A Praça de São João, as tanajuras, o Caiçá e as sanguessugas
Em Simão Dias, um dos
locais preferidos pelas crianças era Parque Cel. Zacarias de Carvalho,
conhecido como Praça São João, porque ali estava localizado o Cemitério São
João Batista. Havia muitas árvores: tamarindeiros,
fícus benjamim, acácias-amarelas, eucaliptos e um frondoso pé de “olho de boi”. No centro do parque tinha
um monumento que a criançada chamava de estátua. Era um obelisco comemorativo
ao primeiro centenário da Freguesia de Santana de Simão Dias.
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Os tamarindos do parque |
Das árvores do parque a
maiores lembranças são os frutos dos tamarindeiros e as sementes de “olho de
boi”.
Os tamarindos maduros nós chamávamos de “chocolate”
ou simplesmente “chocó”, pela cor marrom-escuro, lembrando a semente do cacau.
Com eles fazíamos um ponche azedinho e muito gostoso. Quando queríamos
atrapalhar a filarmônica “Lira Santana” chupávamos ostensivamente bajes de
tamarindo, deixando os músicos com água na boca, dificultando o sopro dos
instrumentos. Era subindo nos tamarindeiros que nos protegíamos do gado que
levavam para o Matadouro municipal. Certa feita o garoto Hélio, que morava em
um sítio próximo ao Hospital, subiu até o alto de um tamarindeiro e não soube
descer. Começou a chorar e gritar, chamando a atenção de todos que por ali
passavam. Foi nossa querida Teté (Tefinha) que procurou ajudá-lo, chamando o
Seu Nia para descer o traquina. O velho Nia era um senhor forte que trabalhava
no Matadouro, fazendo carne de sol, era o responsável pela organização da festa
dos caboclinhos ali no parque.
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A sementes de "Olho de boi" |
As
sementes de “olho de boi” são compactas, lisas e bonitas. Usávamos para pregar
sustos nos colegas, e o fazíamos tocando-as quentes nos braços dos
desprevenidos, depois de esfregarmos no cimento para esquentá-las com o atrito.
Diziam que era medicinal e o santo remédio pra curar terçol. As meninas usavam para brincar de
“pinto-galo”.
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"Cai, cai, tanajura na panela de gordura..." |
Em
dias de chuva a praça era invadida por saúvas voadoras, e cantávamos:
“Cai, cai tanajura na panela de gordura...”. Então espetávamos as grandes formigas em um palito para escutar o ruído característico da flexão das asas, como se fossem helicópteros. E admirados, olhávamos Serafim, o garoto mais alto da turma, assar as tanajuras em um foguinho de folhas secas e comê-las, deliciando-se. Muitos anos depois é que soube que em restaurantes chiques de Nova Iorque um prato de formigas torradas era muito apreciado e custava uma fortuna...
“Cai, cai tanajura na panela de gordura...”. Então espetávamos as grandes formigas em um palito para escutar o ruído característico da flexão das asas, como se fossem helicópteros. E admirados, olhávamos Serafim, o garoto mais alto da turma, assar as tanajuras em um foguinho de folhas secas e comê-las, deliciando-se. Muitos anos depois é que soube que em restaurantes chiques de Nova Iorque um prato de formigas torradas era muito apreciado e custava uma fortuna...
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A pelota ou couraça |
No
parque tinha uma área sem árvores, onde jogávamos futebol. As peladas eram
disputadas com bola de borracha ou com bexiga de boi, que pegávamos no
matadouro municipal que ficava ali perto. Raramente usávamos a pelota, uma bola
de couro com um rasgo por onde passava o pito da câmara de ar. Era ali onde
disputávamos boas partidas e que também rolavam brigas de socos.
Certa
vez, jogando a turma do parque contra o time do Bonfim, o nosso “beque” Delmo deu uma “estrompa” no atacante adversário
e iniciaram uma forte discussão, em posição de briga, com os punhos cerrados.
Alguém marcou um traço no chão, entre eles, dizendo que cada lado representava
a mãe do contendor. Ambos pisaram nos
lados opostos, com xingamentos, sem, contudo, iniciarem os sopapos. Então, o
garoto do Bonfim, oferecendo o rosto, caiu na besteira de mandar o Delmo dar o primeiro tapa. Este não
vacilou e mandou um forte soco no queixo do adversário, que caiu sem sentidos.
Aflitos, pensávamos que o garoto tinha morrido. E fomos chamar o Xinoca, experiente jogador do Cruzeiro. Ele olhou a
“vítima” e disse categórico:
“Foi um
nocaute. Tá desmaiado”. Salpicou água
no rosto do incauto, reanimando-o. E tudo voltou ao normal.
Depois
dos jogos íamos tomar banho no poço do Riacho Caiçá, que ficava por trás do
Matadouro. A água era transparente e funcionava como uma grande lupa, com
aparência de poço raso, confundindo os que desconhecessem sua fundura. Com o
movimento dos nadadores o pó do fundo se espalhava, tornava a água um pouco
escura e o resíduo de lama grudava em nosso corpo. Diziam alguns que a lama do
riacho tinha propriedades medicinais. E víamos alguns trabalhadores do
matadouro passando a lama nas axilas para curar a sovaqueira. Mas o que se
propagava na cidade é que no riacho tinha o caramujo vetor da doença barriga
d’água (esquistossomose). Daí a preocupação que os pais tinham em não
permitir que os filhos tomassem banho no Caiçá. Lá em casa, tia Esterzinha
usava um modo singular de saber se tínhamos tomado banho no riacho: passava a
unha na pele do braço para ver se estava impregnada do pó do Caiçá. Caso fosse
positivo o castigo era severo...
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A Sanguessuga |
Outro
lugar que tomávamos banho era o tanque (barreiro) do sítio de Seu Hilário.
Lembro-me da última vez que fui ali, acompanhando meu irmão e primos. Estávamos
alegremente tomando banho quando de repente notei alguma coisa estranha na pele
de minha barriga. Assombrado, gritando e chorando percebi que três imensas
sanguessugas estavam grudadas sugando meu sangue. O escândalo dos meus gritos despertou
a atenção dos demais que vieram ao meu socorro. O mais velho da turma, o Fefeu, disse:
“É sanguessuga, não pode retirar, senão os
dentes seguem nas veias e chega ao coração, matando...”
E vendo meu desespero, tranquilizava-me: - “Fique frio, magrão, aqui mesmo termos a
solução para o problema. Vamos...”
E
fomos ali mesmo na roça de Seu Hilário, onde ele pegou uma folha de fumo, molhou com cuspe e passou levemente
sobre as sanguessugas. Pronto, o remédio foi eficaz, as sugadoras caíram uma
por uma, aliviando-me. Limpei as lágrimas e esbocei um sorriso, quando o galego exclamou:
“- Magro desse jeito, chorão e
perdendo sangue... você não vai se criar!
E
eu respondi, ainda soluçando: “Vou me
criar sim, seu pelanca! E a gargalhada foi geral...
Imediatamente,
o grande Fefeu não perdeu a oportunidade e com seus olhos bem abertos, aprontou
mais uma, gritando:
“-Turma,
corre que lá vem seu Hilário com uma espingarda de tiro de sal!”
Foi
aquela correria, passando com rapidez pela cerca de arrame farpado. Já na estrada,
o lourão, puxando o cabelo de lado, dizia que se enganou. E todos saíam rindo a
vontade...
Eta, tempo bão!
Aracaju,
24/10/2012
Beto
Déda
Mais uma bela história. Agora é esperar algum fato ocorrido no "Chora Menino", que tenho quase certeza que aconteceu!
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