terça-feira, 13 de dezembro de 2022

 

Afinal, de qual Paracatu era o lobisomem de Simão Dias?

 

Na atualidade, é comum os meios de comunicação divulgarem notícias violentas, dentre as quais aquelas envolvendo pessoas da mesma família, com destaque as notícias envolvendo agressões e homicídios praticados por filhos contra a própria mãe ou o próprio pai. A constância dos noticiários sobre tais crimes, que se repetem no desenrolar dos dias atuais, infelizmente, leva as pessoas menos sensíveis a se acostumarem com a horripilante ocorrência.  

Antigamente, os crimes dessa espécie eram raros e os mais velhos tinham a preocupação de evitar comentários e procuravam um meio próprio de condenar o criminoso. Era voz corrente, em minha terra, informar que o filho que cometesse uma maldade contra a própria mãe receberia um castigo sobrenatural: se tornaria um monstro, um diabo, virava um lobisomem, popularmente conhecido como “labisone”, ou o “Cão do Pracatu”, ou ainda o “Cachorro do Pracatu”.

Ao ouvir um noticiário policial sobre um matricídio, lembrei-me de um causo que aconteceu no povoado Paracatu, no município de Simão Dias.  Era voz corrente naquela região que um sujeito péssimo, malvado da pior qualidade, deu uma surra na própria mãe. Mesmo continuando sendo maltratada, a infeliz senhora, com pena do filho, não prestou queixa na polícia. Mas o celerado filho não ficou impune. Diziam os moradores do lugarejo que, nas noites de sexta-feira da quaresma, o perverso danava-se a rolar pelo chão, transfigurando-se em um furioso cão, ou seja, uma horripilante mistura de homem e cachorro: um verdadeiro “labisone”. Então, uivava mirando a lua; e ficava de tocaia, escondido embaixo de uma quixabeira que sombreava a entrada do povoado, para atacar alguém que por ali passasse. 

Lembro-me, agora, de um moço de fala mansa e compassada, que era daquelas bandas, e dizia ter enfrentado o tal bicho, afirmando que nunca tinha visto um demônio tão feio. E no seu prosear vagaroso, que nos dava arrepios de medo, informava como era o pinima do “Cachorro do Pracatu”: tinha unhas que pareciam curvos punhais; os olhos eram duas lanternas de fogo; as orelhas longas e pontiagudas; o focinho comprido, com a boca arreganhada, descendo saliva sanguinolenta da língua em forma de espeto, mostrando os dentes afiados. Além de tudo, tinha o pelo arrepiado, duro, que parecia protegido por uma manta de aço. E finalizava dizendo que lutou e conseguiu ferir o bicho, de tal sorte que o simples pingo de sangue fez com que acontecesse o desencanto e o cão voltou a ser gente. E concluía categórico:

- O peste era realmente o filho que batera na mãe. 

 

Soube desse causo quando era garoto. Mas, ontem, ao relembrar o acontecimento para um jovem conterrâneo, este fez-me uma indagação que eu não soube responder. O interlocutor perguntou-me em qual Paracatu ocorreu esse fato. E a questão tinha pertinência, isto porque em nossa terra existem três povoados com esse nome:  Paracatu de Cima, Paracatu do Meio e Paracatu de Baixo.

Afinal, em qual deles aconteceu essa história?

Na verdade, essa é uma questão a ser desvendada pelos estudiosos das lendas simãodienses.

Mas isso não é importante. O que interessa mesmo é a lição que os antigos davam aos jovens. Diziam eles:

-Respeitem seus pais, senão serão transformados no “Cão do Pracatu" e uivarão para a lua cheia nas noites de quaresma.

Aracaju, 12/12/2022

BETO DÉDA

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

 

O “Tanque Novo” de Simão Dias.

 

Para atender ao pedido do meu caro primo e poeta Ézio Déda, vasculhei meus implacáveis arquivos em procura de uma foto do antigo reservatório de água de Simão Dias, denominado “Tanque Novo”. Tirei a poeira de várias caixas e pastas, e constatei que até agora meus esforços não tiveram êxito: não encontrei a foto solicitada.

Ciente de que não poderia falhar ao pedido do admirável poeta, procurei prescrutar os escaninhos de minha memória, onde guardo um maravilhoso acervo do mundo que trilhei em minha infância e adolescência.

E lá estava guardada a imagem do “Tanque Novo”, de águas remansosas e barrentas, circundado por uma elevação e uma pequena muralha de pedra. À frente existia uma entrada guarnecida por um mata-burro, para evitar a passagem de animais.


