domingo, 27 de dezembro de 2020

 

Nadando no poço do Caiçá, em:

“um passado diverso e melhor”.

 

 

O livro “O queijo e os vermes” é um best-seller, no qual o historiador Carlo Ginzburg narra a perseguição sofrida por um moleiro italiano, conhecido como Menocchio, por causa de sua incomum cosmogonia, em processo movido pela Inquisição no século XVI. Ginzburg se aprofunda no estudo do processo, descobre e faz comparações das leituras e interpretações do perseguido moleiro, de modo a entender melhor o que se pensava naquela época, ou seja, o alcance histórico que aquele acontecimento descortinava.


Estive relendo o citado livro e, mais uma vez, deparei-me com uma interessante afirmação do citado historiador ao comentar as ideias do Menocchio, que contestava a Igreja rica e corrupta do seu tempo com a Igreja primitiva que, na visão dele, era pobre e pura. Afirma Ginzburg:


“Apenas nos períodos de aguda transformação social emerge a imagem, em geral mítica, de um passado diverso e melhor – um modelo de perfeição, diante do qual o presente aparece como declínio e degeneração”.


Pois bem. Nesta época em que vivemos dias de isolamento, diante dos efeitos de uma mortal pandemia, só nos descortina, inexoravelmente, um horizonte nebuloso, conforme previsão de respeitáveis médicos. E esta situação se agrava para os idosos – particularmente para mim,diante dos benditos quase oitenta anos alcançados – de modo que me contento com o encanto da visão que tenho do passado, em consonância com o que diz o historiador italiano.


Isto naturalmente acontece quando volto meus pensamentos ao tempo de criança, na primeira metade dos anos 50, vivendo nos arredores da Rua dos Ribeiros, em Simão Dias, em que aproveitava, com vigor, cada momento de encanto que a vida nos oferecia.


E repasso, aqui, as lembranças que tive nesta manhã ensolarada, aqui no Lago Dourado.


Recordo que nas manhãs quentes dos domingos sempre aconteciam as peladas na Praça de São João, usando como bola uma bexiga de boi inflada. Depois do jogo, íamos nos refrescar no poço do riacho Caiçá, perto do Matadouro, em uma baixada em frente ao sítio de seu Manoel do Curral.  A correnteza era límpida, transparente, dando a falsa ideia de que o poço era raso; fato que surpreendia os novatos que não sabiam nadar e eram socorridos pela meninada já escolada.




Ao me lembrar do banho no Caiçá, dispara em minha memória outra lembrança. Naquele tempo, o comum para as crianças era o uso de calças curtas, com suspensórios. A única calça comprida que eu tinha era a da farda do Grupo Escolar Fausto Cardoso. E era um pouco puída no fundilho, gasta de tanto descer deslizando no corrimão cimentado da escada do Grupo. 



Eu ansiava por usar calças compridas e algumas vezes, furtivamente, usava a calça da farda mesmo sem ir à escola. Um dia, depois da brincadeira de bola de gude, fui com a turma nadar. Depois do banho no refrescante poço, quando fui vestir a calça  foi que percebi que tinham dado nós nas pernas da farda e a umedeceram com água do Caicá, ou seja, aplicaram a famosa jabá, como era conhecida entre os nadadores daquela época. O pior é que tive que usar os dentes para desatar o nó de cada perna da calça. Enquanto desatava, babava e espumava de raiva, a molecada gritava ao longe:

“Então, Beto, a jabá tá doce ou salgada?”

Arre égua! Era salgada e tinha o ranço da água salobra do Caiçá!

Naquele dia fiquei fulo da vida, mas logo depois passamos a rir do acontecido e fomos comprar mangas no sítio do seu Manoel do Curral. Ele era um senhor sisudo, não tinha tempo para prosa com a meninada e nos causava certo receio: o pomar dele era intocável! Em outros sítios, cajus e mangas não eram comprados. Passávamos pelo meio do meio do arame farpado das cercas e pegávamos os frutos.  Em troca, as camisas eram marcadas com o rasgo provocado pelas farpas do arame. E os rasgos tinham a forma de um “L”, que a garotada interpretava como uma marca feita pela caipora, para sinalizar os meninos que se apropriavam de frutas de sítios que não lhes pertenciam.


Estas lembranças não têm preço... Não importa que me chamem de saudosista inveterado. E daí? Nesta época de infortúnios – de todos os tipos – temos que nos isolar. E o refrigério é reviver o passado, lembrando quando desfrutávamos uma infância e juventude com muita energia, força e felicidade.


É isso...  E a vida continua!


