Minhas aventuras como cobrador de “A Semana”.
Recentemente eu,
Cláudio e Marcelo estivemos explicando à querida Yasmim como era editado o
jornal “A Semana”, em Simão Dias. E isto me trouxe lembranças que repasso aqui,
para conhecimento de meus não menos queridos netos.
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O componedor e a caixa de tipos de chumbo. |
Nunca esqueci a minha primeira composição. Duas
razões marcam esta lembrança: primeiro, por se tratar da comemoração do
aniversário de minha querida irmã Nancy; segundo, a alegria de ver publicada no
jornal a minha primeira composição tipográfica. Outra publicação inesquecível
aconteceu depois, quando fiz a composição com a notícia (redação feita com ajuda de papai) do casamento dos queridos
Maura/Haroldo .
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Outra composição tipográfica também inesquecível. (A Semana, edição de 23/04/55) |
Vivi intensamente os trabalhos realizados nas
oficinas do jornal, primeiro como auxiliar de tipógrafo, compondo, cortando as
resmas de papel e dobrando-os na forma como seriam impressas. Também fui
jornaleiro, entregando os exemplares pela cidade, fazendo as vendas avulsas e
anualmente efetuando a cobrança das assinaturas e reclames. Para efetivarmos os recebimentos fazíamos a impressão de talonários com recibos, posteriormente
preenchidos por meu pai, ficando a tarefa de cobrança sob meu encargo.
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Xilogravura de publicada em 31.08.63 |
Pois bem. Em uma tarde noite, do inicio do ano, quando eu começava a fechar as portas da redação do jornal, chega o referido zeloso senhor, para efetuar o pagamento de sua assinatura. Embora conhecendo a rigidez que cuidava de suas obrigações, tentei convencê-lo a efetuar o pagamento no dia seguinte, lembrando-lhe que já estava escurecendo e já tinha apagado a petromax (uma espécie de lampião, de uso comum na cidade que na ocasião não tinha energia elétrica). Não convencido de minhas observações, retrucou:
-
Mas Beto, eu peço o favor de receber hoje. Olhe, já dei baixa em minha
contabilidade e o dinheiro já saiu do meu caixa. Eu não tolero fazer estorno.
Atenda-me, por favor!
Seu olhar suplicante
foi convincente. E sob a fumaça e a luz lúgubre de um candeeiro (acender a
petromax era trabalhoso) recebi o valor da assinatura. Passei-lhe o recibo e
ele saiu contente com seu caminhado inconfundível, com um pé no sapato e outro
no chinelo. Sem dúvida era o mais
pontual pagador de “A Semana”.
...
O jornal tinha boa
circulação em nossa região e eu cuidava da cobrança não só de Simão Dias, como
também de Lagarto, Riachão do Dantas e Paripiranga. Naquela época, a cobrança
em Paripiranga era feita na sexta-feira, e o transporte usado para aquela
cidade baiana era o caminhão de Seu Antônio Barbadinho.
A cobrança em Lagarto
era feita às segundas-feiras, dia da grande feira da cidade. Eu viajava na
marinete de seu Josino. Saía às 5 horas da manhã. Teve um dia que a marinete
estava lotada, muita gente viajando em pé, inclusive eu. Enjoei e vomitei
sujando a camisa de um colega de pelada da Praça de São João, chamado Pneu. Ele deu uma
bronca de arrepiar. E eu pálido, mal consegui expressar minha desculpa,
mostrando também minha camisa e o talão de recibos de assinaturas sujos com
restos de vômito. Foi um vexame.
Ainda em Lagarto, outro
fato inesquecível. Fui a uma casa muito bonita e luxuosa de um assinante que,
parece-me, era dono do cinema da cidade. Quando entrei na casa escorreguei na
cerâmica lisa e encerada e dei com a “padaria” ao chão, deslizando e ouvindo a
risada das pessoas ali presentes. Uma baita queda! Depois, contando esse deslizamento a minha
mãe, ela riu muito e me abraçou com carinho. Valeu a queda pela ternura
transmitida por minha saudosa mãe. Uma beleza.
...
Em Riachão do Dantas
também aconteceu uma inesquecível aventura. Para realizar a cobrança naquela
cidade eu viajava de marinete até Lagarto e de lá pegava um caminhão pau de arara.
Certa vez, quando eu já contava com meus 17 anos de idade, em uma das cobranças em Riachão, encontrei-me
com o colega Zé Almeida, que comigo estudava no Colégio Jackson Figueiredo e que
muitos anos depois também foi meu colega no BNB. Zé Almeida morava naquela
cidade e ajudara-me a identificar os assinantes, além de me oferecer um almoço na
residência de seu pai, o Deputado José Almeida Fontes. À tardinha, após efetuar
as cobranças, voltei a Lagarto no mesmo caminhão pau de arara. Na viagem, aconteceu uma perigosa briga.Um
dos passageiros gritou, tirando gracejo ao avistar uma moça que trabalhava em
um terreno próximo a estrada. Outro passageiro que dava a entender ser parente
da moça ofendida encarou o ofensor e iniciaram um bate-boca raivoso. Então um
deles sacou uma pistola (tipo garrucha de dois tiros) e mirou o adversário.
Todo pessoal se abaixou, menos eu, que estava sentado em frente ao passageiro
ameaçado e fui por ele agarrado como escudo. Em uma agonia sem precedentes,
debalde tentei me desvencilhar do briguento. A sorte é que o caminhão parou
para cobrar as passagens. Consegui me livrar da posição de escudo e pulei, não
sei como, do caminhão. A algazarra aumentou, com os passageiros gritando e
pulando do pau-de-arara. Foi quando, inesperadamente, ouvi a voz de Almeida,
chamando-me para entrar num jipe de um amigo que com ele ia para Lagarto. Nem
vacilei e de um só pulo já estava no rústico veículo, que naquela situação
parecia ser o mais confortável dos automóveis. Foi a salvação. Até hoje, não
sei o final daquele bafafá entre os desafetos viajantes. E sempre que me
encontro com o Almeida menciono aquele fato, lembrando que ele me salvou de uma
inusitada aflição.
Estas são algumas das
muitas aventuras dos velhos tempos. Se o bom Deus me favorecer em tempo,
paciência e engenho para usar o teclado, outras lembranças eu relatarei para
meus queridos netos.
Aracaju,
03/01/2013
Beto
Déda
Que beleza de narrativa meu caro Beto. Você tem uma memória privilegiada. Parabéns. Um forte abraço.
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