terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O Frustrado Namoro na Ponte do Caiçá.


Tal um computador que guarda velhos arquivos, da mesma forma nossa cachola conserva lembranças que marcaram nossa vida. E um simples olhar ou apenas um fiasco de luz tem a magia de provocar em nossa mente o recuo do tempo e nos transportar ao passado, revivendo emoções.

Grupo Escolar Fausto Cardoso - Simão Dias - Sergipe
Recentemente, a centelha que ativou minha memória foi o rosto de uma mulher, provocando-me recordações bem antigas, da primeira metade dos anos cinquenta, quando eu estudava no Grupo Escolar Fausto Cardoso, em Simão Dias.

O que vou repassar para os amigos é um idílico caso que aconteceu quando os alunos do Grupo Escolar ensaiavam o desfile cívico que aconteceria no dia festivo da independência. Treinávamos a marcha, ouvindo o rufar dos tambores, em volta da Praça de Matriz e pelas ruas circunvizinhas.

Minha pose. Todo concho, envergando a farda
do Grupo Escolar Fausto Cardoso
Eu fazia parte de um grupo de cinco amigos, com idades entre 12 e 14 anos: eu, Zé Carlos, Hamilton, Aloísio e Dória.  Tínhamos namoradas que eram amigas comuns e sempre estávamos a marcar os lugares onde podíamos nos encontrar. Naquela época, em nossa idade, o namoro não ia além de um beijo rápido e um abraço furtivo. Embora se tratasse de namoros inocentes dos anos cinquenta, por razões óbvias, não revelo o nome das meninas. 
  
Em uma tarde, depois do treinamento para o desfile, nos reunimos com as garotas para marcar um encontro. Era nosso propósito conhecer a nova ponte sobre o Caiçá, que ficava próximo ao curtume de Seu Cassimiro, no início da estrada para Pinhão. Todos diziam que era uma vista maravilhosa. 

Acontece que apareceu um colega apelidado de Niño, que queria participar da turma. Não foi aceito. Em represália, saiu a espalhar boatos sobre o namoro, juntou-se a outros garotos e passaram a nos seguir. Separamo-nos das meninas e iniciamos uma correria sem limites. Saímos da Praça pela casa dos Dória, que ficava vizinha à de tio Sininho. Saímos pelo portão dos fundos, onde ficava o Sítio de Juca Matos, descemos pela ladeira de Roque e fomos parar na Praça São João, no portão de minha casa, despistando o grupo que nos seguia.  

Resolvido o problema da perseguição, surgiram outros bem maiores: os fuxicos e mexericos. Primeiro dos guris que imaginavam e inventavam situações que não aconteceram. Inclusive anunciando que fomos surpreendidos namorando embaixo da ponte do Caiçá, na estrada para Pinhão.

Um colega, que tinha o apelido de Ratinho, foi até à casa de uma de nossas Professoras e anunciou em voz escandalosa:
- Professora, sua irmã está ‘namorando’ o Aloísio embaixo da ponte do Caiçá...

Espalhado o boato, daí em diante o assunto escapou da alçada dos guris e passou a ser dominado pelos adultos, com os acréscimos próprios dos que atingiram a maioridade. E o pretenso caso do namoro na ponte transformou-se no comentário número um da cidade.

Então surgiram invenções com detalhes escandalosos: que foram encontradas calcinhas na beira do Caiçá; que avistaram um de nós correndo nu, com as calças na mão; além de outras invencionices impublicáveis...

E a notícia chegou aos nossos pais com as consequências previsíveis. Ao anoitecer daquele dia, escondido na sala da frente de minha casa, ouvi quando Seu Chico, que também morava na Rua dos Ribeiros, encontrou-se com meu pai e foi dizendo:
- Zeca, já soube do acontecido com nossas crianças na ponte do Caiçá?
E contou o que tinha ouvido dos outros, esclarecendo que já disciplinara seu filho Hamilton com uma boa surra.  Encerrou seu comentário com uma informação que sugeria sova para mim:
- O seu Beto também estava lá...

Evitei encontrar-me com papai. Procurei refúgio na casa de tia Nice, onde fui ajudá-la no pilão, a amassar arroz para fazer cuscuz para o jantar. Esperei o tempo passar e meu velho esquecer o fuxico. O certo é que papai foi cuidar de outros assuntos de maior urgência e eu me livrei da parte lisa do seu tamanco, que era sempre usado para nos disciplinar.
...

E hoje, mesmo sem esquecer a frustração do encontro na ponte, sentimos alegria ao recordar o riso simpático das queridas garotinhas dos bons tempos do Grupo Fausto Cardoso.

Aracaju, 20/12/2015

Beto Déda

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