Aracaju, 27/12/2020

BETO DÉDA


sábado, 12 de dezembro de 2020

 

Os novos historiadores de Simão Dias.

 


Amanda e Vanessa
Nesta semana, ao reler o livro “O Queijo e os Vermes” do escritor italiano Carlo Ginzburg, conhecido como o pai da micro história, lembrei-me das jovens e queridas professoras Amanda Santos e Vanessa Nascimento. Elas estiveram me visitando há cerca de um ano para colherem informações sobre acontecimentos de nossa região. Depois de conhecerem um pouco dos meus implacáveis arquivos, passaram a observar os livros que tenho no escritório. Foi então que se detiveram na estante que guardo livros de autores estrangeiros. Recordo-me de suas feições alegres quando identificaram os que faziam parte de suas leituras no curso de Mestrado na Universidade Federal de Sergipe: dentro outros, os de Carlo Ginzburg e de Michel Foucault.


Fiquei feliz em notar que jovens de minha terra estão estudando, lendo e analisando acontecimentos históricos. E melhor ainda, fazem isto com cuidado, perscrutando fatos e registros que embasem seus estudos e trabalhos acadêmicos.


Louvo aqui essa juventude e de modo especial àqueles que nos honraram com suas visitas e da boa conversa que tivemos sobre fatos passados que aconteceram em Simão Dias e em Paripiranga. Em outras oportunidades, além de Amanda e Vanessa, também estiveram nos visitando as dedicadas historiadoras: Rose Oliveira, Vânia Souza, Ana Maria Ferreira Oliveira, Verônica Andrade, Edjan Alencar, Franciele Alves, Adilma Silva e a querida sobrinha e jornalista Yasmin Barreto Déda Chagas.  De igual forma tive a honra de receber o Prof. Jorge Bastos, que em breve estará lançando um livro sobre a História de Simão Dias.

E ao me lembrar dessa inteligente turma, com imensa alegria tomei conhecimento que minha querida e jovem amiga, Professora Amanda Santos, depois de concluir o curso de Mestrado na Universidade Federal de Sergipe, já foi classificada para cursar o Doutorado na Universidade Federal da Bahia. Não foi surpresa. Ela é uma guerreira e estudiosa nota 10 que, com inteligência, usa como arma os livros e a dedicação ao estudo de História. Amanda não descansa e, sempre ativa, participa, via internet, de conclaves em diversas Universidades brasileiras, apresentando trabalhos que evidenciam fatos históricos de nossa terra.


A nova  doutoranda Amanda Santos

Um abraço para os novos historiadores de Simão Dias e, de modo especial, à querida Amanda Santos.


Aracaju, 12/12/2020

Beto Déda

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

DATAS  INESQUECÍVEIS

 

No início deste mês de dezembro reverenciamos  dois queridos e saudosos familiares: José de Carvalho Déda e Marcelo Déda Chagas.


Na data de hoje, primeiro de dezembro, lembramos o dia do nascimento de José de Carvalho Déda – conhecido como Zeca Déda, meu pai e nosso grande mestre e orientador – que nasceu em 01/12/1898.

 

Amanhã, dois de dezembro, é dia de lembranças e orações pelo também querido Marcelo Déda, meu sobrinho, que há sete anos nos deixou.


Foram homens que se destacaram pelo caráter, dignidade e na luta em defesa da justiça e dos menos favorecidos.


Com saudades e sem esquecê-los, estamos orando por eles.


E lembrando os dois, repasso o que disse Marcelo sobre o avô em discurso de posse como Governador do Estado de Sergipe, em 1º de janeiro de 2007:


   “José de Carvalho Déda, Zeca Déda, autodidata, rábula, deputado estadual constituinte em quarenta e sete, deputado estadual por três mandatos, jornalista e folclorista. Era, no prosear roseano do grande mineiro, de uma raça de homens que o senhor não mais vê, mas eu vi ainda. Ele tinha conspeito, esse neologismo criado por Guimarães Rosa. Conspeito, consideração e peito, ele tinha um conspeito tão forte que perto dele até o doutor, o padre e o rico se compunham. Dele carrego o legado ou o carma da minha vocação política.

 

Amanhã será celebrada uma missa virtual em sufrágio aos sete anos da partida do querido Marcelo Déda deste para outro plano.


 Segue o Convite:

 



 


Aracaju, 01/12/2020

Beto Déda



quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A imensa saudade de “IOIÓ”

 

Na última quinta-feira de setembro, sentido imensa saudade, minhas lágrimas fluíram dos olhos, encharcando minha quase octogenária face. Naquele dia, partiu para o paraíso a minha bem-aventurada irmã Nancy, que carinhosamente chamávamos de Ioió.