Na época não existia água encanada na cidade e os reservatórios (porrões) das residências eram abastecidos com água do “Tanque Novo”, por aguadeiros que guiavam comboios de jegues, transportando água em barris ou grandes latas de querosene (marca “jacaré”).  

 Durante o dia, constatava-se na frente do tanque uma algazarra sem limites, em que o barulho das latas e o vozerio dos aguadeiros tumultuava qualquer conversa na proximidade daquele ambiente. Logo após o mata-burros estava o relevo que servia de represa para as águas, cuja subida era facilitada por degraus cobertos com lascas de pedras cinzentas. No alto da barragem foi construída uma capela, cuja parte lateral, às tardes, sombreava pessoas que ali se refrescavam, em cochilos ou jogando dama e gamão.

Do patamar ao nível d’água também havia uma escadaria cobertas de pedras. Os degraus eram compridos de modo a permitir que, subindo ou descendo, muitos aguadeiros enchessem e transportassem suas vasilhas ao mesmo tempo

O "Tanque Novo" no traço e imaginário de Beto Déda.


Lembro-me, agora, de um senhor forte, que sempre estava ao lado da capelinha, e que se portava como vigia do tanque: era alto, forte, musculoso e usava um boné para encobrir os poucos cabelos, sem, entretanto, ser careca. Gostava de disputar quebra-de-braço e era considerado o campeão local da modalidade. Certo dia apareceu por lá um senhor baixinho, que embora de aparência fraca, aparentava músculos rígidos, cujo apelido, senão me engano, era “Bacalhauzinho”. Parecia ser conhecido e depois de muita conversa com o vigia, resolveram disputar um quebra-de-braço. Iniciaram a disputa e, para minha surpresa, o vencedor foi o baixinho.  Não houve ressentimento e tudo terminou em risadas.

No seu livro “Simão Dias: fragmentos de sua história”, Carvalho Déda informa que o “Tanque Novo” foi construído pelo Capitão Domingos José de Carvalho, “nos primeiros dias da formação da cidade”. Sua denominação foi assim declarada porque já existia na cidade um tanque antigo, no final da Rua Santa Cruz, que era conhecido como “Tanque Velho”. Segundo tradição oral, o antigo tanque foi escavado por determinação do senhor que construiu a primeira Capela.

Na seca de 1956/57, o “Tanque Novo” foi reformado, realizando-se uma limpeza total. A meninada admirava o trabalho dos homens transportando o barro em banguês de cipó, e vibrávamos ao ver quando capturavam no meio da lama os muçuns – enguias pretas – parecidas com gordas cobras, que tinham o corpo coberto por uma gosma deslizante e que escapavam com facilidade das mãos dos trabalhadores.

Naquele tempo, pegávamos o barro grudento (argila) das margens do tanque para modelar máscaras de carnaval e fazer balas para usar nos badogues (conhecidos em outras regiões como: estilingues e baleadeiras).

O "Tanque Novo" visto da torre da Igreja (Foto Dones)


A origem da capela tem como motivo um crime passional, conforme texto de Marius de Andrade, publicado no jornal “A Semana”, edição de 10/03/1956.  Resumo, a seguir, o triste fato que deu origem à capelinha do tanque.

No ano de 1908, um mancebo apaixonou-se por uma bonita morena, “de olhos pretos e redondos, cabelos compridos, corpo delgado e cadeiras bem torneadas”. Em uma manhã, o rapaz foi à casa onde morava a garota e tentou persuadi-la, dizendo que querida casar com ela. Diante da firme negativa da moça, o louco apaixonado, dominado por um ímpeto de cólera, bateu e esfaqueou a indefesa donzela, matando-a. Naquele instante chegava em casa a mãe, que tenta socorrer a filha agonizante e recebeu também uma mortal peixeirada do tresloucado assassino. Mãe e filha morrem abraçadas. O homicida foge, se embrenha nas matas e é procurado pela polícia. Passados alguns dias escondido, arrependido e triste, o criminoso resolve se entregar.  Na prisão foi surrado e teve como obrigação transportar água do “Tanque Novo” para abastecer os reservatórios da cadeia pública. Em determinada tarde, quando descia os degraus do tanque, recebeu um tiro no peito e tombou sem vida, misturando seu sangue com a água barrenta do “Tanque Novo”.

Naquele mesmo ano foi construída a Capelinha da Santa Cruz para registrar a triste história do destino dos três infelizes; e a edificação, por muitos anos, deitou sombra agradável para os vigias e visitantes do tanque.

 Para os que os que ali frequentavam, o lugar era mal-assombrado: à noite os que ousavam pescar naquele lugar eram escorraçados por almas penadas.

