Comentando ofensas às prerrogativas dos
idosos.
Na última semana recebi
importantes e encorajadoras mensagens de amigos e parentes pela comemoração de
meus setenta e seis anos. Ao se atingir esta idade um bom bocado de
inquietações surge quando vislumbramos o futuro.
A verdade é que, ao avançarmos
por esta fase da vida, conhecida com a “terceira idade”, as perspectivas são sombrias
e, queiramos ou não, são pontilhadas de dor (na cabeça, no ombro, nas costas, nas
pernas e em outras partes que não ouso falar). Esta é a fase que, com muita
graça e razão, o dito popular consagra como a idade do condor, ou seja, a idade
do “COM DOR” e, para outros, a idade da PVC – Porra de Velhice Chegando.
Como estamos na fase da
vida que corresponde a uma decida de ladeira, com um abismo à vista, temos que
nos proteger e procurar reforços para amenizar o declínio que tempo processa em
nosso físico. E essa proteção é
encontrada quando esquecemos um pouco o futuro e nos dedicamos a viver
intensamente o presente e a reviver, nas lembranças, os bons momentos do
passado. Não é à toa o interesse dos idosos
em comentar partes alegres da vida. Os olhos faíscam de interesse, a conversa
se alonga. Não importa que as lembranças sejam repetitivas, o que interessa é que elas
nos revigoram.
Na verdade a vida do
idoso é meio complicada e frágil ao enfrentar os múltiplos problemas
que o atingem. Merece a compreensão de muitos e o amparo legal. Reconhecendo
essa carência de defesa, nossa legislação – de modo específico o Estatuto do
Idoso – apresenta regras importantes de proteção aos que passam dos 60 anos de
idade.
No entanto e infelizmente,
o que se nota é a tentativa de arrefecimento daquilo que a legislação
determina.
Não são poucas as vezes
que nos deparamos com o descaso que os responsáveis por alguns estabelecimentos
dão ao direito do idoso de ter prioridade em suas pretensões. Um exemplo
revelador é o fato de escolherem justamente o local destinado ao atendimento do
idoso para treinarem funcionários novos e inexperientes. Percebe-se, então, que
furtivamente o ditame legal é detonado pelo atendimento lento, cheio de
interrupções e indagações, frustrando o essencial esperado pelo idoso: a
perspectiva de ser atendido com rapidez.
Pensando nisso, vem à
baila, outro fato pitoresco que aconteceu recentemente com um velho amigo.
Conto para vocês:
Apareceu em sua caixa
de correspondências um reclame informando a inauguração de uma barbearia, em
uma rua próxima.
Satisfeito com a
proximidade do atendimento, ele foi ao salão cortar a reduzida cabeleira. Chegando
lá, aguardou alguns minutos enquanto o cabeleireiro terminava seu quebra jejum
e, logo em seguida, foi atendido. Quando transcorria mais ou menos a metade do
corte, entrou um rapaz no salão e trocou algumas palavras com o barbeiro. Então
este se virou para meu amigo e indagou:
-
O senhor se incomodaria que eu fizesse agora um ligeiro acabamento no corte desse
freguês? É coisa rápida, só um aprimoramento na costeleta...
Diante da inesperada
indagação do profissional e pensando ser coisa rápida, o idoso amigo concordou.
![]() |
Uma charge antiga para ilustrar um fato novo. |
Veio então a surpresa. O
barbeiro pediu que meu amigo saísse da cadeira. Ele saiu. Em seguida ele pediu
que ele tirasse o avental (guarda pó ou guarda cabelo?). Ele tirou.
Passou o guarda-cabelo para o freguês, que se
sentou calmamente na cadeira.
Atordoado e surpreso
com aquela atitude, o amigo observou que o cabeleireiro começou a conversar com
o rapaz e a lhe fazer o corte do cabelo, calmamente, como se fosse uma ação
normal.
Ao perceber que não se
tratava de coisa rápida, mas um ato de estúpido desrespeito, o amigo foi
fustigado pela impaciência dos que têm “pavio curto” ou do popular “caga-raiva”.
E falou com seus botões: “Que merda é
essa?... Vou protestar e fazer uma bagunça aqui nesse salão...”
Mas não o fez. O peso e
a experiência dos mais de setenta anos aliviaram e apagaram seu pavio curto. E
ele maneirou...
O amigo interrompeu o
barbeiro e disse que infelizmente teria que sair, justificando que estava na
hora de pegar seu neto. E andou em direção ao portão de saída. Foi quando o tal
cabeleireiro “navalha-cega” completou seu desacato, ao exclamar com desdém:
-
Que pressa de arrombar é essa?
A grosseria do barbeiro
foi tanta que inverteu de quem era realmente a pressa: transferindo-a de seu prestigiado
freguês para meu amigo.
Não obstante se trate
de um fato real, de insulto ao idoso e de ofensa aos dispositivos legais que o
amparam, meu amigo se nega a dizer onde fica esse salão e o nome do tal barbeiro. Diz ele que o aprendizado acumulado em tantos
anos de luta arrefeceu seu espírito aguerrido. Prefere olvidar totalmente
locais e nomes de pessoas envolvidas em fatos que o maltrataram.
Daí, a pertinência de
uma pergunta e o óbvio da resposta:
-
Esquecer não seria um ato de permitir a impunidade e, consequentemente, de
incentivo a novas ofensas?
-
É possível, sim!
Mas hoje não podemos
ignorar que a violência se tornou tão banal que arrefece ainda mais o fraco
poder de defesa dos idosos.
Compreende-se,
assim, a cautela do amigo.
Aracaju, 31-05-2017
BETO DÉDA
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