sexta-feira, 20 de dezembro de 2019


Saudades do meu sobrinho...

A dor da saudade açoita minha mente nestes últimos dias. Esta aflição descontrolada me atinge desde a noite do dia 14 do mês em curso, quando ocorreu o passamento súbito do meu querido sobrinho Déda, filho de Maura e Haroldo.

Embora todos nós sejamos conhecidos pelo sobrenome Déda, na intimidade de nossa família somente duas pessoas têm o apelido de Déda. Um era meu sobrinho José de Carvalho Déda Neto, e o outro é meu primo José Albério Déda, filho de tio João Déda/Pequena. Diferenciávamos pelo acréscimo do nome do pai. O meu sobrinho era identificado com Déda de Haroldo e o primo é conhecido como Déda de tio João.

Sempre tive um apego forte com esse meu sobrinho Déda, desde o tempo em que ele era criança.

Uma inesquecível  lembrança: conversando com Déda 
Morei na casa de seus pais quando era estudante. Maura e Haroldo tinham comigo o mesmo cuidado que dedicavam aos pequeninos filhos. Tenho por todos eles um carinho muito grande. Mas, entre eles, o mais apegado era o Déda.

Sem qualquer desmerecimento aos demais, no último contato que mantivemos, ele repetiu o que sempre dizia sem reservas: que eu era o seu tio preferido. E, sem dúvida, havia reciprocidade no que dizia.

O fato é que sempre estivemos juntos, participando os grandes momentos da família e alegrando as conversas com fatos chistosos vividos por nossos ancestrais.

Não esqueço os tempos em que ele, ainda jovem, passava as férias em minha casa, em Simão Dias. Foi logo depois de uma dessas férias que eu presenteei-lhe com uma bicicleta, que tinha uma particularidade: era dobrável e cabia no meu fusca azul (antigo carro Volkswagen) o que facilitava o transporte. 

Um ponto curioso que sempre me recordo é que, no dia que fui pegar a bicicleta, o vendedor fez a propaganda da parte dobradiça, com uma fala mansa e engraçada, dizendo: - Veja a qualidade especial do ‘galfo’.  O interessante da fala do comerciante  é que a dobrável de Déda passou a ser chamada, por ele mesmo, em tom de gozação, como a magrela do “galfo” torto.

Depois de sua formatura em Odontologia, ele foi servir à Marinha como oficial dentista, esse foi seu tempo como o Tenente Déda. Serviu em Salvador e, embarcado, andou pelos mares em volta ao mundo. Contou-me que em um determinado porto, animou-se para fazer uma tatuagem. Foi aconselhado pelo capitão do navio a não fazer. Os argumentos do comandante lhe convenceram, mas sempre estava a lembrar de seu interesse pela tatuagem.
Déda quando era marinheiro (Tenente Déda)

Realizado seu período na Marinha, voltou à sua atividade como odontólogo em Aracaju.

Déda era um liberal, gostava muito de ler e costumava me presentear com bons livros, quer no meu aniversário ou nas festas de Natal. Os seus mimos sempre vinham com dedicatórias carinhosas.  Há poucos meses me deu um presente singular: um DVD com o filme “AMARCORD”, de Federico Fellini. O título do filme corresponde à expressão italiana “io me recordo” (eu me lembro). Na capa do DVD, ele escreveu: “Para tio Beto, nosso contador de história.  Déda, Edvane e filhos”.

Meu sobrinho adorava a vida e pouco antes de sua partida eterna, ele dizia com amargura que não queria nos deixar; ainda tinha muito a fazer.

Não obstante a dor da saudade, o importante é lembrar os momentos felizes que participamos juntos. Mas o problema é que as lembranças aceleram meu coração e as incontroláveis lágrimas ao fluírem em meus olhos, embargam os pensamentos. 



Que o nosso querido Déda descanse em paz, mas que sua lembrança continue alegre e imortal em nossos corações.

Aracaju, 20/12/2012
BETO DÉDA

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019


O aumento de preços, a exclusão social e as lembranças do humor de meu pai.