Essas são imagens que tenho do grande “Tanque Novo” que, apesar da água barrenta, acudiu nossa gente nos velhos tempos. Sem esquecer que um pouco de pedra-ume tornava a água dos porrões límpida e inodora.

 

Aracaju, 21/11/2022

BETO DÉDA

domingo, 9 de outubro de 2022

 

Meu irmão Carlos Eugênio...  

 

Os mais novos da família não conheciam o meu querido irmão Carlos Eugênio. Em vista disso, acredito que é importante registrar, aqui, instantes de nossa vida comum, que sempre estiveram em minha memória e que se tornaram constantes nestes últimos dias.

Carlos e seu diploma
do curso primário 
Carlos era mais velho que eu, a diferença de idade era pequena, apenas dois anos. Devido a aproximação de idade, Carlos foi o meu protetor e ponto de referência. Com ele participei de todas as brincadeiras de criança; era ele que me liderava e me protegia. E para garantir minha proteção, eu fazia questão de divulgar a sua força, seus socos fortes e certeiros e os cuidados que tinha com minha defesa. Era assim que eu intimidava os garotos mais fortes que me ameaçavam.  

Nosso primeiro nome era o mesmo: ele, CARLOS Eugênio; eu, Carlos ALBERTO. Em nossa família ele era conhecido como CARLOS e, para diferenciar, meus pais me chamavam de ALBERTO, especialmente o meu pai.  Os meus irmãos, pela lei do menor esforço, abreviaram e eu passei a ser conhecido na família como BETO.

Ele concluiu o curso primário em 1953, no Grupo Escolar Fausto Cardoso. Foi uma festa bonita realizada no Cine Brasil, que fora inaugurado naquele ano. O jornal A Semana divulgou a notícia da formatura (Ver foto abaixo).



Além da diversão, ele também partilhou comigo os trabalhos que fazia para reforçar sua mesada. Com ele fiz parcerias, tanto nas oficinas do jornal “A Semana”, como fazendo gaiolas de passarinhos ou ajudando no comércio de revistas. Ele foi o representante da Rio Gráfica Editora em nossa cidade e passou a comercializar as revistas e gibis daquela editora. Conseguiu um balcão com vidraças, colocou na sala da frente da redação do jornal e ali expunha as revistas em quadrinhos. Ele me incumbia de vender as revistas no cinema, pagava o ingresso e me dava gorjetas. Eu me encantava com esse trabalho porque via bons filmes e ainda tinha a primazia de ler, em primeira mão, todos os gibis. Foi folheando e lendo essas revistas que comecei a gostar de boas leituras e passei a desvendar os encantos dos livros da biblioteca de meu pai.

Naquela época, em nossa cidade não existia escola do segundo grau e isso frustrou os planos de estudo do meu irmão.  Calado e introvertido, traçou sozinho e cuidadosamente seu objetivo de vida e partiu para o sul do país; ele próprio cuidou de programar seu futuro.

Recordo-me, agora daquele tempo, do anoitecer do dia que antecedeu sua inesperada viagem. Depois do banho, ele passou a se barbear em frente a um espelho que ficava ao lado da cozinha da casa de nossos pais. E eu olhava admirado, acompanhando curioso seu modo de escanhoar os lisos pelos de seu rosto. Ele olhou-me com um sorriso bondoso que, até esta data, não saiu de minha conservada memória. E as lágrimas novamente se rebelam nessa pequena lembrança.

Ele devia ter 16 ou 17 anos quando, depois de uma viagem de trem cheia de padecimento e aventura, chegou à casa de nossos parentes no Rio de Janeiro. Acolheram-no o tio Gibson e o primo Sinito. Carlos passou a estudar e residir em um colégio que era do sogro de Sinito.   Serviu ao Exército e foi estudar na ESA (Escola de Sargentos das Armas) na cidade mineira de Três Corações. Se formou como Sargento Topógrafo.


Na primeira oportunidade, após sua formatura, fez uma visita a Simão Dias, e passou para todos os familiares uma alegria e orgulho indescritível. Meu pai irradiava felicidade e a visita foi registrada no jornal A Semana (v. abaixo).


Alguns anos depois da formatura, deu baixa dos serviços ao Exército e abriu uma firma de serviços topográficos.

Casou-se com a querida Zélia Biss Déda, com quem compartilhou toda sua vida. Do casal nasceram os filhos Júnior e Nuccia. O Júnior dedicou seus estudos à engenharia topográfica e passou a dirigir a firma fundada por seu pai. Nuccia é professora no Rio de Janeiro e herdou da família o gosto pela arte, faz belíssimas pinturas. 

