segunda-feira, 22 de abril de 2019


O VERÃO, AS TROVOADAS E AS LEMBRANÇAS DA BOA TERRA...

                Como o amigo de tio Paulo se meteu em uma saia justa...


Trovoadas e ventos fortes aconteceram recentemente em nosso Sergipe. Por intermédio da amiga Prof.ª Amanda Santos e de meu querido sobrinho César tomei conhecimento que choveu a cântaros em Simão Dias e que algumas ruas foram alagadas.

As chuvas de verão me trazem recordações dos meus tempos de criança e das brincadeiras com a meninada da Praça de São João. 

A revoada das tanajuras era motivo de encanto da gurizada. Caçávamos e selecionávamos as grandes formigas em latinhas de sardinha, cantando uma modinha muito apropriada, com o seguinte estribilho:

Cai, cai tanajura, na panela de gordura...”

Aproveitávamos tudo para reforçar a diversão. As pequenas correntezas d’água eram interrompidas com bolos de lama, formando diminutas represas, onde impulsionávamos mini-balsas formadas com gravetos de tamarindeiros e folhas de eucalipto.  A terra úmida pela chuva era fértil em iscas para pescar; e fazíamos a colheita cavando os locais em que surgia um montinho de terra preta e molhada, onde as minhocas procuravam suspiro (dizíamos que era o local que as minhocas cagavam). 

Desfrutávamos os frescos pingos de chuva correndo nas sarjetas e espanando água nos colegas.

E quando penso na correnteza d’água nas sarjetas, vem logo em minha mente a figura de Tabaquinha, uma conhecida e pobre louca da cidade, que aproveitava a fartura de água corrente e, ali mesmo, no meio da rua, sob os apupos da garotada, levantava o encardido vestido e lavava as partes fracas...

As trovoadas em minha terra sempre significaram o aproveitamento da água da chuva dos telhados, que era guiada por bicas para grandes vasos de barro, chamados de porrões. Nos dias de trovoadas, com a abundância d’água, também era costume encher as caixas dos banheiros.

E assim, no campo fértil das recordações das trovoadas, minha mente é despertada por um causo que me foi contado por meu talentoso tio Paulo. É mais uma das centenas histórias “penosas” do meu inesquecível tio.
Foto de uma das minhas entrevistas com tio Paulo(1989).

Dizia ele que tinha um amigo e colega conhecido como Madeirinha, que era comerciante em nossa terra e reconhecido por seu excelente humor. Em um dia de trovoada, ele resolvera aproveitar as águas da chuva e encher a caixa do banheiro de sua casa.

Ele estava na loja com sua esposa e, notando o início da chuva, anunciou que iria até sua residência para encher os porrões e a caixa do banheiro. Concordando com a ideia, a gentil senhora sugeriu que a mocinha, sua secretária, o acompanhasse para ajudá-lo na tarefa.

A mocinha, conhecida na intimidade como Sayaiá, tinha cabelos curtos e meio aloirados; baixinha e recheada, com coxas aprumadas e pernas curtas; seus olhos eram verdes e bonitos, ligeiramente estrábicos (detalhe que na mocidade é um charme). Não era uma encantadora miss, mas  também não era de se deixar de ver e admirar... 

Pois bem. Os dois foram aproveitar a grandeza da chuva.

O comerciante passava o balde com água para Sayaiá que, em cima da escada, enchia a caixa do banheiro.

Depois de alguns baldes, o vestido da garota ficou encharcado, colando ao corpo, emoldurando o busto, mostrando os graciosos e pontudos seios e o encanto das coxas roliças e alvas.

O homem, embaixo da escada, admirava o espetáculo, mordendo os beiços.

Após encher a caixa, o Madeirinha não se conteve e sugeriu com a voz meio anasalada que necessitavam tomar um banho. Ele e ela. Os dois juntos.

Então, com um sorriso malandro e insinuante foi direto ao ponto:

- Eu ajudando você, como fizemos ao encher a caixa. Mas no nosso banho não vacilarei em lhe esfregar... Suas costas e coisa e tal...

A moça não deu ouvidos e desconversou:

- Eu? Quero o quê... Nem vem com essa! Cruz credo!

Receoso, o Madeirinha se recompôs e a moça saiu.

À noite, na hora do jantar, a mulher do comerciante tomou conhecimento do sucesso no trabalho de aproveitar as águas e sugeriu que Sayaiá tomasse banho.

 A inocente baixinha respondeu:

- Vou não...Hoje de tarde seu Madeirinha ficou tão contente com minha ajuda e até  me chamou pra tomar banho como ele, para inaugurar o novo chuveiro. Não concordei e disse que a inauguração era reserva especial da senhora. Fiz bem, né?

A respeitável senhora passou aquele olhar severo e reparador para o marido.

O fogoso comerciante, com um sorriso maroto, tentou disfarçar a saia justa dizendo, antes de sair de fininho da sala:

- Realmente eu sugeri que ela tomasse banho, porque ela parece que é portuguesa: não gosta disso...

E meu tio encerrava a história penosa, exclamando:

- Madeirinha era peia! – e ria muito, ajeitando os óculos no rosto redondo e fechando os olhos como a se lembrar de tudo.
...

Quando me lembro deste causo, na qualidade de fã de carteirinha do meu saudoso tio, eu também não deixo de proclamar:

-Tio Paulo era o tal!

Aracaju, 20 de abril de 2019.
Beto Déda

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