Amenizei minha dor ao narrar para meus queridos sobrinhos momentos felizes que compartilhei com minha inesquecível irmã. A sua contagiante alegria, o otimismo e a bondade expressa em constante solidariedade que nos protegia sempre.  

Conservo em minha mente uma variedade de fatos marcantes que me encantam desde o tempo que eu era apenas um garotinho e ela já era minha protetora (a diferença de idade era de, aproximadamente, 12 anos). 

Lembro-me como se fosse hoje, o tempo que frequentei o curso infantil nas Escolas Reunidas Augusto Maynard, cujo prédio ficava na Rua Cônego Andrade, no trecho entre a padaria de Gumercindo e a casa do Senhor Nanô, pai de Betinho da Concord, quase em frente da casa que ela passou a residir, anos depois, quando se casou com Filadelfo.

Nancy era professora daquela escola e me protegia. Recordo-me de minha farda do curso infantil: camisa e calça curta de um tecido em xadrez com  listas vermelhas, seguras por suspensórios.  Qualquer perturbação que eu sentia, procurava arrimo em seus braços, exclamando em gritos estridentes: “Ioió! Ioió!”.

Naquele tempo, chamávamos Nancy de “Ioió”, que correspondia a uma corruptela do sobrenome Accioly. O nome de solteira dela era Nancy Accioly Déda. O Accioly vem de nossos ancestrais maternos que moravam no engenho Vazaringui, situado no município de Riachuelo. Nossa avó chamava-se Adele Accioly Oliveira e minha mãe era Maria Accioly de Oliveira, que repassou o sobrenome Accioly para nossa querida Nancy.

Benditas e sempre lembradas Accioly! Eu as homenageei, nomeando meus filhos Carla e Bruno e também minha neta Marina com o sobrenome Aciole (sem o “y” e o duplo “c”, igual ao que escrevi na minha primeira composição tipográfica – ver foto a seguir).

Minha primeira composição tipográfica no jornal A Semana, edição de 29.08.53 (Ao fazer a composição não localizei, nas caixas de letras de chumbo, o “Y” que deveria usar nas palavras Nancy e Accioly. E o revisor não viu).


Pois bem. Ouvíamos minha mãe chamar Nancy de Accioly e, pela lei do menor esforço, todos passamos a chamá-la de Ioió.

O interessante é que eu tinha um colega nas Escolas Reunidas, conhecido como João Bedefor, que fazia gozação de meus gritos chamando por minha irmã. Muito tempo depois, já rapazes, sempre que me encontrava, ele não perdia a oportunidade de perguntar sorrindo:

- “Já pediu, hoje, a ajuda da Profª. Ioió?”...

Então, fazendo de conta que a pergunta do colega e amigo João fosse feita agora, responderia:

 - “Pedi ajuda, sim!”.

E, como se conversasse presentemente, peço a minha saudosa Ioió que nos ajude – a mim e aos meus queridos sobrinhos – a suportar a dor de sua ausência física.

O certo é que amenizei minha saudade, cantando baixinho e comovido –  quase em murmúrio – os versos da canção Nancy”, de Bruno Arelli e Luiz Lacerda, muito em voga nos velhos tempos, interpretada por Carlos Galhardo:                

 “Somente poderia

A musa traduzir

 O nome que é poesia, Nancy”

 

Aracaju, 30 de setembro de 2020.

BETO DÉDA 

 



quarta-feira, 2 de setembro de 2020

 

RECORDAÇÕES DE MEU SAUDOSO PAI.

 

Nas primeiras horas da madrugada desta quarta-feira, dia 02 de setembro, surgiram lembranças de um dia inesquecível em minha vida. Não gosto de lembranças tristes, mas não posso esquecer os últimos dias de vida do meu saudoso pai, José de Carvalho Déda. Foi justamente há 52 anos, no alvorecer do dia 02 de setembro de 1968, que ele foi vítima de um enfarte fulminante e passou desta para outras paragens.

 

Lembro-me a amargura que me causou aquele desenlace. Eu tinha um convívio muito apegado ao meu pai. Desde garoto, com 12 anos de idade, com ele trabalhei no jornal “A Semana”.  Ele foi meu grande mestre e herói, orientando-me com exemplos formidáveis de sua vida de lutas.

 

Naquela triste semana, com o coração em prantos, cuidei da edição do jornal, com ampla reportagem sobre seu súbito falecimento. Não esqueço que, ao entrar na sala de redação, lá encontrei sobre sua mesa de trabalho o editorial e a xilogravura que ele preparara no domingo pela manhã, e que publiquei na edição que noticiou sua inesperada morte.