Nos velhos tempos, quando não havia a facilidade de comunicação dos dias atuais, mantínhamos contato mediante cartas frequentes, em muitas laudas, com notícias de familiares e comentando a realidade brasileira, especialmente do nosso Nordeste. E, democraticamente, discutíamos nossos anseios e procurávamos pontos convergentes nas diferenças ideológicas. 

Estive no sul do país algumas vezes, visitando meu irmão em Ponta Grossa-PR, onde ele residia. Depois ele foi residir em São Paulo. Ele sempre vinha a Sergipe para rever os parentes e amigos. A última vez que por aqui esteve foi em 2019, quando fomos rever a nossa terra natal e abraçar os familiares. Agora percebo que foi uma visita de despedida.

Recentemente, em 23/09/2022, o inesquecível Carlos Eugênio fez a viagem final. Partiu para o lado da vida eterna. Seguiu o mesmo caminho da também amada irmã Zilda, que nos deixou recentemente, em 09/08/2022.  Amplia-se a dor da saudade quando lembramos que em anos recentes também partiram para mundo celestial os inesquecíveis Artur, Nancy e Malô. Ao lembrá-los, a saudade me faz sentir o correr de mornas gotas de lágrimas em minha octogenária face.

Carlos Eugênio era um homem íntegro, de pouco falar, mas de um coração imenso, com um forte sentido de justiça e uma moral cívica encantadora.

Carlos Eugênio: mais uma estrela no Céu. 


Neste instante, repito o que faço no silêncio dessas últimas noites insones: peço ao bondoso Deus que conforte a querida Zélia, a Júnior, a Nuccia e a todos os familiares. E que o Pai Eterno acolha o sempre lembrado e amado Carlos no reino celestial.

Até breve, meu irmão!

 

Aracaju, 09\10 \2022

Beto Déda


sexta-feira, 2 de setembro de 2022

 

Os relatórios de um inspetor escolar          

 

Tomei conhecimento que, durante esta semana, em Simão Dias, a Escola Estadual José de Carvalho Déda está comemorando 50 anos de sua inauguração. 

Na data de hoje, são transcorridos exatamente 54 anos que o patrono daquela escola faleceu. Carvalho Déda foi um defensor cuidadoso da melhoria do ensino em nosso estado. Ele também foi Diretor do Grupo Escolar Fausto Cardoso e Inspetor Escolar Estadual, classificado em primeiro lugar em concurso realizado pelo Estado de Sergipe. Como responsável pela 2ª Inspetoria Escolar do Estado, ele supervisionava as escolas dos municípios de Simão Dias, Lagarto, Riachão do Dantas  e Tobias Barreto. Também realizou inspeção em escolas de Itabaianinha, Propriá, Boquim, Salgado e outros municípios.

A Professora Amanda Santos, que faz o curso de doutorado na Universidade da Bahia, é uma perspicaz e eficiente pesquisadora. Ela leu nas últimas páginas do livro Simão Dias – Fragmentos de sua História, 2ª Edição-2008, o discurso pronunciado pelo Senador José Rollemberg Leite em homenagem póstuma a Carvalho Déda, cujo requerimento foi aprovado por unanimidade de votos no Senado da República, em setembro de 1968.

Em seu discurso, Dr. José Rollemberg Leite, que além de Senador também foi Governador do Estado de Sergipe, disse o seguinte:

“Conhecemo-nos em 1941, quando dirigindo o setor educacional do meu estado, foi ele um dos meus auxiliares, ocupando as funções de Inspetor Escolar. Recordo-me de seus Relatórios minuciosos, cheios de observações sobre as escolas que inspecionava e o meio social em que se encontravam, apontando providências que a administração deveria tomar para melhorar o ensino e a educação das crianças, reclamando o não atendimento de outras já pedidas, reclamações que fazia com veemência”.

Pois bem. A doutoranda Amanda foi ao Arquivo Público de Sergipe e conseguiu a cópia de vários Relatórios escritos pelo Inspetor Carvalho Déda, comprovando o que dissera o Senador no discurso em homenagem póstuma.

Transcrevo alguns desses relatórios, devendo esclarecer que após consignar em documento suas impressões sobre as escolas visitadas, era praxe o inspetor deixar o original no estabelecimento inspecionado e recomendar que a professora ou o professor responsável pela escola tirasse cópias, remetendo-as para: a Secretaria de Educação do Estado, o Distrito de Inspeção e, se fosse o caso de escola municipal, para o Prefeito do Município.

