O “Tanque Novo” de Simão Dias.
Para atender ao pedido do meu caro primo e
poeta Ézio Déda, vasculhei meus implacáveis arquivos em procura de uma foto do
antigo reservatório de água de Simão Dias, denominado “Tanque Novo”. Tirei a
poeira de várias caixas e pastas, e constatei que até agora meus esforços não
tiveram êxito: não encontrei a foto solicitada.
Ciente de que não poderia falhar ao pedido do
admirável poeta, procurei prescrutar os escaninhos de minha memória, onde guardo
um maravilhoso acervo do mundo que trilhei em minha infância e adolescência.
E lá estava guardada a imagem do “Tanque
Novo”, de águas remansosas e barrentas, circundado por uma elevação e uma
pequena muralha de pedra. À frente existia uma entrada guarnecida por um mata-burro,
para evitar a passagem de animais.
Na época não existia água encanada na cidade
e os reservatórios (porrões) das residências eram abastecidos com água do “Tanque
Novo”, por aguadeiros que guiavam comboios de jegues, transportando água em
barris ou grandes latas de querosene (marca “jacaré”).
Durante
o dia, constatava-se na frente do tanque uma algazarra sem limites, em que o
barulho das latas e o vozerio dos aguadeiros tumultuava qualquer conversa na
proximidade daquele ambiente. Logo após o mata-burros estava o relevo que
servia de represa para as águas, cuja subida era facilitada por degraus cobertos
com lascas de pedras cinzentas. No alto da barragem foi construída uma capela, cuja
parte lateral, às tardes, sombreava pessoas que ali se refrescavam, em cochilos
ou jogando dama e gamão.
Do patamar ao nível d’água também havia uma escadaria
cobertas de pedras. Os degraus eram compridos de modo a permitir que, subindo
ou descendo, muitos aguadeiros enchessem e transportassem suas vasilhas ao
mesmo tempo
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O "Tanque Novo" no traço e imaginário de Beto Déda. |
Lembro-me, agora, de um senhor forte, que sempre
estava ao lado da capelinha, e que se portava como vigia do tanque: era alto,
forte, musculoso e usava um boné para encobrir os poucos cabelos, sem,
entretanto, ser careca. Gostava de disputar quebra-de-braço e era considerado o
campeão local da modalidade. Certo dia apareceu por lá um senhor baixinho, que
embora de aparência fraca, aparentava músculos rígidos, cujo apelido, senão me
engano, era “Bacalhauzinho”. Parecia ser conhecido e depois de muita conversa
com o vigia, resolveram disputar um quebra-de-braço. Iniciaram a disputa e,
para minha surpresa, o vencedor foi o baixinho.
Não houve ressentimento e tudo terminou em risadas.
No seu livro “Simão Dias: fragmentos de
sua história”, Carvalho Déda informa que o “Tanque Novo” foi construído
pelo Capitão Domingos José de Carvalho, “nos primeiros dias da formação da
cidade”. Sua denominação foi assim declarada porque já existia na cidade um
tanque antigo, no final da Rua Santa Cruz, que era conhecido como “Tanque
Velho”. Segundo tradição oral, o antigo tanque foi escavado por determinação do
senhor que construiu a primeira Capela.
Na seca de 1956/57, o “Tanque Novo” foi reformado,
realizando-se uma limpeza total. A meninada admirava o trabalho dos homens
transportando o barro em banguês de cipó, e vibrávamos ao ver quando capturavam
no meio da lama os muçuns – enguias pretas – parecidas com gordas cobras, que
tinham o corpo coberto por uma gosma deslizante e que escapavam com facilidade
das mãos dos trabalhadores.
Naquele tempo, pegávamos o barro grudento
(argila) das margens do tanque para modelar máscaras de carnaval e fazer balas
para usar nos badogues (conhecidos em outras regiões como: estilingues e baleadeiras).