 

Passados tantos anos daqueles momentos tristes, continuo a lembrar e sonhar sempre  com ele, que continua vivo em minhas lembranças. É o meu herói imortal.

 

Recentemente, no final do mês de agosto, lembrei-me dele ao assistir na Televisão uma reportagem sobre Hiroshima, cidade japonesa que foi arrasada em 1945 por uma bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.

 

A lembrança me ocorreu porque meu pai escreveu, em 1956, um artigo sobre aquele impiedoso bombardeio, com o título “Promessa de Caboclo”, publicado no jornal “Correio de Aracaju”, em 30/05/1956.

 

Para os que gostam de uma boa leitura, reproduzo abaixo aquele artigo, no qual meu pai descreve o problema da bomba atômica, comenta, com ironia, a artimanha dos americanos ao se aproveitarem do minério brasileiro e, a propósito, narra de modo chistoso uma historieta de nosso folclore. Vale a pena ler:

 

“A PROMESSA DO CABOCLO

 Escrito por CARVALHO DÉDA, em 30/05/1956

Há cerca de onze anos, numa manhã formosa de céu límpido, três aviões americanos sobrevoavam à grande altura, a cidade japonesa de Hiroshima.

Coisa trivial naqueles tempos de guerra. Aos olhos dos habitantes da cidade sobrevoada, parecia que aquela pequena esquadrilha realizava apenas um voo de reconhecimento. Mas não foi assim. Em dado momento, um estrondo infernal abalou toda a região, e um clarão intenso, ofuscante, trágico e diabólico iluminou a cidade de ponta a ponta. E num abrir e fechar de olhos Hiroshima ficou reduzida a uma cidade arrasada em cujo solo 250 mil corpos humanos jaziam completamente carbonizados.

O mundo tremeu apavorado. Naquela hora tremenda a era atômica atingia sua plenitude.

Não havia ainda se sumido o último eco da terrível explosão e as cúpulas das nações já se empenhavam no descobrimento do segredo atômico. Souberam que a "peste" era fabricada com monazita e sais de tório. Quem possuía um pouquinho daqueles fabulosos metais atômicos, tomava suas imediatas cautelas, guardando-as à sete chaves. Somente o Brasil, displicente, ingênuo e folgazão, continuava dormindo a sono solto e de pés espalhados nas coloridas praias de Guarapari, em cima das imensas reservas de matéria atômica!

Aquelas areias coloridas serviam para enfeitar as nossas praias e, quando muito para a fabricação dos incandescentes véus das petromax e para fazer pedras de isqueiro. Os americanos quiseram comprar nossas areias. Matutamos: — Pra quê?!... E chegamos a uma conclusão ingênua: — Bons sujeitos, estes americanos! Não tendo mais que fazer com tanto dinheiro, querem nos proteger comprando simples areias!   Pois, areia neles!...

Sucede que os bons sujeitos quiseram negócio seguro, e exigiram o preto no branco. — Seguro morreu de velho.

Firmou-se o acordo e o Brasil passou a vender suas reservas de monazita a preço de dez reis de mel coado. Mas eram favas contadas e o Brasil continuava sendo o país da fartura...

Tudo corria bem, até que um dia alguém botou a boca no mundo. Aquele acordo não podia prevalecer por mais tempo. O cumprimento da promessa de venda importava na saída, para começo de conversa, de 24 toneladas de monazita, quase de mão beijada! Matéria prima para a fabricação de bombas atômicas. 24 mil toneladas! E a bomba de Hiroshima pesava apenas 230 gramas!

E foi um bê-rê-rê dos diabos. Porcos na roça do Governo. Abriram-se os debates no Congresso e na imprensa. De um lado os que não se conformavam com o cumprimento da promessa. Ora bolas! Promessa só de Cristo!...

De outro lado os que se batem pelo cumprimento da palavra empenhada. — O boi pela ponta e o homem pela palavra... Promessa é dívida!...

E chegamos diante de um dilema: não pagar a promessa e fazer a palavra do Brasil desacreditada como palavra do cigano, ou mantê-la a todo custo, doa a quem doer.

 

xxx

 

Aí estão duas histórias. A triste, da Hiroshima arrasada com 250 gramas de droga, e a velha história do brasileiro que só fecha a porta depois de roubado. Mas, como história puxa história e conversa puxa conversa, vou contar uma historieta do nosso folclore:

Conta-se que um caboclo, precisando de chuva para o seu roçado, fez uma promessa ao santo da sua devoção. Daria ao santo o preço da venda da sua vaca de leite, se chovesse no seu roçado. Feita a promessa com todos os efes e erres da fé nordestina, a chuva caiu mesmo no roçado.