Vale lembrar que naquela época não existia a facilidade dos atuais aparelhos de duplicação (xerox), de modo que os relatórios originais assinados pelo inspetor eram copiados à pena (manuscritos) pela professora da escola. Informo isto para esclarecer um fato importante em que, diante da falta de condições físicas de uma professora, o próprio inspetor efetivou a cópia do relatório, remetendo-a à Secretaria de Educação, pedindo providências para amparar a professora que estava gravemente enferma. No último parágrafo do relatório, ele fez o seguinte registro:

"Dado o estado de saúde da docente, dispenso a mesma da obrigação de extrair cópias deste termo, prontificando-me desde já a extrai-las e remeter uma delas ao  Inspetor Geral de Ensino Primário. Assinado: José de Carvalho Déda - Inspetor Escolar do 2º  Distrito".


Relatório em que Carvalho Déda informa problema de saúde da Professora da escola inspecionada..


Os relatórios eram realmente minuciosos e sempre apresentavam soluções que deveriam ser adotadas pela administração pública. Assim é que solicitou providências para: mudança de local de  escola, justificava a necessidade de móveis, carteiras, mesas para os professores e fazia recomendações especiais para o melhor aproveitamento do ensino.  Não faltavam também o reconhecimento aos trabalhos de dedicadas professoras. Veja, abaixo, cópia do relatório sobre o Grupo Escolar Fausto Cardoso de nossa cidade.



 


As inspeções não eram exclusivas das sedes dos municípios. A maioria delas estavam localizadas em povoados. E o deslocamento para esses lugares era feito utilizando animais de montaria. No inverno, a situação ficava difícil devido ao estado das estradas, alagadas e com   lamas escorregadias.

O jornalista João Oliva nos contava que acompanhou Carvalho Déda em uma inspeção no povoado Volta, do interior de Riachão do Dantas, nos ido de 1943, e ficou impressionado com as impressões que lhe foram transmitidas sobre lembranças que o inspetor guardava do tempo que residia na sede daquele município (páginas 147 a 149 do livro Formigas de Assas).

É de se notar a justa homenagem que a Secretaria de Educação, em 1968, fez ao denominar aquela escola como o nome de José de Carvalho Déda, um defensor ardoroso da melhoria do ensino em nossa Sergipe.

 

 Aracaju, 02\09\22

Beto Déda

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

 

Éramos oito...


Na terça-feira passada, 09 de agosto, a querida irmã Zilda deixou nosso convívio terreno, passou para o plano celeste. No início éramos oito filhos de papai Zeca e mamãe Sinhazinha. Hoje somos apenas quatro. Em anos recentes passaram para a vida eterna os sempre lembrados irmãos Artur, Nancy, Maria Eugênia e, há sete dias, foi a vez da querida Zilda.  A dor da partida de um entre querido sempre nos causa uma imensa saudade. E não conseguimos conter as lágrimas.

No velório de Zilda, ouvimos atentos as palavras do sacerdote que realizou a cerimônia religiosa, quando dizia que a nossa esperança é a vida eterna. Suas palavras nos fizeram lembrar de Dom Jerônimo, pregador da Igreja São Bento, em Salvador, que em seus sermões afirmava que seria uma dor insuportável pensar que a morte de um ente querido seria o fim de tudo. Para mim eles têm razão, tenho viva a esperança de que nossos saudosos familiares partiram para uma nova vida no plano celeste.

 Zilda Déda (Foto recente)

Guardo muitas lembranças de minha querida irmã Zilda. Com ela passávamos horas relembrando os bons momentos de nossa família. Ela tinha uma sensibilidade muito forte e quando tocava em assuntos tristes as lágrimas brotavam em seu rosto. Então, para evitar momentos de tristeza, combinávamos que assuntos tristes estavam descartados de nossas conversas; isto porque quando ela chorava eu não me continha e chorava mais que ela. Passamos então a comentar somente as boas coisas da vida.

Zilda Déda (Foto recente)


Ela era a mais velha dos irmãos e deixa uma saudade imensa para os familiares. Acredito na vida eterna e estou certo de que agora ela  faz companhia aos nossos pais e aos irmãos que já passaram para outro plano.

Hoje, no sétimo dia de sua última viagem, estamos rogando ao bom Deus por sua boa estadia entre os que já partiram.

 

Aracaju, 15 de agosto de 2022.

Beto Déda

domingo, 24 de julho de 2022

AVISO AOS AMIGOS INTRERNAUTAS:

"Fomos atacados por vírus e pragas"

 

Recentemente, eu e meu computador fomos atacados por terríveis vírus.

No meu caso, o ataque foi atenuado pelas várias doses e reforço de vacinas que tomei  contra o Covid e a gripe. Embora os sintomas tenham passado, ainda estou em quarentena, seguindo conselho de entendidos, de modo a não transmitir o mal para outras pessoas.

Quanto ao computador o ataque foi grave, mesmo contando com um antivírus. Mandarei levá-lo a um especialista para proceder os reparos. 

