o nascimento do meu saudoso pai, José de Carvalho Déda. Ele nasceu em 1º de dezembro de 1898.

Neste fim de semana, lembrei-me mais uma vez de meu pai, ao ler, como sempre o faço, as crônicas escritas pelo cearense José Nilton Fernandes, que rememora fatos do seu tempo de criança na cidade de Aracati (CE). E a lembrança aconteceu porque o José Nilton tem o hábito de escrever fazendo comparações, e o faz com maestria.

Carvalho Déda dizia que o nordestino conversa fazendo comparações, de modo a ser melhor compreendido. Como folclorista, registrou um mundão de comparações em seu livro "Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano". Hoje, para comemorar o dia do seu nascimento, transcrevo um interessante artigo que ele escreveu em 1954, no qual faz uma pertinente comparação entre os acontecimentos políticos daquela época e a anedota do "Burro Carregado de Panelas".



Antes de mostrar o texto, é bom esclarecer que, naquele ano, nosso Brasil passava por uma grave crise política, gerando temerosa desconfiança, diante da possibilidade de um golpe militar, especialmente pela publicação do “Manifesto dos Coronéis”, um ato de insubordinação de militares contra o Presidente Getúlio Vargas, e que, na sequência de outros acontecimentos políticos, teve como consequência, ainda naquele ano, a deposição e o suicídio do Presidente Getúlio.  

Carvalho Déda escreveu o texto diante de uma declaração do General Góis Monteiro sobre a facilidade de golpe no Brasil. Como bom nordestino e estudioso do folclore fez uma interessante comparação.

Transcrevo o artigo:

      

“UM BURRO CARREGADO DE PANELAS

Escreveu Carvalho Déda *

Nós, sertanejos sergipanos, temos o hábito de conversar fazendo comparações. As conversas e os comentários, por mais importantes que sejam, têm melhor sabor quando temperados assim.

Se compararmos o Brasil atual como aquele burro da anedota, não vejam nisso nenhuma falta de patriotismo. São coisas de sertanejo, e o costume do cachimbo deixa a boca torta...

Eu não tenho aquele “jeitão” de contar anedotas, contudo vou tentar aquela do burro carregado de panelas, a propósito da situação atual: Conta-se que um ingênuo matuto conduzia um burro carregado de frágeis panelas de barro, quando, à certa altura, surgiu um gaiato que fingindo segredar algo na orelha da alimária e, sem que o dono percebesse, jogou a ponta do cigarro dentro da ouça do burro infeliz, que por sinal nunca em sua vida dera um coice. Aconteceu que, com o fogo na broca do ouvido, o manso animal virou o diabo: pulou, pinoteou, escouceou, atirou fora as panelas em cacarecos e “picou-se” no mundo desenfreadamente. O matuto queria uma explicação e perguntou ao gaiato: - Que diabo foi que você disse a meu burro? E o outro: - Disse-lhe apenas que a mãe dele havia morrido! E o camponês, exaltado: - Homem, isto é coisa que se diga a um burro carregado de panelas?!...

A historieta vem a propósito do recente depoimento do General Góis Monteiro, testemunha na ação de ressarcimento de danos proposta pela família do saudoso político paulista Dr. Armando de Sales Oliveira contra a União. Entre outras coisas, disse o General Góis: - “É facílimo dar um golpe no Brasil. Para se dar um golpe, basta o seguinte: um clima especial, um ministro político, o Ministro da Guerra aderir juntamente com o Chefe de Polícia, e, finalmente, um País desmoralizado...”

É o caso de perguntarmos, sertaneja e sergipanamente falando: - General, isto é coisa que se diga a um burro carregado de panelas?!..”   

*Texto escrito por Carvalho Déda, sob o pseudônimo Pakézo, publicado no jornal A Semana, edição de 20/02/1954.

 ...       

Ao reler esta antiga crônica, e cotejando com acontecimentos recentes, ficamos a pensar que alguns militares e políticos da atualidade ainda acreditavam na facilidade de dar um golpe. Não esperavam que confrontariam com pessoas que respeitam e lutam em defesa de princípios constitucionais. Os golpistas planejaram tudo e iniciaram os movimentos para impor uma ditadura aos brasileiros. Felizmente houve reação, o plano e os criminosos foram enfrentados, derrotados, condenados e já estão vendo o sol quadrado.

Hoje, essa anedota seria contada em um pitoresco texto, com título: “Um burro carregado de golpistas”. No qual se narraria que o animal, atormentado com o fogo na broca do ouvido, picou-se, desenfreadamente, pinoteando e trancafiando os golpistas nas celas da Papuda.  E finalizaria com a indagação:

 “Isto é coisa que se diga a um burro carregado de golpistas”.

 Aracaju, 01/12/2025

BETO DÉDA




11 comentários:

  1. Maravilhoso kkkk bem atual

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  2. Muito bom!Tio Beto, como sempre, perfeito para o momento.

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    1. O exercício da memória me faz bem. Obrigado pela mensagem.

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  4. Muito legal, tio Beto! Adorei ler a crônica de Zeca Déda e a sua também!

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    1. Olá, querida Yasmin, lembrar de nossos ancestrais é um conforto para imensa saudade que temos deles. A data de ontem foi a do nascimento do meu pai, a de hoje é de lembranças do querido sobrinho Marcelo, seu pai, que nos deixou há 12 anos. Um abraço pra você, José e todos da família. Que Deus abençoe todos!

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  5. Excelente! Uma comparação pertinente e bem humorada! A forma de recordar e homenagear o aniversariante não poderia ser melhor.
    Os bons textos, assim como as boas músicas, são sempre atuais e sempre serão boas fontes de reflexão.
    Parabéns!

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    1. Obrigado. Fiquei imensamente grato por seu bondoso comentário. Um abraço.

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  6. Que maravilha tio Beto! Tenho esse livro!👏👏👏

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