segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019




Breve histórico do jornal "A SEMANA”

Por Beto Déda
                                                   
       
        O sonho de meu pai, jornalista José de Carvalho Déda, era editar seu próprio jornal em Simão Dias. Sua pretensão foi concretizada em 1946, quando firmou contrato com uma tipografia existente na cidade para impressão de um periódico, que denominou “A Semana”.          

O primeiro número do semanário circulou em um domingo, dia 08 de setembro de 1946, sob a direção dele e de seu irmão Francino Silveira Déda. 

Em seu primeiro editorial, meu pai expressou a linha a ser seguida pelo novo jornal:


1ª pagina da edição de 08.09.1946
“Conhecemos o caminho a percorrer, como sabemos as dificuldades e dissabores que nos esperam nas encruzilhadas... Seguiremos, a despeito de tudo quanto vier antepor-se ao nosso caminho, sem desprezarmos jamais a nossa linha de conduta honrada, a nossa coragem cívica e sobretudo a nossa honestidade, único cabedal que herdamos dos nossos honrados ascendentes e queremos conservar intacto para partilharmos com os nossos descendentes. ‘A Semana’, esta folha que agora entregamos ao público de nossa terra, é e será, deste modo, um fruto da nossa honestidade, da nossa moderação e uma afirmação de que somos capazes de assumir a defesa dos interesses desta hospitaleira terra de S. Ana”. 



Nesta primeira fase, “A Semana” circulou aos domingos, até 29 de junho de 1947, quando sua edição foi interrompida por força do encerramento do contrato de impressão, devido a alienação e transferência da tipografia para outra cidade.  

Sem condições financeiras para adquirir uma gráfica, seus diretores tiveram que suportar a interrupção do jornal. Entretanto, Carvalho Déda não deixou de escrever em outros periódicos e de cultivar o sonho de dar continuidade ao seu jornal. Já no início dos anos cinqüenta, andou em busca de alguma tipografia usada, anunciando esse seu interesse entre amigos. Em carta de 05.11.1951, seu amigo Dr. Carvalho Neto respondia do Rio de Janeiro seu pedido de informação:

“Tenho procurado muito uma tipografia. Preços inacessíveis. Mesmo maquinaria velha está custando preço exorbitante. O Orlando Dantas comprou uma máquina velha – só a máquina – por cinqüenta mil cruzeiros. Não deixo, porém, de procurar”.  

A oportunidade surgiu em 27.02.1953, quando adquiriu o maquinário em Leilão Público na cidade de Propriá, mediante Carta de Arrematação assinada por Dr. João Fernandes de Britto.

Dispondo de oficinas próprias na Rua Dr. Joviniano de Carvalho, nº 37, em Simão Dias, Carvalho Déda, conhecido na cidade como seu Zeca Déda, voltou a editar “A Semana” sob sua direção e gerência, em 18 de julho de 1953, ocasião em que reafirmou a orientação doutrinária:


1ª página da edição de 18/07/1953 
“Houve um hiato que não desejamos, porque queremos vida longa. Nunca, porém, apagou-se no nosso espírito a vontade de prosseguirmos... Volta ‘A Semana’ a circular com roupagem nova, isto é, tamanho maior, maior tiragem, mais completa materialmente... A orientação doutrinária é a mesma. A nossa pena estará sempre a serviço do povo simãodiense... No que diz respeito à política, podemos assegurar que jamais nos afastaremos da verdadeira ética."

O jornal seguiu em frente, publicado sempre aos sábados, com o feitio literário, noticioso e combativo. Como jornalista versátil, escrevendo sobre variados temas, Carvalho Déda usava vários pseudônimos para evitar a repetição de seu nome em uma mesma edição. Assinava Leonardo de Vinci, na seção “Retratos Femininos”; Carlos Eugênio, na “Seara Sergipana”; Marco Aurélio em reportagens; Pakéso, em artigos políticos; João Sem Terra, na “Coluna dos Lavradores”; Lynce, nos “Aspectos da Cidade”; Cazuza e Caduda em alguns artigos.  Nunca assinou ou usou pseudônimo em suas xilogravuras nem na coluna “Política em Pequenas Doses que escreveu, ininterruptamente, até a véspera de sua morte.

 

Para ilustrar o jornal, a partir de 1959, passou a fazer xilogravuras com perfis de personalidades da época. Fez mais de quatrocentas charges que satirizavam fatos de repercussão local, estadual e municipal em uma seção sob o título “A Piada da Semana”. Poucos dias antes de falecer, resolveu assinar o pseudônimo Zélis em duas xilogravuras, publicadas na edição nº 811, de 21.08.68. 

Um companheiro inseparável foi o seu irmão, jornalista Francino Silveira Déda (Tio Sininho), que escrevia, ininterruptamente, uma crônica semanal sobre assuntos variados. Junto com meu pai, participei de toda a história d'A Semana, trabalhando como jornaleiro, tipógrafo, repórter, articulista e diretor. Também colaboraram com artigos: Antônio Conde Dias, Clarita Santana, Max Neto, Artur Oscar de Oliveira Deda, W. F. Santos, Renato Nunes, João Lima Filho, José Osvaldo Machado e Silva, Edson Caetano, Edson Carvalho Oliveira, Luiz Santa Bárbara, Antonio Ferreira Filho, Cláudio Dinart Déda Chagas e José Aloísio Freire. Àquela época, muitos jovens simãodienses prestaram colaboração ao jornal como aprendiz, sob a orientação dos tipógrafos Silvio, Valter Carvalho Oliveira e Luiz Santa Barbara; lembro-me de todos: Luiz Carlos Santos (que se tornou tipógrafo profissional), Raul Vieira, Cláudio Déda, Osmar Barreto, Manoel de Dona Tude, Daniel Guimarães, José Américo Rodrigues e José Oliveira Santos (Zé de João Baia).