Mas o pior é que, além desses vírus, também fui importunado por notícias de golpistas que tentam burlar o processo eleitoral e agridem continuadamente os ditames de nossa Constituição Federal. Nunca pensei que nesta quadra de minha vida tivesse que enfrentar patifes da pior espécie: mentirosos, intolerantes, racistas, criminosos e violentos que atentam contra a democracia.

Ufa! Tais pragas me deixam bravo. Vade retro vírus e golpistas.

Aracaju, 22 de julho de 2022

Beto Déda

sexta-feira, 1 de julho de 2022

 

O popular Chico Bina



No correr desta semana, tomei conhecimento, com pesar, que o conterrâneo Francisco de Pádua Santos, conhecido popularmente como Chico Bina, faleceu no dia 17 de  junho.

Chico Bina era um amigo simãodiense que conheci quando eu ainda era rapazola e ele figurava como um dos dirigentes do futebol simãodiense. Ele e Benedito Araújo foram diretores do Vasco da Gama, que foi vencedor de uma campeonato realizado em Simão Dias, em 1956, no estádio José Barreto, situado no Bairro Bonfim. Na verdade não era um estádio, mas um gramado circundado por uma empanada branca, igual as laterais de pano que protegem os circos. Participaram do certame quatro times da cidade: Vasco, Flamengo, Vitória e Lira Santana.

Ao comemorar o título, os jogadores vascaínos pousaram para uma foto, com a faixa de campeões. E lá também estavam Chico Bina e Benedito Araújo, envergando suas respectivas faixas como dirigentes do time (V. foto abaixo).

O time do Vasco campeão do torneio realizado em Simão Dias,  em 1956 (Chico Bina está à direita). 


Eu era torcedor do Flamengo e, é claro, não me alegrei com a festa, muito embora tenha participado de um coquetel e lanche oferecidos pelo casal Benedito/Miralda na residência deles, onde saboreei um delicioso creme de chocolate. Naquela ocasião, percebendo minha tristeza, Chico me contentou, dizendo que o meu Flamengo, embora vencido, era um bom time, formado por jovens craques, entre os quais os irmãos Dié e Cessa.

Ele tinha uma Lanchonete e Bar na esquina da antiga Rua da Palha com a Rua Mulungu, atualmente denominadas Rua Marechal Deodoro e Rua Manoel de Carvalho. A lanchonete ficava ao lado do Açougue Municipal. Quando eu era adolescente, nos dias de sábado, após a distribuição do jornal “A Semana”, era ali que eu tomava café e ouvia o pilheriar de negociantes e magarefes sobre o preço da carne no açougue e as discussões sobre assuntos palpitantes da cidade. As mesas estavam sempre cheias e ouvia-se o barulho de muitas vozes em simultâneo. Mas o ambiente era bom e agradável.

Nas noites de verão, era costume de Chico se reunir com os amigos Demerval Guerra e Filadelfo Oliveira na Praça Barão de Santa Rosa, em frente a Igreja, para discutir assuntos de nossa sociedade. Muitas vezes éramos surpreendidos com a risada do simpático trio ao comentar um fato hilário acontecido na cidade.

Chico Bina era um homem cívico, idôneo, que gostava de ajudar as pessoas. Era conhecido por fazer um chá especial para curar hepatite, a doença do amarelão. Pessoas acometidas do mal, residentes na cidade e circunvizinhança, procuravam o chá de Seu Chico para combater a doença. Ele atendia com presteza.

Cidadão benquisto por todos, foi vereador do município, sempre defendendo os interesses dos menos favorecidos, com importantes atuações no legislativo municipal. Lembro-me agora de um  projeto de lei de sua lavra, para beneficiar a pobreza, através do abastecimento de água. Para isto previa a construção de quatro chafarizes na cidade: no Bairro Bonfim e nas ruas Santa Cruz, Louceiras e Alambique. Não obstante se tratar de um plano de cunho humanitário, o projeto não foi aprovado. Em seu lugar, a maioria dos vereadores aprovou o aumento dos subsídios do Prefeito, um ato inconstitucional, vez que tal aumento somente seria admissível no final de legislatura. Interrogado sobre o assunto, o Chico me disse que ficou frustrado, mas assegurou que não perdera o ânimo para continuar na luta pelos menos favorecidos.

Jornal "A Semana" e a notícia sobre o projeto dos chafarizes


Francisco de Pádua Santos – ou melhor: meu amigo Chico Bina – faleceu aos 90 anos de idade. Ele foi um simãodiense que não esqueço e que continua vivo em meus pensamentos.

