terça-feira, 11 de dezembro de 2012


O Natal em Simão Dias, o Papai Noel e aprendendo a não apostar.


O desengonçado Papai Noel
O mês de dezembro é mágico, tem significados encantadores, despertando o amor e nos dando força para expandir alegrias. É o tempo de permitir que a imaginação tome conta da gente. E eu deixo a barba crescer e transformo o vovô/tio Beto em um desengonçado Papai Noel para levar um pouco de alegria aos meus netos, sobrinhos e a meninada da vizinhança do Lago Dourado. E isto me faz sentir feliz. Então, deixe-me contar essa: no último Natal, ouvi de uma criança dos arredores de meu sítio uma frase encantadora. Disse ela, apontando-me: - Olha, Papai Noel existe mesmo! Lá está ele! E rindo, externou uma alegria tão espontânea que me contagiou com sua linda emoção. São fatos que me estimulam a usar o mágico uniforme vermelho. 

Lá pelos anos cinquenta, em Simão Dias, a garotada conhecia que estávamos no mês de dezembro ao perceber o florido amarelado das acácias existentes no quintal do bangalô de Seu Pierre ou na Praça de São João.  Era o tempo encantador do Natal e da crença em deixar os sapatos juntos, ao lado da cama, para o bom velhinho ali pôr o presente esperado. E eu acreditava nisso. Daí a minha grande decepção ao saber que aquilo era estória para enganar menino bobo.  Então eu fui um bobão. Mas... Que se danem! Fui um bobo feliz acreditando no bom velhinho. 

 Foto da garotada em um  Natal dos anos 50
Na tarde do dia de Natal, meu pai reunia os filhos, netos e sobrinhos lá em nossa casa. Ele tirava fotos e depois distribuía moedas novinhas, em partes iguais, para nos divertirmos na Rua da Feira. Naquela época a festa do Natal era comemorada no largo da feira, onde se concentravam os bazares de Seu Cícero e de Inês/Lélia, o carrossel de cavalinhos de Seu Messias, a Onda e o grande Balanço de Seu Raimundo, além das barracas de arroz-de-galinha, de confeitos de castanha em forma de barcos e sobrinhas em papel colorido, os jogos de roleta e barrufo. E tinha também o quebra-queixo de seu Antônio e a amorosa (uma espécie de refresco de maçã) do Zé Pretinho, que chamava os fregueses gritando: “Ói a amorosa!” E apontando para a garrafinha, dizia: “É cheia... é cheia e é só quinhentos réis...”

Daquela festa de largo vem a lembrança inesquecível do som forte e fraco da sanfona e do pandeiro que ia e vinha, se distanciando e aproximando, de acordo com as voltas do carrossel e a posição do vento. E tinha o cheiro inconfundível dos fifós (candeeiros) de carbureto.
Woody Strode que parecia com Braúna

Outra lembrança marcante era o grande Balanço de Seu Raimundo. Cabiam mais de quinze crianças e o balançar era seguido de muito empurrão e gritos de alegria. O encarregado de balançar manualmente era um senhor moreno, muito forte, que pitava um engraçado cachimbo. Chamava-se Seu Braúna, era parecido com o ator hollywoodiano Woody Strode que atuava com John Wayne em faroestes dirigidos por John Ford ( O homem que matou o facínora).    

Recordo-me que certa vez, logo ao chegar na Rua da Feira tive a curiosidade de jogar barrufo, pensando em aumentar meu cabedal. Apostei uma moeda e ganhei outra. Estimulado, joguei mais e também ganhei. Logo depois comecei a perder. E passei a jogar pensando em recuperar as moedas perdidas. Não restou nada, fiquei “quebrado”. Ainda era o começo da tarde e não me restara um só centavo para a festa que começava. Então, pensei em pedir mais moedas ao meu pai, que tinha uma sacolinha cheia de quinhentos réis. E lá fui eu ao escritório que, naquela época,  ficava na Rua dos Ribeiros em uma casa que era do Seu Hilário. Em resposta ao meu pedido, o velho fez outra indagação: onde gastara tão rápido as moedas que ele tinha me dado? Respondi: “- Pensando em ganhar mais, joguei no barrufo e perdi tudo!” Então recebi uma lição inesquecível: - Nada de outras moedas e aprenda: jogo nunca mais!