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O "Tanque Novo" visto da torre da Igreja (Foto Dones) |
A origem da capela tem como motivo um crime
passional, conforme texto de Marius de Andrade, publicado no jornal “A Semana”,
edição de 10/03/1956. Resumo, a seguir, o
triste fato que deu origem à capelinha do tanque.
No ano de 1908, um mancebo apaixonou-se por
uma bonita morena, “de olhos pretos e redondos, cabelos compridos, corpo
delgado e cadeiras bem torneadas”. Em uma manhã, o rapaz foi à casa onde morava
a garota e tentou persuadi-la, dizendo que querida casar com ela. Diante da firme
negativa da moça, o louco apaixonado, dominado por um ímpeto de cólera, bateu e
esfaqueou a indefesa donzela, matando-a. Naquele instante chegava em casa a mãe,
que tenta socorrer a filha agonizante e recebeu também uma mortal peixeirada do
tresloucado assassino. Mãe e filha morrem abraçadas. O homicida foge, se
embrenha nas matas e é procurado pela polícia. Passados alguns dias escondido,
arrependido e triste, o criminoso resolve se entregar. Na prisão foi surrado e teve como obrigação
transportar água do “Tanque Novo” para abastecer os reservatórios da cadeia
pública. Em determinada tarde, quando descia os degraus do tanque, recebeu um
tiro no peito e tombou sem vida, misturando seu sangue com a água barrenta do
“Tanque Novo”.
Naquele mesmo ano foi construída a Capelinha
da Santa Cruz para registrar a triste história do destino dos três infelizes; e
a edificação, por muitos anos, deitou sombra agradável para os vigias e visitantes
do tanque.
Para
os que os que ali frequentavam, o lugar era mal-assombrado: à noite os que
ousavam pescar naquele lugar eram escorraçados por almas penadas.
Essas são imagens que tenho do grande “Tanque
Novo” que, apesar da água barrenta, acudiu nossa gente nos velhos tempos. Sem
esquecer que um pouco de pedra-ume tornava a água dos porrões límpida e
inodora.
Aracaju,
21/11/2022
BETO
DÉDA
Sempre me encanto com suas vivências!! Te amo.
ResponderExcluirEu também te amo. Um beijo!
ExcluirMaravilhosas lembranças! Boa parte dessa história eu não conhecia. Eu também bebi da água do Tanque Novo e nunca mais esqueci Simão Dias.
ResponderExcluirAntigamente era ditado popular dizer: quem bebe água do Tanque Novo nunca esquece de Simão Dias. E você comprova isto. Receba meu abraço.
ExcluirBeto, parabéns pela descrição perfeita do “Tanque Novo”. Estive no local, pela primeira vez, quando era criança, em companhia e sob a proteção de Adele Oliveira, nossa prima, para apreciar a beleza daquele reservatório de água.
ResponderExcluirFiquei feliz em saber que meu texto lhe despertou alegres lembranças. Um abraço!
ExcluirObrigada pelo texto
ResponderExcluirComo sempre vc me faz reviver os velhos tempos
Mais uma vez parabéns
Relembrar acontecimentos de Simão
ExcluirDias nos tempos de nossa mocidade nos encantam. Esta e a razão de compartilhar as lembranças com conterrâneos e amigos. Meus agradecimentos pela mensagem. Abraços!
Obrigado, Beto, por fazer-me conhecer um pouco mais sobre Simão Dias, onde estive algumas vezes, a convite do amigo Édson Ulisses.
ResponderExcluirO agradecimento é meu: por sua bondosa mensagem. Vou sugerir ao Edson Ulisses que lhe renove o convite para o agradável sítio "Ilha Ítaca", que ele tem no povoado Brinquinho, no município de Simão Dias. Abraços.
ResponderExcluirBravo! Parabéns mais uma vez nobre conterrâneo por narrar em prosas e versos as reminiscências da nossa princesinha do sertão, como outrora era conhecida a nossa querida e amada SIMÃO DIAS
ResponderExcluirObrigado, meu conterrâneo por sua mensagem. Realmente nossa cidade era conhecida como a "Princesinha do Sertão".
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