Soube também que o Prefeito Municipal decretou luto oficial por três dias, em memória ao ilustre simãodiense. Merecida gratidão.

Para os familiares, especialmente para a amiga Débora Silva, transmito meu abraço solidário, com saudade.

 

Aracaju, 01 de julho de 2022.

Beto Déda



quarta-feira, 25 de maio de 2022

Um dia de reflexão


Hoje é um dia de reflexão. É tempo para matutar sobre as experiências desses oitenta e um anos de uma longa e boa caminhada pela estrada da vida. Certamente é a ocasião própria para avaliarmos o cabedal de feitos que realizamos por mais de oito décadas.

E o cabedal que aqui me refiro não são os teres ou bens que somos apenas fiéis depositários, e que não nos trará proveito no final da estrada da vida, ao ingressarmos no outro plano da vida. O que reflito agora são os bens infungíveis, com qualidades que refletem e marcam os acertos e os erros que praticamos na passagem dos tempos, ou seja, os atos que praticamos e tiveram repercussões boas ou ruins nas vidas das pessoas que convivem ou conviveram conosco, mesmo aquelas que tivemos ligeiros contatos. Mas não me limito a lembrar apenas das ações benéficas, meu subconsciente também se preocupa com os erros, as falhas, enganos e equívocos ao tratar com meus semelhantes, de modo a evitar que se repitam.

Por outro lado, também nesta data, passo a refletir sobre os dias atuais, e fico perplexo diante do infortúnio que se abate sobre a humanidade: as pandemias – Covid e Varíola -, a ameaça de guerra mundial e o reaparecimento de grupos que defendem o armamento, fomentam o preconceito, o ódio, a intolerância e o conflito.

Pensar em tais dissabores nos entristece e nos afastam das notícias divulgadas pelos meios de comunicação. Na atualidade, buscando me defender do estresse das notícias tristes, procuro abrigo em boas leituras e em assistir a interessantes documentários. Durante o dia, a maior diversão é usar o torno de madeira para realizar obras de artesanato. Preencho também um bom tempo cuidando das lavouras, plantando uma pequena área de milho, de hortaliças e de árvores da antiga mata Atlântida.

Artesanato de madeira


Plantio de milho
Plantação de Ipê 





Ao finalizar minha reflexão, devo deixar bem claro que não sou um pessimista, não mudei meu modo de pensar e acredito que saberemos sair deste pesadelo. Nosso povo certamente cuidará da mudança. E para reforçar aqueles que pensam como eu, afirmo que estamos unidos, que continuo firme na minha ideologia,

É isso. Apesar dos dissabores atuais, comemoro o início de mais uma etapa da vida, elevando os braços, com o indicador e o polegar da mão formando um ângulo de noventa graus, acreditando que em breve o Brasil voltará a ser feliz.

Aracaju, 25 de maio de 2022.

Beto Déda

sexta-feira, 8 de abril de 2022

 

A Reforma Agrária sob o olhar do jornalista Carvalho Déda.



O artigo JOÃO SEM TERRA E O ZÉ POVO: a luta pela reforma agrária em Sergipe sob o olhar do jornalista JOSÉ DE CARVALHO DÉDA”, escrito pela doutoranda Amanda de Oliveira Santos, foi selecionado durante a II Jornada de História Agrária, organizado pela Associação Nacional de História – Seção Bahia e publicado recentemente, entre outros textos, no livro digital AS CORES E O SANGUE: Memórias e Resistências no Brasil Rural, editado no e-book pela Editora Zarte, com o apoio da PPGNEIM, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana.

O livro que tem o artigo de Amanda

O texto da Prof.ª Amanda de Oliveira Santos abre a terceira parte do livro digital, discorrendo sobre a atuação do jornalista Carvalho Déda em defesa da população sertaneja e que criticava o menosprezo da cúpula política do país ao tratar sobre reforma agrária. A historiadora discorre sobre duas seções especiais (Coluna dos Lavradores e A Piada da Semana) publicadas por aquele jornalista no jornal “A Semana”, por ele editado em Simão Dias, e também no romance “Formigas de Asas”, em que denuncia a ganância dos latifundiários pelas terras de pequenos agricultores.

O texto de Amanda  no livro (Página 175 a 208)


Amanda Santos é diplomada como Mestra em História pela Universidade Federal de Sergipe e atualmente faz o curso de Doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Conheço essa inteligente historiadora desde o tempo que ela fazia o curso de graduação na UniAGES, de Paripiranga(BA). Desde aquele tempo, temos mantido longas conversações sobre a história de Simão Dias e também sobre o jornal A Semana, no qual tive uma inesquecível participação de 1953 a 1969 e fui seu diretor no último ano da sua edição. Amanda é de uma força de vontade exemplar. Ela planeja os objetivos e trabalha com denodo, pesquisando, visitando bibliotecas, arquivos públicos e entrevistando pessoas. É uma garota do interior que luta enfrentando o trabalho nos dias de feira da cidade, de modo a conseguir recursos para atingir suas metas e objetivos. É uma admirável guerreira que usa a leitura e o estudo como armas para concretizar seus sonhos e vontade.