Como sempre acontece, às segundas-feiras eu não vou ao Lago Dourado. Passo o dia em Aracaju, cuidando de assuntos diversos.  É quando também reservo um tempinho para visitar as livrarias da cidade.

Nesta semana fui comprar, a pedido de minha neta, o livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. E na livraria, deparei-me com uma oferta especial, por preço mínimo, de um exemplar da sétima edição de “O Capitalismo Global”, de Celso Furtado.   Não vacilei em mexer no bolso para adquiri-lo. Foi uma boa oportunidade para reler o pensamento do grande mestre, expresso no final dos anos 90.


Naquela época, Celso Furtado já esclarecia que os grupos que mais se beneficiam com tal política de acumulação de capital também tinham o maior peso político; fato que determina a prevalência da lógica econômica que eles desejam.

Defendia ele que a política econômica deveria adotar como objetivo estratégico o mercado interno, ressaltando os interesses da população. E neste ponto, afirmava que “o componente principal do mercado interno é a massa salarial”. 


Segundo ele, os efeitos da globalização descontrolada são devastadores, especialmente quando se coloca a competitividade internacional como objetivo principal, ao qual tudo se subordina. Assim é que, sem um controle adequado, priorizando as exportações e entregando as empresas nacionais aos investidores estrangeiros, determina-se a instabilidade econômica e  instala-se uma dependência similar à da época pré-industrial.

Ao afirmar tais ponderações ele faz uma ressalva de que “só por ignorância ou má-fé pode se confundir essa opinião como a prédica tradicional do fechamento da economia”.

Reconhecendo que a força da concentração de poder das grandes empresas é uma realidade da globalização, sugere uma participação ativa dos governos, de modo a controlar a atuação do mercado, preservando sempre o interesse da população.

A verdade é que o texto do Prof. Celso Furtado apresenta-se atualizado. E contradiz a política governamental  que se adota hoje em nosso país, que penaliza a população de menor poder aquisitivo,  e privilegia a elite nacional e o mercado internacional.

O que presenciamos é a alienação de empresas públicas, conquistadas com muito sacrifício pelo povo, e a redução, acintosa, de direitos dos trabalhadores, com o agravamento da exclusão social.

O leque de medidas extremas adotadas pelo governo parece pretender testar até onde brasileiro pode suportar. A loucura expressa nos atos dos governantes, na área econômica, ou mesmo no nos atos e declarações absurdas de seus representantes, coloca em cena, diariamente, um festival de impropérios que, não tenho dúvida, faria parte do famoso e antigo “FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País)”, do Stanislaw Ponte Preta, se vivo ele estivesse.

E ao pensar nos problemas de hoje, especialmente os descontrolados aumentos do custo de vida  que atingem a grande classe trabalhadora, lembro o bom humor de meu saudoso pai que, com um canivete na mão, transportava para uma prancha de madeira a charge (Piada da Semana) que era divulgada em seu jornal, denunciando a elevação de preços de produtos básicos.

 
Sem deixar de lamentar e protestar contra os absurdos da atualidade, buscando um refrigério para aliviar nossas amarguras, a sugestão é apreciar as antigas piadas do jornal “A Semana”, que fazia humor e denunciava a política econômica adotada pelos donos do poder, em plena ditadura, que era citada como "Revolução Gloriosa de 64".  As semelhanças entre ontem e hoje são preocupantes e devastadoras para os menos favorecidos.

E o pior é que tem muita gente que torce pelo retrocesso. 



As xilogravuras de Carvalho Déda, publicadas no jornal "A SEMANA" - em Simão Dias (SE):

O aumento do preço da carne e a charge no Jornal "A Semana", em 03/02/1968






"Na passarela da carestia, até a galinha faz pose" - Charge de 12/06/1965





"O 'sr' feijão criou asas e voou... subiu alto...  -  17/04/1965






"O aumento do preço da gasolina"  -  23/05/1964.


"Enquanto nos Estados Unidos e na Rússia os astronautas sobem em foguetes espaciais e descem trazendo novidades dos céus , aqui no Brasil é a gasolina que entra na órbita e vai subindo...subindo... sempre subindo..." Em 27/03/65.