Agora, o que preocupava o caboclo era o pagamento da pesada promessa. Fora realmente insensato, prometendo tanto. Sua vaca, vendida pelo barato da época, valia 500 mil reis! Mas, promessa é dívida...

O caboclo matutou, coçou a barbicha, cuspia entre os dentes, pigarreou e resolveu pagar a promessa. Anunciou a venda da vaca. Espalhou aos quatro ventos que venderia a vaca pelo preço irrisório de 2 mil reis. Mas havia uma condição: quem comprasse a vaca era obrigado a comprar também um galo velho. Vaca e galo. E tabelou os preços: vaca, 2 mil réis, o galo 500 mil réis...

Como o exagerado preço do galo ficou equilibrado pelo baixo preço da vaca, a venda se realizou sem dificuldades, em conjunto, vaca e galo ao mesmo comprador.

Embolsado do preço da venda em conjunto, o caboclo correu aos pés do santo e depositou os 2 mil réis da vaca no mealheiro sagrado. Estava paga a promessa sem maiores sacrifícios para o caboclo. O santo resignou-se, por isso que, segundo a tradição popular, continuou chovendo na roça do esperto caboclo.

Não vai nesta historieta nenhuma insinuação velhaca ou capciosa, mas entendo que, se entregassem o rumoroso caso da dívida a um caboclo do sertão sergipano, ele resolveria a questão, condicionando a venda do tório à dos abacaxis que possuímos. Quem comprasse o nosso tório seria obrigado a comprar os abacaxis; abacaxis de todo o gênero. O tório ao preço de vaca, mas os abacaxis ao preço de galo.

Façam isto e deixem o resto por conta do caboclo.

 (Correio de Aracaju – nº 5.049 – 30-05-1956)

 

 Aracaju, 02/09/2020

BETO DÉDA

Fac-símile do artigo no jornal "Correio de Aracaju",de 30.05.1956 :



 


domingo, 30 de agosto de 2020

 

Humor  nos jornais e nas redes sociais.

 

Nesta semana andei relendo antigos jornais de minha terra. No jornal “A IDEIA”, que era editado em 1883, se tem notícia que em Simão Dias, naquele ano, já existia um ativo teatro. Soube disso ao ler a seção humorística, publicada na edição nº 6, de 06.05.1883, daquele jornal. Repasso aquela notícia para os que gostam de história e de humor:

“ Certo roceiro, sem conhecer dos costumes da cidade, teve que assistir a representação de certo drama.

Em um dos intervalos sai e procura uma das esquinas do teatro e ali se põe a mijar. Um cambista então se lhe aproxima e com um bilhete na mão oferece-lhe uma cadeira. Mas ele não vendo a cadeira de que lhe falavam, responde desconfiado:

- Senhor, obrigado, eu mijo de pé mesmo, é mais bom.”.



Naquele ano o teatro funcionava em uma casa na Rua do Comércio Velho, hoje conhecida como Rua Cônego Andrade. 

Nas minhas pesquisas sobre os jornais simãodienses, notei que em quase todos eles havia uma seção humorística. Quando não tinha uma parte específica para anedotas, o humor era bem utilizado em algumas notícias do cotidiano da cidade. No jornal “A Semana”, por exemplo, o humor esteve sempre em suas páginas, quer através de uma seção de anedotas ou nas xilogravuras de Carvalho Déda, na seção “Piada da Semana”.

Atualmente, muitas notícias políticas, divulgadas pelos jornais, alimentam os humoristas e também se transformam em um elenco formidável de piadas nas redes sociais.

Recentemente, a notícia de que o Presidente, ao visitar Aracaju, colocou um anão nos braços, pensando se tratar de uma criança, foi motivo de um montão de piadas por este país afora.

Este fato me fez lembrar o humor do meu querido primo Zé, que era mestre em contar piadas de um imaginário estudante chamado Joãozinho, personagem pitoresco que gostava de linguagem chula. Há muito tempo meu primo me contou uma piada que repasso para os amigos.

O Joãozinho estava em sala de aula e a professora fazia perguntas aos alunos, usando como mote as letras do alfabeto. Sabendo que Joãozinho era escandaloso, reservou para ele uma letra que dificultasse o uso de palavra de sentido obsceno. Então fez a seguinte pergunta:

- Joãozinho diga uma palavra começada com a letra “A”.