 “A Semana” circulou, sem interrupção, até meados de 1967, quando, por motivo de saúde, papai teve que interromper sua circulação. Deixou sob minha responsabilidade todo maquinário. Passei a utilizar a tipografia na realização de serviços de impressão sob encomenda: notas fiscais (conhecidas como “Seu talão vale um milhão”), bilhetes de rifas, panfletos, santinhos, rótulos de vinagre e de vinho etc.

 Dois meses após a interrupção, sem disfarçar a tristeza pela falta do jornal, papai começou a me convencer da necessidade do retorno de “A Semana”, em nova fase, na qual ele seria o diretor responsável e eu assumiria a direção administrativa e financeira. E para ser convincente apresentava uma relação de pessoas (tendo à frente Dr. Salustino Neto) que o procuravam para pedir a volta do jornal. Olhando-me com firmeza dizia em tom que soava como uma ordem: – A Semana deve voltar!

Realizei uma pesquisa para quantificar e identificar os assinantes, patrocinadores e anunciantes interessados. O resultado foi incentivador. Realmente fiquei impressionado com o interesse e o estímulo da população para a volta do jornal.

Combinamos, então, em ampliar e melhorar a edição. Assim é que, em 16 de dezembro de 1967, reapareceu “A Semana” com nova roupagem, continuando, todavia, sem alterar sua ética e a cuidadosa orientação democrática, em defesa da cidade.  Jamais esquecerei a satisfação que meu pai demonstrou à tardinha daquela sexta-feira, dia 15.12.67, quando lhe apresentei o primeiro exemplar da nova fase do jornal. Ele folheou página por página e, revelando sua alegria, voltou-se para mim e disse com entusiasmo: – Continuamos editando o melhor jornal do interior de Sergipe!

Seguimos com as edições e no dia 01.09.1968, um domingo, ele deixou sobre a mesa de trabalho seu último editorial para A Semana, em que escrevera sobre "Reformas".  No dia seguinte, 02 de setembro de 1968, ele faleceu, contando com 69 anos de idade.

Naquela semana, amargurando a dor da imensa perda, preparei a edição especial do dia 07.09.68, em que A Semana noticiou e prestou uma homenagem ao pranteado fundador e diretor.
1ª página do jornal A Semana, edição de 07.09.1968

Sob minha direção, o jornal continuou circulando, inclusive mantive  – embora sem jeito – as seções “Política em Pequenas Doses” e “A Piada da Semana” que eram da lavra do meu pai. Mas a edição do jornal não durou muito. Minha atividade profissional, como funcionário do Banco do Nordeste, impediu-me de continuar dedicando-me à direção e edição do semanário. Assim é que, sem outra opção, com imensa tristeza tive que fechar “A Semana”. Seu último número foi editado em 25 de janeiro de 1969. Conservei a tipografia, por seis anos, na esperança de surgir alguém que se interessasse em continuar com o jornal. Dissipou-se a esperança em 1975, quando, por falta de alternativa, tive que me desfazer de todo o maquinário, em virtude de minha transferência para a cidade baiana de Jequié, onde fui chefiar o Setor de Crédito Rural da Agência do BNB naquela localidade.  

Na verdade, editamos um bom jornal e que foi referencial na imprensa sergipana. Veja o que escreveu Luiz Antônio Barreto:

A Semana é uma escola, no sentido de que ela ensina a fazer jornal e a tratar as páginas dos jornais com a dignidade da boa notícia, do comentário justo, da denúncia e da cobrança necessários e acima das questões locais. Mais que isto, A Semana tem arte em suas páginas, seja pelas charges, caricaturas, ou seja, pelas ilustrações que fizeram de Carvalho Déda um artista, que aliou no batente do jornal muitas qualidades requeridas pelo jornalismo. (BARRETO, Luiz Antônio. Carvalho Déda no batente do jornal. In www.infornet.com.br, 05.12.2008).

 Vivi intensamente, desde os 12 anos de idade, a vida desse jornal. Em 1953, assim que a tipografia foi instalada, levado por meu pai, passei a frequentar as oficinas e a redação de “A Semana”. Fui aprendiz, tipógrafo, entregador dos exemplares nas casas dos assinantes, vendedor, cobrador, articulista, repórter, gerente e, por fim, diretor. É verdade que se tratava de um pequeno jornal de interior, em que tudo era feito artesanalmente, com muito esforço, dedicação e amor. Para mim, entretanto, foi e sempre será o maior e melhor jornal do mundo.  Foi naquela redação/oficina – ouvindo o ruído da impressora rotativa manual e sentindo o cheiro da tinta fresca de impressão, que tive um convívio inesquecível de rico aprendizado com meu saudoso pai.

Agora, passados tantos anos, revivo com saudade aqueles bons tempos e fico muito feliz com toda essa lembrança...

Carlos Alberto de Oliveira Déda (Beto Déda)

                 PS - Estas informações fazem parte da edição digitalizada de todos os                                  exemplares do jornal "A Semana", de 1946 a 1969,  dispostos em                                   quatro DVDs,  disponibilizados em bibliotecas de Sergipe. 

 





















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