"A Revolução: - Aguenta mais um pouquinho, minha 'gente', pra ver como fica...  - 16/01/1965





Aracaju, 08 de dezembro de 2019.
BETO DÉDA

segunda-feira, 25 de novembro de 2019


Participando da emoção do meu neto e cantando o hino do Flamengo.


Neste último fim de semana, ao comemorar o aniversário de meu neto Miguel, relembrei emoções esportivas,  ao observar a calorosa torcida do aniversariante, comemorando  o grande feito  do Flamengo, que conquistou dois grandes troféus: no sábado,  o bicampeonato da Copa Libertadores das Américas, e, no domingo, ao ganhar – antecipada e merecidamente –  o Campeonato    Brasileiro pela sexta vez.

Nos dias atuais tenho evitado grandes emoções e evito acompanhar os jogos de futebol. Mas não deixei de ser flamenguista, confirmando o hino Rubro-Negro: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”.

Com estas vitórias, o Flamengo repete o desempenho do Santos, no tempo de Pelé: campeão no mesmo ano em duas disputas importantes: Copa Libertadores e o Campeonato Brasileiro.

A verdade é que a alegria de meu neto me transportou para o passado e me fez reviver a emoção de garoto nos anos 50, quando comecei a torcer pelo Flamengo e acompanhava as disputas do campeonato carioca, nas tardes de domingo, no Bar de Abel, em Simão Dias, através da rádio Nacional.


Hoje não sei o nome dos jogadores do time, com exceção do Gabigol, muito mencionado por meu neto. Mas ainda tenho na memória o timaço que foi tricampeão carioca, em 1953, 1954 e 1955, comandados pelo paraguaio Fleitas Solich. Notem que naquele tempo, como hoje, o técnico não era brasileiro. E faço questão de mencionar, aqui, o elenco – que sei de cor e salteado, como se dizia antigamente em nossa terra – : Garcia, Tomires e Pavão, Jadir, Dequinha e Jordan, Joel, Rubens, Índio, Evaristo e Zagallo.
Time do Flamengo em 1954


Foi na alegria do título que surgiu, em 1955, o Samba Rubro-Negro, de Wilson Batista em parceria com Jorge da Costa, que em um de seus versos fazia uma homenagem aos ídolos de então: “O mais querido tem Rubens, Dequinha e Jordan...”.

Tempos depois, lá pelos anos 80, o Mengão voltou a brilhar com força e o samba homenageou outros craques: “O mais querido tem Zico, Adílio e Adão...”.

Naquela época, pregávamos nas paredes da oficina do jornal “A Semana”, diversas fotos do grande time, como esta que apresento aqui. Todos que trabalhavam no jornal eram flamenguistas, com exceção de tio Sininho e de meu irmão Artur, que torciam pelo Vasco.

Mas voltemos às comemorações atuais.

Ao entardecer do último sábado, depois do jogo, e no dia seguinte, compartilhei a alegria do meu neto. Em tempos difíceis como vivemos atualmente, grande parte do nosso povo se alegrou e brincou desfraldando o manto sagrado Rubro-Negro, símbolo da maior torcida do mundo, comemorando, em dias seguidos, dois importantes campeonatos.



E é bom saber o significado do grito de gol acontecer nos últimos momentos do jogo, fato que representa o espírito de luta do nosso time. O que confirma a letra do hino: “Flamengo, Flamengo sua glória é lutar”!

Parabéns meu neto, pelo seu aniversário no dia 23, e pelo presente sensacional que lhe foi dado pelo nosso eterno Flamengo. E não devemos esquecer o que diz o hino do nosso grande campeão:

       “Vencer, Vencer, Vencer!
         Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer!”.

Aracaju, 25/11/2019
BETO DÉDA

quinta-feira, 21 de novembro de 2019


O livro de Tonho de Liminha.

Nos tormentosos dias atuais – em que o país sofre uma interferência perversa de um governo que fomenta o ódio, sem freio na língua e nos atos, – o melhor mesmo é lembrar os bons tempos passados, e até  mesmo os do início deste século, quando não se tinha medo de ser feliz.