Ela faz parte de um grupo de jovens que nos encantam pelo valoroso trabalho em preservar a história de Simão Dias. E lembro-me aqui de historiadores com publicações de recentes livros e artigos  sobre nossa terra berço: Jorge Bastos, Daniel Loiola e Edjan Alencar.

A atuação de Amanda de Oliveira Santos engrandece nossa cultura e é um exemplo formidável de que é possível atingir uma vontade quando se tem força para determinar objetivos e traçar metas para alcançá-lo.

Doutoranda Amanda em sua barraca na feira de Simão Dias
 recebendo a visita da Profª Lina Aras da UFBA.


Nosso abraço, parabenizando o trabalho dessa doutoranda que prioriza o estudo da história de nossa gente e de nossa terra berço. Nota dez, com louvor.


Aracaju, 08/04/2022

Beto Déda

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 


A modinha de Seu Gervásio nas noites de lua.


São muitas as lembranças acumuladas em minha mente e o espaço maior corresponde ao tempo que era criança em minha terra natal: Simão Dias.

Agora mesmo, estava admirando o esplendor da lua e isto foi o toque para despertar recordações das noites enluaradas na Rua dos Ribeiros, local da casa de meus pais, onde nasci e passei minha infância e juventude.

Naquela época a iluminação elétrica das ruas era precária, dependia de um motor movido a óleo diesel que falhava com frequência, deixando a cidade às escuras. Assim, as noites enluaradas eram comemoradas com alegria por todos que residiam naquela rua.

Nessas agradáveis noites se reunia um alvoroçado grupo de crianças: meus irmãos, nossos primos e a garotada da redondeza. Algazarra não faltava. Brincávamos de “manja”, de “se esconder”, de “cipozinho queimado”, do “grilo”, e também de caubói, imitando os astros dos filmes de faroeste que passavam nos cinemas Ipiranga e Brasil: Bill Eliott (Red Ryder), Charles Starret (Durango Kid) e Rock Lane.

Mas a lembrança que me desperta hoje é a cantiga de Seu Gervásio. Ele era um senhor de baixa estatura, rosto pálido e bochechas flácidas, sempre usava um paletó surrado, um velho chapéu e gostava de pitar cigarro de palha. Fazia biscates: cortava lenha e transportava água para as casas. Ele morava com suas irmãs, Arlinda e Amélia, em uma casa antiga, de beira-e-bica, que ficava próxima a de meus pais. A casa era de adobe e apresentava pequenos buracos na parede, que passava a claridade do luar e permitia que avistássemos o que se passava na sala da frente.

A Rua Júlio Manoel de Oliveira, antiga Rua dos Ribeiros, em Simão Dias(SE).


A porta aberta também deixava a lua iluminar a sala. A luz de um candeeiro, em um quarto, divisava a réstia de D. Amélia conversando com sua irmã, que estava na sala em uma cadeira tipo preguiçosa. Próximo à porta de frente, em um banco, estava sentado Seu Gervásio, pitando um cigarro de palha e cantando sua canção predileta: “A festa de casamento”.

Ainda sei alguns trechos da letra daquela modinha, que meu cunhado  Haroldo costuma cantar. Com intuito de ativar a memória dos que conviveram aquele período de nossa simpática rua, ouso ativar a memória e transcrever algumas partes:

A Festa de Casamento

Fui convidado para uma festa de casamento

Da filha de um tenente da guarda nacional…

...

Lá tinha dança e comida com fartura

muito bolo, cocada e frituras…

...

Lá tinha uma moça, bonita e faceira,

dançava e levantava poeira... 

...

Percebendo nossos risos, Seu Gervásio interrompia seu engraçado cantar. Então resmungava, pegava seu velho chapéu, que sempre deixava sobre o banco, e se dirigia ao fogão de lenha para acender o cigarro de palha. Voltava até a soleira da porta. Firmava-se em uma perna só, amparando o ombro no portal, e pitava soltando fumaça, observando a correria da meninada. Depois, olhava para um lado e para o outro, bocejava e fechava a porta. Era sua hora de dormir...

...

Eram pessoas simples de outros tempos e que ainda hoje alegram as lembranças de nossa infância.


Aracaju, 16/01/2022

Beto Déda