O desbocado Joãozinho pensou, pensou. Demorou um pouco. Sentiu dificuldade em encontrar, em seu vasto vocabulário chulo, uma palavra iniciada com a letra “A”. Mas não perdeu a oportunidade. Então,  decidiu inovar e responder com uma explicação safada:

- Professora: já sei!  A palavra é ANÃO, mas com uma p... deste tamanho. E abria os braços para mostrar a potência do anão.

Se esta piada fosse contada hoje, certamente meu primo comentaria:

- Como diria o moleque Joãozinho, esse negócio de pôr anão nos braços não é uma boa...

 Aracaju, 30/08/2020

BETO DÉDA


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

A RUA DOS RIBEIROS EM SIMÃO DIAS

Na semana passada, o colega Paulo Afonso, que reside em Fortaleza, ao ler o meu último texto sobre as lembranças de artesãos simãodienses, enviou mensagem dizendo que os personagens ali mencionados eram quase idênticos aos que atuaram em sua terra natal, SOUSA-PB. Acrescentou, ainda, que gostou de saber que havia em Simão Dias uma Rua dos Ribeiros e, em tom de brincadeira, indagou: “Quem sabe se essa família homenageada não tinha raízes em meu torrão natal?”.

A mensagem do meu amigo foi o sinal para rever meus implacáveis arquivos, para procurar alguma informação sobre os membros da família RIBEIRO, que na época deram o nome popular à rua que eu nasci.

Primeiramente, lembrei-me que tinha lido uma notícia sobre um jovem Ribeiro em jornais antigos que me foram remetidos pelos Professores e Historiadores Jorge Bastos e Amanda Santos. Como não localizei as cópias que eles me enviaram, consultei o site da Hemeroteca Digital na Biblioteca Nacional Virtual e ali encontrei um arquivo com dois exemplares do jornal “A Ideia”, editado em nossa terra, edições de 25-03-1883 e de 06-05-1883, nos quais constam notícias sobre Tibúrcio RIBEIRO, que o jornal diz se tratar de moço esperançoso, inteligente e probo que prestou provas e foi aprovado e nomeado para exercer cargo no Tesouro Provincial.



Depois, realizei uma minuciosa pesquisa no livro “Simão Dias – Fragmentos de sua história”, escrito por meu pai, e constatei que a denominação popular daquela rua teve como origem as diversas residências naquele local de membros da tradicional família Ribeiro. Nas páginas daquele livro encontrei registros de pessoas daquela família que participaram efetivamente de nossa história, conforme transmito a seguir.

Nos arquivos da Câmara Municipal foi encontrada uma lista de vereadores, encimada com a seguinte legenda: “Relação dos cidadãos que foram vereadores neste município durante a extinta monarquia”. Entre os relacionados estavam Domingos José RIBEIRO e Manuel José RIBEIRO.

O jornal “A Ideia”, edição nº 295, de 19-04-1882, registra que Maximiliano RIBEIRO foi um dos oradores no enterro do Major Manuel de Carvalho Carregosa, na Capelinha do Engenho Mercador.

No período de 1862 a 1872, o Sr. José de Matos RIBEIRO cuidou das rendas da Igreja e fazia a devida aplicação, apresentando, periodicamente, rigorosa prestação de contas perante a justiça civil. Naquela época a Igreja era ligada ao Estado e os negócios da Freguesia eram administrados por cidadãos católicos praticantes, de reputação ilibada. Em nossa terra, naquela época, os administradores dos negócios da Igreja eram conhecidos como “Fabriqueiros de Santana”.

Em 1882, o Matadouro Municipal foi construído e administrado por um particular, o Sr. Domingos José RIBEIRO, conforme concessão e obrigações estabelecidas na Resolução nº 1.164, de 04-05-1880, do Governo Provincial.

Em 1889, Manuel José RIBEIRO era o Presidente da Câmara Municipal. Dez anos depois, em 1899, a Câmara de Vereadores foi presidida por outro membro da família Ribeiro: o Vereador Antônio RIBEIRO.

O Alferes Vicente José RIBEIRO era um austero juiz da cidade que, em 1888, julgou um litígio envolvendo o agricultor Galdino Conceição e que despertou o interesse popular pelo ridículo de que se revestiu. Esse caso chistoso foi por muito tempo comentado pelos mais velhos. Repasso o fato, tal e qual nos conta meu pai em seu livro:

O agricultor Galdino Conceição recebera em seus pastos, de um vizinho, uma égua russa esquadrinhada, isto é, aleijada dos quadris. E uma poldra ‘melada’, filha da mesma égua. Convencionado o preço do aluguel, o dono dos animais pagou adiantadamente.

Antes de findar o prazo do aluguel, Galdino Conceição entendeu ter direito sobre os animais, em face de a égua haver cruzado com um jumento reprodutor de sua propriedade, e que, para ele, estava ‘pejada’.