E para nos ajudar a fugir da loucura que vivemos nestes tormentosos dias, quem nos vem acudir é o conterrâneo Amaral Cavalcante, grande poeta e cronista da Academia Sergipana de Letras, conhecido em nossa terra como Tonho de Liminha, com o lançamento do seu novo livro “A VIDA ME QUER BEM”.


Em seu livro, Tonho seleciona algumas crônicas de sua vasta coletânea, recordando fatos de sua vida, entre os quais os bons tempos de sua juventude em Simão Dias.

Há muito tempo que leio nos jornais e no Facebook os seus interessantes textos. Hoje, com o lançamento do livro, releio com alegria seus escritos escolhidos. E me delicio, relembrando as pessoas de nossa terra por ele comentadas.

 Lembro todas elas e ouso mencioná-las aqui: seus pais, Dona Corina, que fazia ótimo licor, e Seu Liminha, o técnico de nosso time mirim  de futebol; seu irmão Zé Nery, bom companheiro de brincadeiras e o capitão de nosso time no campinho logo abaixo da ladeira de Roque Boca Preta; seu tio Valério do Bar, que fazia bons refrescos de goiaba e picolé nas salmouras da sorveteria; sua engraçada tia Anete; seu primo Carlinhos de Valério, que se tornara um craque de futebol;  Candhão, Padre Mário Reis, Joana Doceira, Seu Oscar da Padaria, Seu Juca Matos e seu sítio com muitas frutas; Seu Cipriano, sua bodega e seus filhos Dalmo e Damares; meu pai Zeca Déda e o jornal A Semana; Seu Pedro Valadares e o vapor de descaroçar algodão; Seu Juca do Abrigo, também conhecido como Juca Cotó, porque perdera um braço ao estourar uma bomba de breu; Seu Didi da Marinete; Seu Tibúrcio e as irmãs Concita, que fazia maniçoba, e Nanã Pumpum, que tinha a doença do “toque”, e andava nas ruas escolhendo onde pisar; Bida da camioneta da Prefeitura; Seu Zé do Arroz; Seu Antônio Borges do Cine Brasil; Hernane, o famoso artista Terry Dymm; João Broco que tinha uma bodega e vendia lousa ou pedra de escrever e também os lápis de pedra; Dr. Celso e  D. Bertildes, a Fazenda Mercador e o escritório eleitoral.  

Toda essa maravilhosa gente, mencionadas em suas crônicas, sempre pontuadas com o seu toque especial de poeta.

O lançamento do livro ocorreu há poucos dias, em concorrida noite de autógrafos nos salões da Sociedade Semear, aqui em Aracaju. Estive lá,  e obtive o precioso autógrafo do imortal simãodiense.

Amaral Cavalcante (Tonho de Liminha) e Beto Déda (Beto de Zeca Déda)
 

“A VIDA ME QUER BEM” é um livro que deve ser lido pelos conterrâneos que apreciam uma boa leitura e gostam das lembranças da terra.

Aracaju, 21/11/2019
Beto Déda

segunda-feira, 16 de setembro de 2019


UM HERÓI SIMÃODIENSE

Nos anos quarenta, alguns jovens simãodienses se alistaram no Exército Brasileiro e participaram heroicamente da Segunda Guerra Mundial, demonstrando coragem e heroísmo.

Para os que gostam de histórias de Simão Dias e para que não esqueçam dos que lutaram contra o nazifascismo, defendendo a democracia, repasso aqui um artigo escrito por meu pai, publicado na edição de 09.03.1947, do jornal A Semana, em que comenta a visita do jovem JOAQUIM OLIVEIRA CRUZ, um heroico conterrâneo, que participou ativamente da Segunda Guerra Mundial.

O pracinha Joaquim Cruz nasceu  no povoado Lagoa Seca, de nosso município, e participou  com muita coragem e heroísmo da Força Expedicionária Brasileira (FEB), no famoso “Regimento Sampaio”, que lutou na Itália, em defesa da democracia. 
  
Ao repassar, aqui, o artigo “Mutilado da Grande Guerra”, acredito que estaremos renovando a homenagem feita por meu pai, em 1947, ao ilustre simãodiense que teve participação ativa  e sofrida, lutando com coragem e heroísmo contra o nazifascismo e o preconceito  dos que odiavam a democracia.

