quinta-feira, 1 de junho de 2017

Comentando ofensas às prerrogativas dos idosos.

Na última semana recebi importantes e encorajadoras mensagens de amigos e parentes pela comemoração de meus setenta e seis anos. Ao se atingir esta idade um bom bocado de inquietações surge quando vislumbramos o futuro.

A verdade é que, ao avançarmos por esta fase da vida, conhecida com a “terceira idade”, as perspectivas são sombrias e, queiramos ou não, são pontilhadas de dor (na cabeça, no ombro, nas costas, nas pernas e em outras partes que não ouso falar). Esta é a fase que, com muita graça e razão, o dito popular consagra como a idade do condor, ou seja, a idade do “COM DOR” e, para outros, a idade da PVC – Porra de Velhice Chegando.

Como estamos na fase da vida que corresponde a uma decida de ladeira, com um abismo à vista, temos que nos proteger e procurar reforços para amenizar o declínio que tempo processa em nosso físico.  E essa proteção é encontrada quando esquecemos um pouco o futuro e nos dedicamos a viver intensamente o presente e a reviver, nas lembranças, os bons momentos do passado.  Não é à toa o interesse dos idosos em comentar partes alegres da vida. Os olhos faíscam de interesse, a conversa se alonga. Não importa que as lembranças sejam repetitivas, o que interessa é que elas nos revigoram.

Na verdade a vida do idoso é meio complicada e frágil ao enfrentar os múltiplos problemas que o atingem. Merece a compreensão de muitos e o amparo legal. Reconhecendo essa carência de defesa, nossa legislação – de modo específico o Estatuto do Idoso – apresenta regras importantes de proteção aos que passam dos 60 anos de idade. 

No entanto e infelizmente, o que se nota é a tentativa de arrefecimento daquilo que a legislação determina.

Não são poucas as vezes que nos deparamos com o descaso que os responsáveis por alguns estabelecimentos dão ao direito do idoso de ter prioridade em suas pretensões. Um exemplo revelador é o fato de escolherem justamente o local destinado ao atendimento do idoso para treinarem funcionários novos e inexperientes. Percebe-se, então, que furtivamente o ditame legal é detonado pelo atendimento lento, cheio de interrupções e indagações, frustrando o essencial esperado pelo idoso: a perspectiva de ser atendido com rapidez.

Pensando nisso, vem à baila, outro fato pitoresco que aconteceu recentemente com um velho amigo. Conto para vocês:

Apareceu em sua caixa de correspondências um reclame informando a inauguração de uma barbearia, em uma rua próxima.

Satisfeito com a proximidade do atendimento, ele foi ao salão cortar a reduzida cabeleira. Chegando lá, aguardou alguns minutos enquanto o cabeleireiro terminava seu quebra jejum e, logo em seguida, foi atendido. Quando transcorria mais ou menos a metade do corte, entrou um rapaz no salão e trocou algumas palavras com o barbeiro. Então este se virou para meu amigo e indagou:

- O senhor se incomodaria que eu fizesse agora um ligeiro acabamento no corte desse freguês? É coisa rápida, só um aprimoramento na costeleta...

Diante da inesperada indagação do profissional e pensando ser coisa rápida, o idoso amigo concordou.
Uma charge antiga para ilustrar um fato novo.

Veio então a surpresa. O barbeiro pediu que meu amigo saísse da cadeira. Ele saiu. Em seguida ele pediu que ele tirasse o avental (guarda pó ou guarda cabelo?). Ele tirou.

Passou o guarda-cabelo para o freguês, que se sentou calmamente na cadeira. 

Atordoado e surpreso com aquela atitude, o amigo observou que o cabeleireiro começou a conversar com o rapaz e a lhe fazer o corte do cabelo, calmamente, como se fosse uma ação normal.

Ao perceber que não se tratava de coisa rápida, mas um ato de estúpido desrespeito, o amigo foi fustigado pela impaciência dos que têm “pavio curto” ou do popular “caga-raiva”. E falou com seus botões: “Que merda é essa?... Vou protestar e fazer uma bagunça aqui nesse salão...”

Mas não o fez. O peso e a experiência dos mais de setenta anos aliviaram e apagaram seu pavio curto. E ele maneirou...

O amigo interrompeu o barbeiro e disse que infelizmente teria que sair, justificando que estava na hora de pegar seu neto. E andou em direção ao portão de saída. Foi quando o tal cabeleireiro “navalha-cega” completou seu desacato, ao exclamar com desdém:

- Que pressa de arrombar é essa?

A grosseria do barbeiro foi tanta que inverteu de quem era realmente a pressa: transferindo-a de seu prestigiado freguês para meu amigo.

Não obstante se trate de um fato real, de insulto ao idoso e de ofensa aos dispositivos legais que o amparam, meu amigo se nega a dizer onde fica esse salão e o nome do tal barbeiro.  Diz ele que o aprendizado acumulado em tantos anos de luta arrefeceu seu espírito aguerrido. Prefere olvidar totalmente locais e nomes de pessoas envolvidas em fatos que o maltrataram.

Daí, a pertinência de uma pergunta e o óbvio da resposta:

- Esquecer não seria um ato de permitir a impunidade e, consequentemente, de incentivo a novas ofensas?

- É possível, sim!

Mas hoje não podemos ignorar que a violência se tornou tão banal que arrefece ainda mais o fraco poder de defesa dos idosos.

Compreende-se, assim, a cautela do amigo.

Aracaju, 31-05-2017

BETO DÉDA

Nenhum comentário:

Postar um comentário