Jove da Marinete e a Corrida
de Touro.
A Praça de São João ou Parque Cel. Zacarias de Carvalho era o meu
mundo de brincadeiras. Embora o ponto máximo das distrações dos garotos fossem
as peladas de futebol, muitas outras brincadeiras surgiam em determinados
momentos. O que se pensasse de distração a meninada da redondeza improvisava com
sucesso. A imaginação fluía e brincávamos pra valer.
Nos dias de sextas-feiras era comum a passagem pelo parque de
novilhos para abate no Matadouro. E vez por outra as peladas eram interrompidas
por um boi arisco, desgarrado do rebanho, cujas marradas causavam medo. Também
surgiam touros com um pedaço de couro cobrindo a testa (boi careta), indicativo
de que era bravo, espalhando poeira ao pisotear o torrão duro antes de avançar contra
o transeunte mais próximo. A correria era generalizada e a salvação era subir
nos pés de tamarindo, abundantes na praça.
Na verdade acontecia quase que semanalmente uma corrida de
touros na Praça de São João. Lembro-me, agora, que quando se
festejava as festas juninas acontecia uma corrida de touro patrocinada pelo Jove da
Marinete.
Não era igual e nem de longe chegava aos pés à "Corrida de Touros" realizada na cidade espanhola de Pamplona, em homenagem a São Firmino e que
fora propagada pelo grande escritor norte-americano Ernest Hemingway no livro
“O Sol Nasce Sempre” (The Sun Also
Rises).
Também não era uma festa tipo “Farra do Boi”, que acontece no
Espírito Santo, e que atualmente é muito combatida e considerada ilegal (crime
previsto no artigo 32 da Lei federal 9.605/98).
A corrida do boi de Jove da Marinete era mais simples: compreendia
conduzir um novilho (apenas um mesmo) para abate no Matadouro. Transmito para os
patrícios um pouco do que me lembro dessa corrida e de seu
patrocinador.
O nome dele não provinha do deus Júpiter, da mitologia romana,
também chamado de Jove (Jovis). O nosso “Jove”
era produto da lei do menor esforço para o seu nome correto: JOVINIANO, que tinha
o sobrenome SANTOS.
Em nossa terra é comum juntar ao apelido o nome do pai ou a
profissão do indivíduo. Eu, por exemplo, sou conhecido como Beto de Zeca Déda; o João de Jacó, que trabalhava no Cine Brasil, era chamado de João do Cinema. Do mesmo modo Joviniano dos Santos era o Jove da Marinete. Ele foi o primeiro motorista da marinete que fazia o trajeto Simão Dias-Aracaju, e exerceu a profissão desde os idos de 1931 até abril de 1960. Mudaram os proprietários das empresas, mas o motorista continuou sendo o Jove.
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Antiga marinete que fazia a linha S.Dias/Aracaju. |
Jove era um homem alegre, boêmio, popular, muito estimado em nossa terra por
ricos e pobres, idosos e crianças. Foi ele que criou uma festa junina em sua
casa e que se tornou tradição em nossa cidade. Tinha baile e eram servidos pratos
típicos, inclusive churrasco de um boi oferecido por um fazendeiro local.
O fazendeiro oferecia o novilho, mas ficava por conta do Jove
o transporte do boi para o Matadouro.
- Ótimo! Dizia ele, e acrescentava: Vamos pegar o boi
na unha...
E juntava uma boa turma que gostava da fuzarca e todos à pé – acompanhados
por meninos em gritaria (eu inclusive) – faziam a corrida do touro desde a
fazenda até Matadouro, passando pelas ruas da cidade, numa correria
engraçada e que não deixava de meter medo aos que temiam o boi. Era diversão
pura.
Não tinha a riqueza nem o risco da Corrida de Touros de Pamplona, mas
acredito que a alegria dos que participavam não era inferior aos que
desfrutavam da festa espanhola. Eu senti isto...
Até o ano de 1959, a corrida de touro, o churrasco e a festa de
São João aconteceram com muita alegria na casa de Jove da Marinete em Simão
Dias.
Em abril de 1960, ele sofreu um mal súbito e
faleceu no dia 22 daquele mesmo mês, uma sexta-feira. Deixou saudade e, hoje, revive na lembrança
dos conterrâneos que brincaram na festa de São João em sua casa e participaram
da corrida de touro por ele patrocinada.
A alegria dele era contagiante. Vale lembrá-lo.
Aracaju, 19/08/2018.
Beto Déda
Boas lembranças de uma infância cheia de riquezas!!!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVocê está certa. Foi uma infância e juventude de muitas brincadeiras, alegrias e o que não faltava era criatividade. Compartilhar essas lembranças me deixam muito feliz. Revivo os bons tempos. E o melhor: não me descuido dos momentos atuais. Buscando, é claro, momentos alegres...
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