Vale a pena ler.

 Aracaju, 16/09/2019
Beto Deda

...

MUTILADO DA GRANDE GUERRA

(‘A Semana’entrevista um autêntico herói simãodiense)

                                  Escreveu Carvalho Déda, em 1947.

 No sábado passado esteve em visita a nossa redação, em companhia de seu irmão Gabriel Oliveira Cruz, o nosso conterrâneo JOAQUIM OLIVEIRA CRUZ, filho do benquisto agricultor João Francisco da Cruz, residente em Lagoa Seca, deste município.

O jovem Joaquim Cruz vem de regressar dos Estados Unidos, onde permaneceu um ano, em tratamento de saúde num dos melhores hospitais do mundo, por ter sido gravemente ferido na Itália. Tendo assentado praça na Bahia em 1943, como voluntário, foi logo transferido para São Paulo, donde seguiu para o Rio de Janeiro, embarcando dali para a Itália como parte integrante do segundo escalação da F.E.B. que constituiu o famoso “Regimento Sampaio”.

O nosso herói, além de outros ferimentos recebidos no fronte de batalha, teve sua perna esquerda completamente esfacelada, sendo amputada acima do joelho. Nos Estados Unidos foi submetido a cinco delicadas operações. Deram-lhe finalmente uma moderníssima perna mecânica que lhe permite andar, pular e até dançar! É um maravilhoso trabalho, produto da inteligência norte-americana.  

Fizemos algumas perguntas que nosso distinto visitante respondia sorridente.

Que tal a guerra?

-Briguei um bocado bom, antes de ser ferido.

Tomou parte da batalha de Monte Castelo?

- Sim; com o pessoal valente do “Regimento Sampaio”, tomei parte em todos os ataques àquela infernal posição inimiga, até que a mesma rendeu-se ante a nossa disposição de aniquilá-la de qualquer forma. De Monte Castelo saí incólume, mas em Belvedere e ... – aí o nosso amigo passou a mão sobre a perna mecânica e continuou: - Vou contar: pertencia a companhia comandada pelo bravo Capitão Iêdo, quando no dia 15 de março tivemos ordens de fazer um reconhecimento arriscado. Avançamos. Fomos pressentidos pelo inimigo que nos castigou ferozmente, obrigando-nos a um recuo. Nesse recuo, debaixo de uma chuva de ferro e fogo, caímos em um campo de mina. Um soldado que marchava ao meu lado pisou em uma mina e com a explosão da mesma o desditoso soldado teve morte imediata. Um outro companheiro foi também ferido e eu... Nem sei que fim  levou minha perna de carne! Recebi vários ferimentos e fui logo removido para o primeiro posto de saúde avançado, onde recebi os primeiros curativos, sendo removido daí para o nosso Hospital do Sangue, recuado, localizado em Pistoia; daí fui transportado para os Estados Unidos, onde permaneci até agora, esperando que me fosse adaptada uma perna de alumínio e concluir o treino necessário ao uso da mesma. Estou satisfeito, porque servi ao meu Brasil.

Que tal a gente americana? Perguntamos ainda.

- Ah! respondeu-nos o jovem mutilado – que gente boa! Que dedicação de todos para com os brasileiros!

Fizemos ainda uma última pergunta – qual a sua situação no Exército?

- Volto na próxima segunda-feira ao Rio, onde se processa minha reforma por invalidez, no posto de 3º sargento, mas com os vencimentos de 2º. Estou informado que a Legião Brasileira de Assistência (LBA) dentro em breve me fará entrega de uma casa residencial no valor de 60 mil cruzeiros, na cidade de minha preferência. Pretendo residir na Bahia onde residem parentes meus. Voltarei aqui somente para rever meus pais e irmãos, e também os bons conterrâneos.

O herói despediu-se e saiu pisando firme como qualquer cidadão válido.”

  (Escrito por Carvalho Déda e publicado no jornal “A Semana”, edição nº 27, em 09/03/1947).



quarta-feira, 28 de agosto de 2019



Simão Dias e as rumbeiras do circo.
O boato de ontem: tal e qual o “Fake News” de hoje.