Naquele Natal minha salvação foi o tio Sissi. Fui até a Prefeitura, onde ele trabalhava, e exclamei com a mão estirada, de pedinte: “-Minha bênção, tio Sissi”. Ele rindo, olhando para minha mão pidona, me abençoou e me deu  moedas suficientes para andar no balanço de Braúna, comer arroz de galinha, tomar amorosa e comer confeitos de castanha. E passar ao largo das bancas de barrufo, lembrando a lição importante do meu bom pai: Jogar apostado, nem pensar!

Aracaju, 11/12/2012

Beto Déda

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


Por que eu voltei a  chorar... (Una  furtiva lagrima).
 
 

 

Estava neste momento ouvindo Pavarotti interpretar "Una furtiva lagrima", uma ária do último ato da ópera L'elisir d'amore do grande Donizetti, quando senti uma lágrima sombria umedecer meus olhos. E embora estejamos em dezembro e meu nascimento não tenha ocorrido no mês que se comemora o Natal, lembrei-me do que me contaram do dia em que apareci neste mundo. Diziam meus pais que eu nasci às dez horas do dia 25 de maio de 1941, na Rua dos Ribeiros, em Simão Dias. Este “grande” acontecimento foi registrado em Cartório, em certidão que teve como testemunhas os Srs. Marcos Ferreira de Jesus e Inocêncio Nascimento.


O couraçado Bismarck em chamas.
Naquela época o mundo estava envolvido em sangrenta guerra e, justo naqueles dias, desenrolava-se a batalha naval iniciada no Estreito da Dinamarca, em que a esquadra inglesa atacou e, dois dias depois, afundou o encouraçado Bismarck, que era o orgulho da marinha alemã comandada por Hitler. Talvez o horror por que passava a humanidade tenha retardado meu despertar para o mundo em sangrento conflito. O certo é que, ao nascer, demorei a expressar o sinal de vida, que é o choro normal das crianças quando aqui chegam.

Lembro-me agora, com saudade, de minha querida mãe embalando-me em seu colo, consolando-me de um dos meus choros inconsequentes. Eu já tinha noção da vida. Então, ela comentava que não entendia aquela minha reação efusiva em lágrimas. Argumentava que aquele procedimento não se ajustava ao que acontecera na manhã chuvosa daquele domingo do mês de maio, quando eu vim a “este vale de lágrimas”. E contava-me os detalhes. Eu nascera sem demonstrar sinal de vida. A simples palmada na bunda não me fizera chorar. Aflito com aquela situação, meu pai resolveu fazer ruído junto ao meu ouvido, batendo com um garfo em um prato, para me despertar. Foi o santo remédio, dizia ela, lembrando que eu abri os olhinhos pretos e comecei a chorar. Com esse precedente, argumentava ela, esperava-se que eu fosse um garoto resistente ao choro. Assim, não dava pra se entender porque eu sempre estava me esvaindo em prantos.

A verdade é que a minha reação retardada no dia do nascimento foi compensada depois, porque passei a chorar compulsivamente diante de qualquer dificuldade. De tal forma era meu choramingar que sempre estava sendo repreendido por meus pais. E fui sendo educado a controlar minhas emoções. Lembro-me, como se fosse hoje, o dia em que vendo minha mãe tentando consolar meu choro, meu pai disse-lhe: “Deixa chorar, é bom para os pulmões!”. E em seguida, fitando-me nos olhos orientou-me a controlar minhas emoções. Dizia ele que tinha “a caixa de sentimentalismo hermeticamente fechada para umas tantas coisas”, mas isto não significava que não tinha sentimentos. E acrescentava que também tinha seus momentos de emoções em que as lágrimas se rebelavam e desciam molhando seu rosto. Mas que se controlava e não deixava transparecer. E recomendava-me: - Controle suas emoções, filho!

De tanto ouvir aquelas observações passei realmente a controlar meu irritante choramingar. Assim é que minhas glândulas lacrimais secaram por um longo período. 