Terminado prazo convencionado, não quis devolver os animais ao dono, alegando direito à futura “cria”, decidindo não entregá-los até que a égua parisse e criasse o produto nos seus pastos, para, depois, saber quanto restava ao outro.

O dono legítimo esgotou todos os meios suasórios.

O certo é que Galdino Conceição foi levado à Pretoria pelo advogado José Leopoldino da Silveira Collête, sendo o Juiz o austero Alferes Vicente José Ribeiro.

A audiência atraiu muita gente, que sentia imenso prazer em ouvir Galdino Conceição expender o seu direito nos mínimos detalhes, inclusive representando o ato sexual dos animais, de que proveio seu direito à futura “cria”.

O advogado José Collête contestou as alegações do réu, o fazendo com refinada ironia, ressaltando o estado valetudinário da égua “esquadrinhada”, imprópria para atos daquela natureza.

Passando aos meios conciliatórios determinados por lei, o austero juiz houve o caso como conciliado, como consta da ata, ficando o réu Galdino Conceição obrigado a entregar os animais ao seu dono, e este obrigado a pagar 10 mil réis ao réu, “caso a dita égua venha a parir burro vivo”. (Carvalho Déda - Simão Dias – Fragmentos de sua história – – 2ª Edição-2008 - Gráfica Editora J. Andrade – pag. 117/118).

 

 

Com esta pesquisa, é de se reconhecer as razões porque antigamente a rua que nasci era denominada popularmente de Rua dos Ribeiros.

 Entretanto, neste meu procurar, nada encontrei que informasse que a origem daquela família tenha sido a cidade de Sousa-PB, torrão natal do meu colega Paulo Afonso. Mas não posso descartar sua dúvida. 

De igual modo não é de se desprezar a possibilidade de que um RIBEIRO simãodiense tenha fixado residência na cidade paraibana do "Vale dos Dinossauros".


ARACAJU, 05/08/2020.

BETO DÉDA.

sexta-feira, 24 de julho de 2020


O compasso e a lembrança dos artesãos simãodienses.


O compasso que uso nos trabalhos de marcenaria quebrou. Como estamos em tempo de pandemia, recolhido em isolamento social e sem condições de pessoalmente comprar um novo, resolvi fazer o meu próprio instrumento  para traçar circunferências.

O compasso que fiz para uso nos trabalhos com artesanato.


Ao fazer o arco de zinco para regular meu armengado compasso, lembrei-me de três funileiros que conheci em Simão Dias nos velhos tempos: Luiz Coruja, João Coruja e Zé Aleijado. Este último tinha sua tenda na Rua da Feira, próximo à Prefeitura e à Loja Predileta de D. Elisa Montalvão. Os outros moravam perto da casa de meus pais.

O mais antigo deles era Seu Luiz Coruja, que residia na própria tenda em uma casa com telhado beira e bica, na Rua do Coité, fazendo esquina com o prolongamento da Rua dos Ribeiros, em frente a casa de Seu João Cândido e, do outro lado da rua, a bodega de João Brôco, que era vizinho de D. Soriana. Naquele local, muitos anos depois, Seu Cipriano construiu sua casa para morar.

Quando conheci Seu Luiz Coruja ele já era um senhor idoso, pai de João que o seguiu na arte de funileiro. Trabalhavam com folhas de flandres, transformando-as em candeeiros, funis, cafeteiras, canecos, frigideiras, caçarolas e outros apetrechos dos mais variados tipos.  Naquela época, os utensílios de cozinha eram de barro, de madeira, de zinco ou folha de flandres. Tudo feito por artesãos da terra.

Seu João Coruja, quando o pai faleceu, passou sua tenda e moradia para a Praça de São João, no mesmo trecho onde outros conhecidos trabalhadores tinham suas oficinas e residências. Lembro-me deles: Seu Manequinha, o ferreiro; Seu Zé Budu, aguadeiro; Seu Benevides, o barbeiro, e o mecânico Barreto. Todos eles tinham filhos, mais ou menos na minha idade e que eram nossos amigos e companheiros de traquinagem.

Eu admirava o trabalho de todos eles e passava horas observando os cuidados e os macetes que empregavam em sua faina diária.  Serviram-me de experiência; como aconteceu hoje ao cortar e preparar um pedaço de zinco para fazer a gambiarra reguladora do meu compasso.

E agora, ao escrever este texto, acredito que reativarei a memória de pessoas que viveram aquela época e, juntos nesta lembrança, certamente estaremos prestando uma homenagem aos saudosos artesãos de nossa terra.