Muitas são as histórias curiosas sobre os circos que passaram por minha terra natal. Algumas delas são fatos que realmente aconteceram e ficaram marcados em minha memória.

Era comum, naquela época, nossa cidade ser visitada por circos de grande, médio e pequeno porte. Já comentei por aqui a passagem do Circo Nerino, com deslumbrantes espetáculos ainda hoje lembrados por conterrâneos que viveram aqueles dias.

Nesta semana lembrei-me, e comentei com pessoas próximas, um causo que aconteceu com um pequeno circo que armou sua gasta empanada no bairro Bonfim de Baixo, na antiga Praça Nicanor Leal, nas proximidades do local onde hoje tem uma quadra de futebol de salão. Foi um acontecimento chistoso envolvendo esperteza e malícia do homem encarregado da propaganda do circo.

Com uma modesta lista de espetáculos, a grande atração do circo era a apresentação de rumbeiras.  As garotas sabiam realmente dançar a rumba e mostrar seus dotes físicos usando os trajes exigidos para demonstrar o acentuado sensualismo do ritmo da dança afro-cubana.

Uma das rumbeiras cativava os pensamentos dos jovens simãodienses, não só pelo trejeito na dança, como também por sua sensualidade, sua beleza morena, brejeira, de coxas roliças, quadris proporcionais, bunda maravilhosamente saliente e busto escultural. Era uma daquelas beldades de deixar o queixo caído até o do mais presunçoso dos jovens daquela época.

A verdade é que, nos primeiros dias, aquele circo recebeu uma razoável plateia. Mas no final do sexto espetáculo, o gerente financeiro circense percebeu que a reduzia grana que ficava na bilheteria não justificava a continuidade dos trabalhos em nossa cidade. O número de espectadores se reduzira a um minguado grupo de admiradores das rumbeiras e aos garotos que tinham entrada franca por acompanharem o palhaço pelas ruas da cidade, batendo pedras e fazendo coro aos anúncios das atrações de cada espetáculo. Um fracasso inconteste.

Para realizar a última apresentação, o responsável pela divulgação do circo bolou uma estratégia sórdida, ardilosa mesmo, de modo a proporcionar a presença de um considerável público e de abarrotar a bilheteria com grana fácil. Seu plano era divulgar um boato chamariz para reforçar as gavetas da bilheteria. Planejava uma mentira a ser divulgada boca a boca para estimular a presença dos espectadores; tudo nos moldes que os patifes usam hoje nas redes sociais e foi utilizado nas eleições para Presidente da República em 2018, com a denominação de “FAKE NEWS”, expressão em inglês que em tradução livre significa notícia falsa.

Pois bem. Apresentado com detalhes, o plano foi aprovado e posto em prática na antevéspera do prematuro encerramento das apresentações do circo. O embusteiro procurou os pontos principais da cidade, onde os boatos tomavam tamanhos e se espalhavam pela cidade: no entorno das mesas de sinucas e nas cadeiras de espera das barbearias. Justo naqueles locais, ele aproximou-se de conhecidos boateiros e deu a entender que o último espetáculo do circo seria exclusivamente para homens, porque as rumbeiras apresentariam um show especial. Coisa bonita, sensual e só pra homem ver.

Foi um prato feito para os que apreciavam a divulgação de boatos.

(E aqui eu faço uma pausa e indago aos meus botões: - Quem eram eles? Os boateiros... Quem? Quem? Deixa pra lá!)

O plano deu certo. A notícia do show especial para homens se propagou com a velocidade do vento. Logo era o assunto principal das centenas de operários nas fábricas de calçados da cidade – que não eram poucas – a Sidon, de meu tio Paulo Déda, a Marise de Jason Gois, a Elenalda de Juca Baeta, a Saturnino de Seu Zezé, a tenda de Seu Zé Cágado e outras casas de fabrico de sandálias chiquitas. Do mesmo modo aconteceu nas alfaiatarias, entre os comerciários, os funcionários públicos e também outros trabalhadores da Rua da Feira. E todos falavam e imaginavam que a principal rumbeira iria se despir lentamente, peça por peça, enquanto dançava, de modo a deixar o pessoal boquiaberto, babando.

