domingo, 19 de agosto de 2018


Jove da Marinete e a Corrida de Touro.

A Praça de São João ou Parque Cel. Zacarias de Carvalho era o meu mundo de brincadeiras. Embora o ponto máximo das distrações dos garotos fossem as peladas de futebol, muitas outras brincadeiras surgiam em determinados momentos. O que se pensasse de distração a meninada da redondeza improvisava com sucesso. A imaginação fluía e brincávamos pra valer. 

Nos dias de sextas-feiras era comum a passagem pelo parque de novilhos para abate no Matadouro. E vez por outra as peladas eram interrompidas por um boi arisco, desgarrado do rebanho, cujas marradas causavam medo. Também surgiam touros com um pedaço de couro cobrindo a testa (boi careta), indicativo de que era bravo, espalhando poeira ao pisotear o torrão duro antes de avançar contra o transeunte mais próximo. A correria era generalizada e a salvação era subir nos pés de tamarindo, abundantes na praça.

Na verdade acontecia quase que semanalmente uma corrida de touros na Praça de São João. Lembro-me, agora, que quando se festejava as festas juninas acontecia uma corrida de touro patrocinada pelo Jove da Marinete.

Não era igual e nem de longe chegava aos pés à "Corrida de Touros" realizada na cidade espanhola de Pamplona, em homenagem a São Firmino e que fora propagada pelo grande escritor norte-americano Ernest Hemingway no livro “O Sol Nasce Sempre” (The Sun  Also Rises).

Também não era uma festa tipo “Farra do Boi”, que acontece no Espírito Santo, e que atualmente é muito combatida e considerada ilegal (crime previsto no artigo 32 da Lei federal 9.605/98).

A corrida do boi de Jove da Marinete era mais simples: compreendia conduzir um novilho (apenas um mesmo) para abate no Matadouro. Transmito para os patrícios um pouco do que me lembro dessa corrida e de seu patrocinador.

O nome dele não provinha do deus Júpiter, da mitologia romana, também  chamado de Jove (Jovis). O nosso “Jove” era produto da lei do menor esforço para o seu nome correto: JOVINIANO, que tinha o sobrenome SANTOS.

Em nossa terra é comum juntar ao apelido o nome do pai ou a profissão do indivíduo. Eu, por exemplo, sou conhecido como Beto de Zeca Déda; o João de Jacó, que trabalhava no Cine Brasil, era chamado de João do Cinema. Do mesmo modo Joviniano dos Santos era o Jove da Marinete. Ele foi o primeiro motorista da marinete que fazia o trajeto Simão Dias-Aracaju,  e exerceu a profissão desde os idos de 1931 até abril de 1960. Mudaram os proprietários das empresas,  mas o motorista continuou sendo o Jove.

Antiga marinete que fazia a linha S.Dias/Aracaju.
Lembro-me também de dois antigos auxiliares de Jove: Zequinha, o cobrador, e Manuel (que morava no Areal) o encarregado  das malas, arrumadas no bagageiro que ficava em cima da marinete.

Jove era um homem alegre, boêmio, popular, muito estimado em nossa terra por ricos e pobres, idosos e crianças. Foi ele que criou uma festa junina em sua casa e que se tornou tradição em nossa cidade. Tinha baile e eram servidos pratos típicos, inclusive churrasco de um boi oferecido por um fazendeiro local.

O fazendeiro oferecia o novilho, mas ficava por conta do Jove o transporte do boi para o Matadouro.

- Ótimo! Dizia ele, e acrescentava: Vamos pegar o boi na unha...

E juntava uma boa turma que gostava da fuzarca e todos à pé – acompanhados por meninos em gritaria (eu inclusive) – faziam a corrida do touro desde a fazenda até Matadouro, passando pelas ruas da cidade, numa correria engraçada e que não deixava de meter medo aos que temiam o boi. Era diversão pura.

Não tinha a riqueza nem o risco da Corrida de Touros de Pamplona, mas acredito que a alegria dos que participavam não era inferior aos que desfrutavam da festa espanhola. Eu senti isto...

Até o ano de 1959, a corrida de touro, o churrasco e a festa de São João aconteceram com muita alegria na casa de Jove da Marinete em Simão Dias.

Em abril de 1960, ele sofreu um mal súbito e faleceu no dia 22 daquele mesmo mês, uma sexta-feira. Deixou saudade e, hoje,  revive na lembrança dos conterrâneos que brincaram na festa de São João em sua casa e participaram da corrida de touro por ele patrocinada. 

Jove da Marinete é uma referência quando se fala de pessoa popular em nossa terra.

A alegria dele era contagiante. Vale lembrá-lo.

Aracaju, 19/08/2018.
Beto Déda

3 comentários:

  1. Boas lembranças de uma infância cheia de riquezas!!!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Você está certa. Foi uma infância e juventude de muitas brincadeiras, alegrias e o que não faltava era criatividade. Compartilhar essas lembranças me deixam muito feliz. Revivo os bons tempos. E o melhor: não me descuido dos momentos atuais. Buscando, é claro, momentos alegres...

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