segunda-feira, 15 de outubro de 2012


A ameaça de empastelamento do jornal “A SEMANA”

 

Narrarei para vocês um dos fatos inesquecíveis de minha vida, ocorrido quando eu contava com 12 anos de idade.

Foi precisamente numa manhã de domingo, dia 06 de setembro de 1953, quando eu e meu pai estávamos na redação do jornal “A Semana”, situado na Rua Dr. Joviniano de Carvalho, nº 37, em Simão Dias. Ele estava datilografando um artigo sobre o deputado Francisco Porto, a ser publicado na edição do sábado seguinte, na seção “Seara Sergipana”, na qual usava o pseudônimo de Carlos Eugênio (inspirado no nome de meu irmão).

Como era domingo, as portas da redação do jornal estavam fechadas e lá estávamos somente eu e meu pai. Ouvimos bater e meu pai mandou verificar quem era. Voltei assustado, exclamando: “É o Pedro Cuia e outras pessoas... parece que estão feridos”. Papai também se assustou. Foi atendê-los pessoalmente. Lá estavam cerca de dez pessoas. Sentaram-se em volta de sua mesa de trabalho e passaram a contar a triste desventura, mostrando, além das escoriações nos rostos, suas costas roxas das pancadas recebidas. Curioso, ouvi atentamente o que narraram. O fato é que na noite anterior eles tinham sido arbitrariamente presos pela polícia local, comandada pelo Sargento Isidoro, e levados para as margens do rio Vaza-Barris, onde foram perversa e covardemente surrados e lá deixados. A razão disto: por andarem à noite pela cidade, sem documentos.
Papai anotava tudo, não só para seus cuidados como advogado, como também para a reportagem de “A Semana”, que seria publicada no sábado seguinte, com sua assinatura, “para evitar que a outros fosse atribuída a redação da notícia” e recebessem injustas represálias. Deixou tudo providenciado e, na segunda-feira, viajou a Aracaju, para continuar seu trabalho como deputado na Assembleia Legislativa.

 Na terça-feira, antes do meio-dia, estávamos na oficina do jornal, quando minha irmã Helena, pálida e aflita, chegou exclamando “- A polícia vai invadir o jornal! Vamos embora. Já fechei as portas da frente. Gente, vamos, depressa!”.  Naquela época, quando papai viajava, era Helena quem cuidava da tipografia e do escritório. Ela recebera a notícia de que a polícia iria invadir e empastelar o jornal, para evitarem a publicação de reportagem sobre a agressão sofrida pelos rapazes. Quando saímos, constatamos muitas pessoas em frente ao Cartório de tio Sininho. Soubemos, então, que quando o Sargento Isidoro e seu destacamento se dirigiam ao jornal, percebendo que um dos rapazes agredidos prestava depoimento, invadiram o Cartório do 2º Ofício, destruindo peças processuais e, pela segunda vez, espancaram uma de suas vítimas.  A violência praticada ali e a presença de muita gente na rua desviaram a intenção dos arbitrários policiais. Desistiram de invadirem o jornal. Do cartório, voltaram a se aquartelar.

Embora naquela ocasião o delegado civil da cidade fosse o Sr. Otávio Andrade, sabia-se, por fontes seguras, que ele não estava envolvido nos acontecimentos e que, “desde alguns dias, o Sargento vinha desobedecendo aquela autoridade”. Aliás, naquele mesmo dia, o Sr. Otávio foi ao Cartório prestar solidariedade ao tio Sininho.

O fato teve uma grande repercussão na cidade. Algumas pessoas sugeriram invadir o quartel para  desarmar e prender os policiais, ideia que felizmente não foi adiante pelos riscos óbvios de uma tragédia de maiores dimensões...

Na Assembleia Legislativa, meu pai fez um longo pronunciamento, denunciando as irregularidades policiais praticadas em nossa cidade. Seu veemente discurso recebeu apoio do plenário, com grande repercussão em todo estado. Também fora enviado telegrama de deputados  ao Ministro da Justiça, informando os acontecimentos. O certo é que as providências foram tomadas imediatamente: um delegado regional foi nomeado e o destacamento anterior foi conduzido ao quartel-geral em Aracaju.

 A cidade voltou à tranquilidade na quinta-feira, dia 10 de setembro de 1953, quando tomou posse o novo delegado regional, Capitão Petronilo Lima, que imediatamente iniciou o inquérito contra os policiais arbitrários.  

No sábado, 12/09/53, o jornal “A Semana” trazia as seguintes manchetes, na primeira e quarta páginas:

 “INCRÍVEIS CENAS DE GESTAPO NAS BARRANCAS DA VAZA-BARRIS – ESPANCAMENTO DE INOFENSIVOS OPERÁRIOS – A CIDADE REVOLTADA – UM MENOR ACAMADO. PNEU! PNEU!

Por Carvalho Déda

Um jornal do povo não pode silenciar fatos quando a cidade, de ponta a ponta, se manifesta revoltada contra as cenas brutais da noite de sábado, cuja responsabilidade recai positivamente no destacamento local, senão no seu comandante, Sargento José Isidoro. Doze rapazes foram agarrados e levados numa camioneta para as barrancas do Vaza-barris, na altura da Fazenda Riachão, onde sofreram incríveis sevícias. Quase todos operários...(Ao lado, cópia da primeira página do jornal "A Semana").
          (...)

“ULTRAJE À JUSTIÇA!... AFRONTA À SOCIEDADE!... AS FAÇANHAS DE UM SARGENTO DE POLÍCIA - PONTA-PÉS.

 POLICIAIS ARMADOS INVADEM O CARTÓRIO DO 2ª OFÍCIO E RASGAM UM PROCESSO – UMA DAS VÍTIMAS ESPANCADA DENTRO DO RECINTO DO CARTÓRIO – COMO REPERCUTIRAM OS FATOS NA CAPITAL DO ESTADO – VEEMENTE PROTESTO DO DEPUTADO CARVALHO DÉDA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA - APOIO E SOLIDARIEDADE DA ASSEMBLEIA AO POVO SIMÃNDIENSE – O TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SESSÃO PLENA REUNIU-SE SECRETAMENTE PARA ASSENTAR MEDIDAS EM DEFESA DO JUDICIÁRIO ULTRAJADO – “A SEMANA” ESTEVE AMEAÇADA DE EMPASTELAMENTO -   A PRESENÇA DO CAPITÃO PETRONILO FAZ RESTABELECER A TRANQUILIDADE.
(Ao lado, cópia da 4ª página d'A SEMANA,edição de 12 de setembro de 1953)

 

Naquele dia o jornal era esperado com grande ansiedade. A edição histórica esgotou logo cedo e fiquei satisfeito porque meu serviço de jornaleiro foi rápido. E logo depois estava eu comendo um gostoso prato de mungunzá no bar de “Seu” João Cândido, ouvindo os comentários do pessoal sobre os desvarios dos policiais...

Aracaju, 15 de outubro de 2012

Beto Déda

2 comentários:

  1. Tio Beto, muita gente me pergunta de onde veio o sobrenome "Déda" e eu não sei dizer. Se não me engano, você sabe a história. Conte qualquer dia desses! :)

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    1. Sei a história. Meu pai me contou e contarei oportunamente aqui.

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