À tarde do dia da apresentação, o palhaço saiu às ruas anunciado as conhecidas atrações, inclusive evidenciando os encantos das rumbeiras, sem, contudo, expressar qualquer novidade sobre o que aconteceria no palco, nem sobre restrições à entrada do circo. Mas, pelo tom que evidenciava a atuação das dançarinas, deixava a entender que os boatos tinham um lastro de verdade.  

O fato é que naquele dia o circo esgotou os ingressos, com a plateia constituída exclusivamente por homens. Não ficou uma cadeira vazia e, nas pranchas da geral, cada lugar foi disputado aos empurrões. Muitos rapazes preferiram ficar em pé, procurando um local próximo ao picadeiro.  Estavam ávidos para apreciarem a nudez da bailarina.

Começou o espetáculo com as apresentações de estilo. Logo depois, quando chegou a hora das rumbeiras e todos esperavam o monumental stripetease, o gerente do circo apareceu no palco e com a postura de contrariedade, pegou o microfone e iniciou um discurso penoso, dizendo-se surpreendido com aquela plateia exclusivamente masculina e que soubera que um desairoso boato tinha surgido na cidade, indicando que as rumbeiras se apresentariam desnudas. E com a cara de choro, dizia-se vítima de um atentado e escarneceu da leviandade. Com eloquência, afirmou que tinha sido covardemente apunhalado pela maledicência, vez que o circo era sua família e as rumbeiras, suas filhas.

- Nunca – disse ele - nunca mesmo permitiria tal aviltamento e baixaria no espetáculo circense, que era seu lar. 

Então, com a cara mais deslavada do mundo, pedia compreensão da plateia para a “infâmia” divulgada por fofoqueiros!!!

E foi aplaudido com palmas e assobios, iniciadas por um ajuntamento de ajudantes (mata-cachorros) do circo, que se meteram no meio da plateia. Tudo então correu como programado.

E as rumbeiras apresentaram a dança rebolando e ouvindo os aplausos da galera enganada.

Não demorou muito e logo surgiram os apupos (vaias com gritos) de grande parte dos espectadores, liderados pela turma de um rapaz forte, conhecido pelo apelido de “Fedô Horríve, que transportava mercadorias para as barracas da feira. Inconformado por ter sido enganado e puto da vida por não presenciar a nudez da famosa artista, ele gritava – e era acompanhado por sua turma rebelada – repetindo um slogan conhecido, já adotado em situação de engodo em casa de distração de nossa cidade:

- “Meu dinheiro está no fogo e o gerente do circo é um manhoso!”

Aracaju, 27/08/2019.
Beto Déda

quinta-feira, 27 de junho de 2019


Tardes de verão e o açude de Simão Dias...

Neste último final de semana, ao ler minhas lembranças sobre o campinho de peladas próximo à Ladeira de Roque e de minhas façanhas na ponte de Mário de Eliseu, uma de minhas queridas sobrinhas me fez uma indagação importante:

- “Então, tio Beto, suas brincadeiras de garoto não ficavam circunscritas à Praça de São João?”

Pensei um pouco antes de responder, avaliando o alcance da pergunta da graciosa sobrinha e me lembrei de outra indagação que me fora feita pela Professora Judite, diretora do Ginásio Jackson de Figueiredo, daqui de Aracaju, no final dos anos 50.

Em uma das férias de fim de ano, D. Judite e Professor Benedito foram passar uns dias em Caldas do Jorro, uma estância hidromineral baiana, no município de Tucano. E na viagem de volta passaram por Simão Dias, logo depois da hora do almoço, no início de uma tarde quente de verão, quando a cidade apresentava aquele aspecto de sonolência.

Era justamente nesta hora que as ruas ficavam quase desertas, porque o calor provocado pelo sol forte forçava as pessoas ficarem em casa: os mais velhos procuravam um local mais ventilado para uma tranquila madorna em uma rede ou cadeira preguiçosa; enquanto os mais jovens se dedicavam a brincadeiras que não perturbassem o sossego dos que descansavam.

