terça-feira, 4 de dezembro de 2018


Lembranças do canavial  de  Johnny.

Contavam os antigos que a feira da cidade de Simão Dias era realizada na Rua do Comércio Velho, que antes era conhecida como “Rua de Baixo”, e atualmente é denominada Rua Cônego Andrade. Em 1847 a feira foi mudada para a Avenida Cel. Loiola e, muito tempo depois, ocorreu  nova mudança e a feira passou para o bairro Bonfim, onde acontece até os dias de hoje. 

Tenho boas lembranças da Rua Cônego Andrade. Quando eu era criança andava muito por aquela rua, de modo especial porque ali ficava a casa do sempre lembrado tio Sissi, que era irmão de minha saudosa mãe. Depois, já adulto, quando me casei, passei a morar naquele local, em casa que ficava próxima das residências de meu tio e de Barbosa/Anita Guimarães, pais do grande amigo Clínio, “o apreciador da boa cerveja”.

Estas lembranças foram proporcionadas pela conversa que tive recentemente com meu querido primo Zé Carvalho, filho de tio Sissi, que me honrou com uma visita no Sítio Lago Dourado.

Conversei durante todo o dia com o primo Zé e, como sempre, lembramo-nos de grandes façanhas dos bons tempos de nossa terra. Entre outras coisas recordamos do convite de um amigo para visitamos o canavial e saborearmos a boa cana-de-açúcar da fazenda de sua família. Repasso o fato para quem gosta de ouvir minhas malucas e reais aventuras. 


Rua Cônego Andrade - largo onde era armado o carrossel de Seu Messias.
Lá pelo idos dos anos 50, o Sr. Messias Cassimiro - que morava na Rua do Sobrado -  armava o carrossel (conhecidos como “cavalinhos”) na Rua Cônego Andrade, no largo entre a Padaria de Seu Joãozinho, o sobrado de Seu Janjão  e a Casa de Seu Antônio da Jaqueira. O carrossel – movido aos empurrões – era uma festa para todos nós. 

Lembro-me bem de certa noite que estávamos juntos em frente aos “cavalinhos de Seu Messias”: eu, meu irmão Carlos e os primos Zé, Edson e Valter. Chupávamos roletes de cana-de-açúcar, comprados por tio Sissi.  Então se aproximou um amigo nosso, apelidado de grande Johnny, que participava de nossas brincadeiras e conversas.

Notando que gostávamos de roletes de cana, o Johnny nos convidou para ir ao canavial de seus familiares, lá pelas bandas do povoado Saco Grande.

Convite aceito, partimos no dia seguinte em direção ao canavial do Johnny. Seguimos pela Rua das Louceiras, passando pela casa de Zezé do Vapor, seguindo até a fazenda. Lá, abrimos a porteira e seguimos a estrada que levava à casa sede. Quando estávamos próximos da casa, avistamos o Johnny no canavial, que nos acenava, chamando-nos.

Atendendo ao chamamento, nos desviamos da estrada que levava à casa sede e cortamos caminho em direção ao canavial. Súbito, ouvimos o rude bravejar de uma pessoa que estava no alpendre da casa grande, chamando-nos até lá. Atendemos meio desconfiados e, ao aproximarmos, dava para vislumbrar um senhor que nos parecia alto, com grandes botas, roupa cáqui (marrom amarelada), chapéu baeta, uma taca na mão esquerda, batendo compassadamente na bota.

Então aquele senhor com o timbre de voz pronunciado entre os dentes, falou e nos deixou trêmulos:
- Como é que vocês penetram na propriedade alheia, sem convite, e se desviam da casa sede, em busca do canavial? Que ousadia é esta?

Não lembro se foi Edson ou Valter que explicou que tínhamos sido convidados pelo grande Johnny. 

O certo é que o argumento não foi aceito. O homem de roupa cáqui bateu forte com a taca na própria bota e determinou que cobríssemos o nossos rastros. Exclamou com rispidez:
- Puxem por ali!  FORA!  

Na verdade, soubemos depois, o homem não gostava só de roupa cáqui; também tinha uma predileção pela límpida e destilada “água” de suas canas. Mas não sabia aproveitar um bom gole e se alegrar com os  momentos da vida. Em sentido contrário, ao saborear a destilada, parece que o mal despertava em seu íntimo e ele cerrava os dentes e esbravejava, perdendo a alegria e a cordialidade.

Foi uma meia volta e volver apressado. Saímos rápido, lamentando por não podermos saborear os doces roletes da boa cana caiana. Mas a volta foi divertida, descobrindo alegria em cada ponto da estrada. Bisbilhotamos cada Santa Cruz e admiramos os passarinhos e o revoar de cada perdiz ou nambu. O passeio não foi perdido...

Naquela mesma noite nos encontramos com o grande Johnny que se desculpou e nos assegurou que teria dito ao senhor de roupa cáqui que éramos pessoas conhecidas e confirmara que tinha nos convidado. Para nos consolar, tentando contornar o mal entendido, disse que o senhor prometera que iria conversar com papai e com o tio Sissi para se desculpar pelo acontecido. 

Até hoje não sei se aconteceu a conversa prometida. Acredito que não. Para nós foi melhor não ter acontecido. 

O importante mesmo foi a justificativa do grande Johnny. Valeu mais que qualquer conversa de adulto e ele continuou sendo nosso amigo. Longe do canavial, é claro!

Aracaju, 04/12/2018.


Beto Déda

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