Aracaju, 23 de julho de 2020.
BETO DÉDA

sexta-feira, 10 de julho de 2020


CURIOSIDADES SOBRE O QUE É RELATIVO EM CONTRADIÇÃO AO ABSOLUTO.


Hoje estou a meditar sobre curiosidades que me despertavam interesse no tempo que eu era jovem e me divertia lendo textos curiosos publicados nos gibis, almanaques ou em uma revista denominada “Seleções Reader’s Digest” (esta sempre chegava a minhas mãos com grande atraso).

Entre outros assuntos curiosos, eu gostava de ler textos que tratassem sobre a relatividade em contradição ao radical "absoluto" das coisas. Assim é que me lembrei de algumas curiosidades que repasso, aqui e agora, com base nos limites do que guarda minha quase octogenária cachola.

A primeira delas refere-se a um fato que aconteceu com um herói inglês. Era um soldado admirado durante a segunda guerra mundial por sua reconhecida coragem em desativar minas enterradas pelo inimigo no campo de batalha. Ele enfrentava com invejável calma os perigos de uma súbita explosão ao desarmar as bombas. Sua bravura era considerada absoluta, nada o amedrontava. Infelizmente a vulnerabilidade de sua enorme coragem foi dramaticamente revelada quando ele foi chamado para desativar uma bomba na cidade de Londres. O petardo fora descoberto em um buraco próximo a um abrigo. Pouco depois de o soldado entrar no local para iniciar o desmonte, os companheiros, que o seguiam à distância, foram surpreendidos com a corrida desesperada do herói, afastando-se do local. Trêmulo, sem desfaçar o nervosismo, justificou que não desativaria a bomba porque próximo ao local estava uma "terrível" barata. Ele tinha um medo incontrolável daquele tipo de inseto. Aí então aconteceu que a coragem absoluta do laureado herói foi para o brejo. Uma simples barata era uma das exceções a demonstrar o relativismo de sua bravura.

Outra curiosidade sobre este tema aconteceu com o cientista inglês Isaac Newton, que cuidou da lei da atração dos corpos. No tempo que estudei no Atheneu Sergipense, lembrávamos, com muito humor, que a lei da atração da gravidade fora descoberta quando o cientista estava embaixo de uma macieira e uma maçã caiu e bateu em sua cabeça. E deduzíamos: se fosse uma jaca,  ele  que estaria fodido...

Alegoria à porta dos gatinhos(Beto Déda)
Pois bem. Dizem que o Isaac Newton mantinha em seu laboratório uma gatinha de estimação, que ficava rosnando na porta para entrar ou sair. O cientista então fez uma abertura na porta para a gatinha passar sem lhe incomodar. Pouco tempo depois, a gata pariu quatro lindos gatinhos e o cientista não vacilou: fez mais quatro buracos na porta, de modo que a gata e seus filhotes não o incomodassem no vai e vem. Não atentou que pela mesma passagem, reservada à gata, também passariam os filhotes. Ao cuidar das passagens dos gatinhos, a inteligência absoluta do cientista fora desativada.

Estas curiosidades me lembram do saudoso Célio Loureiro, colega do BNB, ilustre advogado e professor cearense. Em suas aulas de Direito Bancário ele sempre orientava para não nos enganarmos com normas ditas como absolutas. E quando alguém mencionava algo como absoluto, ele advertia  dizendo: “Em termos...”. Então apresentava exceções que relativizavam a regra.

Aliás, o iluminado Albert Einstein, que desenvolveu a teoria da relatividade, dizia que tudo é relativo. Absoluto mesmo só a velocidade da luz.

Tais curiosidades nos levam a pensar melhor sobre as pessoas, sem exageros, o que nos traz à memória o que dizia o escritor Mark Twain, ao afirmar que até um relógio parado está certo pelo menos duas vezes em um mesmo dia. O que é confirmado pela piada do doido que auxiliou um inteligente senhor a usar o pneu sobressalente que não tinha parafusos. O maluco resolveu o problema tirando um parafuso de cada um dos três pneus bons, de modo que o carro, com três parafusos em cada roda, chegasse até um borracheiro. O dono do automóvel, impressionado com a ideia, indagou: “Como pode, dizem que você é maluco? Então, sem pestanejar, o mentecapto  respondeu: “Posso ser doido, mas não sou burro!"... 

São chistosas curiosidades para acalmar os dias de isolamento social provocado pelo Coronavírus e lembrar os ditos populares:

"Nem tudo que reluz é ouro!"
"Nem tudo que balança cai!"

Aracaju, 10/07/2020
BETO DÉDA