O fato é que os professores ficaram curiosos, estranhando as ruas estreitas e desertas que davam à minha cidade um aspecto de sonolência e tristeza.

Então, quando começou o ano letivo, D. Judite falou-me que tinha conhecido minha terra e fez-me uma indagação mais ou menos nas seguintes palavras:

- Passei por sua cidade, olhei a quietude das ruas estreitas e fiquei a pensar na triste monotonia daquele povo. Como e onde vocês se divertem ali?

Olhei bem para ela e para o Professor Benedito, que estava ao lado, então respondi – usando o palavreado simples de garoto, repetindo uma lição que recebi de meu pai – que as pessoas do interior, diante das dificuldades, usam sempre a imaginação para se divertir e descobre um montão de brincadeiras em coisas simples, transformando tudo em alegria, sensação que sobeja nos meninos e meninas de minha terra. Aliás, uma primazia que se estende a todos que vivem no interior.

Os saudosos diretores trocaram olhares esboçando um alegre sorriso, daqueles que nos animam por parecerem elogiar. E balançaram a cabeça a indicar que concordavam com o que dizemos. Esta passagem permanece em minha mente até hoje.

Contei este fato a minha sobrinha, para justificar que embalados pela criatividade eu e meus colegas espraiamos nossas peraltices por toda a cidade. Certamente a maioria das recordações abrange a Praça de São João e os arredores da Rua dos Ribeiros, local da residência de meus pais e onde nasci.

Mas é bom esclarecer que a Simão Dias de meus tempos de criança não era tão grande. Basta lembrar que alguns lugares que naquela época eram matas e pastagens, onde caçávamos passarinhos, pescávamos lambaris e colhíamos frutas, hoje são bairros residenciais.

Procurávamos diversão em todos os cantos: na cidade e seus arredores.

Nas manhãs dos domingos de verão, depois de disputarmos uma boa pelada no gramado José Barreto, no Bairro Bonfim, íamos até o açude tomar banho em um poço que denominávamos “Mariquita”, que ficava em lado oposto ao local onde as lavadeiras trabalhavam.



No açude, junto ao paredão que represava a água, tinha uma cobertura com bancas para lavagem de roupas. Naquele tempo as lavadeiras pegavam as trouxas de roupas nas casas das famílias para lavarem no açude.  À noite, era comum ver as lavadeiras passarem pelas ruas da cidade equilibrando grandes trouxas de roupas na cabeça.

Na época não existia água encanada e os reservatórios (porrões) não davam para lavar as roupas em casa. Os porrões eram abastecidos com água do Açude e do Tanque Novo, fornecidas por aguadeiros que guiavam comboios de jegues, transportando água em barris ou grandes latas de querosene (marca “jacaré”).  Lembro-me de um dos aguadeiros que conduzia os jegues solfejando músicas conhecidas. Se não me engano era chamado de “Aguadeiro Corró”. Ele fazia isso soprando uma folha da planta fícus benjamina entre os dentes. Assoviava e musicava admiravelmente. Era um moço negro, baixo, gordinho, que causava simpatia e admiração. A garotada tentava imitá-lo usando a folha de fico na tentativa de assoviar.

Recordo-me também da época do ano que vicejavam as frutinhas araçás mirins nas terras que margeiam o açude.  Era o tempo em que a garotada, meninos e meninas, nas tardes de domingo, íamos até o açude colher as frutas miúdas e amarelinhas.



A diversão era saborear as gostosas araçás e juntá-las em pequenas capangas ou em cestinhas de vime.

Lembro-me ainda de uma garota travessa e criativa que, não tendo a vasilha para colheita, usava a própria saia para acondicionar as frutinhas.

E ao segurar a saia suspensa em forma de saco, notando que estávamos observando seus movimentos, ela fingia que não nos via e elevava graciosamente a saia, de modo a deixar aparecer suas roliças coxas.  

Era um espetáculo lindo e inesquecível. E não faltavam os sonoros assobios:  fiu...fiu!  

Aracaju, 27/06/2019
Beto Déda