domingo, 2 de julho de 2017

Lembrando Dr. Célio Loureiro: “As aparências enganam”...

Ultimamente ando mancando: com um pé na chinela de dedo e outo no sapato. Uma vizinha me indagou: "Perdeu um sapato ou está economizado?". Nem uma coisa, nem outra, respondi. Caí e torci o pé. 

Ainda em recuperação, resolvi dar uma volta lá pelas bandas Mosqueiro. Fui atacado por centenas de muriçocas. Pinicaram meu corpo até por cima de minhas roupas. A camisa de malha e as meias de algodão não impediram a ferocidade das picadas dos mosquitos. Resultado: passei a ter intermitentes ataques de coceira decorrentes de alergia. Uma comichão terrível que me irrita e deixa o corpo pintado. Tive que recorrer por duas vezes a uma clínica para debelar os efeitos alérgicos. Ainda  não estou curado; nem da torção do pé, nem da coceira.

Enquanto permaneço em casa, fico analisando velhos documentos e fotografias. E me divirto ao rever os arquivos.  Observadores íntimos afirmam que sou um acumulador de documentos.  Guardo velhos papéis que retratam passos de minha vida e de meus ancestrais. Daí o amigo Odilon Machado dizer que pareço um cavaleiro medieval, com aquelas armaduras, guardador das relíquias da família. Pois que seja!  É de minha natureza manter tais recordações e,  quando sobra um  tempinho, perscrutá-las.

Assim é que, remexendo meus arquivos, deparei-me com antigas charges publicadas pelo humorista Carlos Estevão na revista “O Cruzeiro”, em uma seção com o título “As aparências enganam”, na qual demonstrava as interpretações falsas provocadas por uma visão sombria dos fatos. Então apresentava dois desenhos de um mesmo fato, um com silhuetas e outro sem sombras, de modo evidenciar que as aparências enganavam. Um bom exemplo é a charge que retrata uma alegre festa de aniversário: quando evidenciada em sombras, as silhuetas nos levam ao erro de interpretar a cena como um fato sinistro; e em sentido contrário, a mesma cena sob o brilho das luzes mostra que não passa de uma divertida festa. 

As aparências enganam  - Carlos Estevão:

 

Ao continuar revendo meus arquivos, encontrei um Boletim de Notícias do BNB em que apareço em uma foto no encerramento do X Curso de Administradores de Agências patrocinado pelo Banco do Nordeste, em 1969. Com tal jornalzinho estavam arquivadas minhas provas daquele curso.  


Como uma recordação leva à outra, em minha bendita cachola fiz o liame entre o humor de Carlos Estevão e uma lição do saudoso Prof. Célio Loureiro Cavalcante, que era um importante advogado de Fortaleza, dirigia o Departamento Jurídico do Banco do Nordeste, o famoso DEJUR, e lecionava, com competência, cursos patrocinados pelo banco. 

Pois bem, em suas aulas de Direito Bancário, Dr. Célio costumava nos orientar a não esquecer que as aparências enganam e aproveitava o ensejo para lembrar de que as regras gerais sempre apresentam exceções.

Recordo-me que, certa vez, em sala de aula, um colega estava analisando um problema e concluiu pela subsunção do fato a um artigo de lei. Com seu gesto característico de esfregar calmamente as mãos, o Dr. Célio sugeriu cautela na conclusão, afirmando que a citação do dispositivo legal estava correta, mas “em termos”, ou seja, guardada as devidas proporções. Enfático, ele recomendava evitarmos nos curvar apressadamente às aparências, porque elas enganam. E com maestria apresentava exemplos esclarecedores de exceções à rega geral. O que me fazia lembrar dos provérbios populares, tão a gosto do meu saudoso pai: “Nem tudo que reluz é ouro” ou “Nem tudo que balança cai”.   

Nunca esqueci o elogio que o Dr. Célio me fez na última aula daquele curso. Ao entregar minha prova, olhou-me com seu sorriso peculiar – surpreso com o resultado, diante de minha discreta, quase imperceptível presença no decorrer das aulas – e afirmou:

-  Você, hem, caladinho e calmo no seu lugar, mas danado sabendo das coisas. E entregando-me a prova que rubricou a nota máxima, concluiu: As aparências enganam; parabéns!.

Na verdade, quem mereceu parabéns foi o ilustre professor. Embora minha aparência sugerisse alheamento ou falta de atenção aos ensinamentos do mestre, isto não correspondia a realidade.  As aparências enganavam. Eu estava atento e o meu silêncio era indicativo de que suas explanações não deixavam dúvidas. O mérito era dele que, com competência, sabia ensinar.

No encerramento daquele curso, o competente professor foi merecidamente agraciado pelos alunos com uma placa de prata.

Depois de relembrar estes fatos, tomei conhecimento - com muito pesar -  que o venerável Professor Célio Loureiro já não está em nosso convívio. Desde o final de abril deste ano, quando já contava com  88 anos de idade, ele passou para a dimensão celeste, deixando saudades.

O ilustre professor revive em nossas lembranças e, aqui, presto-lhe minha sincera e humilde homenagem.

Aracaju, 02/07/2017

Beto Déda

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