O choro contido só veio a me atormentar tempos depois, no meu primeiro dia como estudante interno do Colégio Jackson de Figueiredo, aqui em Aracaju.  Em nossa cidade, até o ano de 1957 não existia curso ginasial, então os garotos que concluíam o primário teriam que continuar os estudos aqui em Aracaju. Aprovado no curso de Admissão, um vestibularzinho que era exigido naquela época para se ingressar no ginásio, iniciei meus estudos como interno no Jackson de Figueiredo. No dia que cheguei, estavam todos os novos alunos no pátio da escola com seus teréns. E lá estava eu sentado na grande mala, aguardando na fila para receber o número de identificação (o meu número foi o 58) para as roupas, armários  etc.  Pois bem. Naquele primeiro dia, na fila ao meu lado, estava um garoto baixo, meio gordo, de feição sombria, sorriso escasso, aparentando idade menor da que realmente possuía – era o saudoso Almir Aguiar, que muitos anos depois também foi meu colega no BNB. De repente ele começou a chorar efusivamente.  Olhei espantado com a lamúria do colega e indaguei o porquê daquele choro. E ele, entre soluços, disse: “Saudade de minha mãe, meu pai, de meus”... Não deu para ouvir o resto, nem segurar a emoção, a lágrimas desceram copiosamente e, mesmo me controlando ao máximo, também chorei. Não um choro escandaloso, mas contido e muito sentido. Ainda hoje, quando me lembro daquela cena e do falecido Almir, lágrimas furtivas aparecem.

Depois daquele dia, poucas foram as ocasiões que chorei em público. Controlava minhas emoções como me ensinara papai. Somente em algumas ocasiões, à noite, no silêncio e na minha intimidade, eu soluçava, esforçando-me para controlar as lágrimas que molhavam o travesseiro.

Hoje, com o passar dos janeiros, não consigo manter tal controle e começo a ser surpreendido por longas lágrimas diante de simples emoções, mesmo que seja ao ouvir uma saudosa música de ritmo dolente (Una furtiva lagrima, por exemplo) ou um filme emocionante. E mais, tornei-me um solidário chorão ao presenciar uma pessoa amiga em prantos.

Assim, razão não existe para nos dias de hoje, diante de uma simples emoção, surpreenderem-se com meus soluços. O fato é que, com o correr de mais de setenta janeiros, cansei de controlar o choro. Dizem os entendidos que devemos evitar emoções, nunca reprimi-las. Sufocar o choro não faz bem às castigadas cordas cardíacas.

Então, que as glândulas lacrimais e o soluço externem meu sentimento diante das emoções inevitáveis que a vida nos apresenta.  E que sirvam de alívio ao meu sofrido coração...

Aracaju, 04/12/2012

Beto Déda

quinta-feira, 29 de novembro de 2012


O meu fusca azul celeste

 
 

Nesta semana o querido Humberto Oliveira fez-me lembrar dos anos setenta, quando morávamos em Simão Dias, ocasião em comprei o meu primeiro carro: um fuscão azul celeste.

Betinho e o fusca azul celeste

No início dos anos setenta o BNB aumentou o capital social, lançou novas ações na Bolsa de Valores e incentivou seus funcionários a serem acionistas, financiando a compra de ações nominativas. Com esse estímulo eu adquiri mil ações e, além de funcionário, passei a ser acionista do banco. Logo depois ocorreu um estouro na bolsa de valores, com uma elevação além do normal no valor das ações. As do BNB tiveram uma valorização sem precedentes, cada ação comprada ao preço de um cruzeiro, passara a valer quatorze vezes.  Assim, minhas mil ações valiam o preço de um carro popular da época. Não me contive. Fui a Salvador e, na cidade baixa, na Rua da Grécia, procurei um corretor indicado por um colega e fomos à Bolsa de Valores. Lá, vendi as mil ações. Com o dinheiro adquiri meu primeiro carro. Se esperasse mais alguns dias, o valor das ações daria para comprar dois carros; e se prolongasse mais, o valor não daria para nada, porque aconteceu o “Crash da bolsa de valores, finalizando todo processo especulativo das ações.

A pose da gurizada em frente ao fuscão

Foi sorte ter vendido, no tempo certo, minhas ações e adquirido o fuscão azul celeste, com os acentos de napa marrom claro imitando couro. E o meu carro só andava lotado, com a família e, especialmente, com os queridos sobrinhos. Com aquele fusca eu viajei milhares de quilômetros por esse Brasil imenso. De Simão Dias fui até Porto Alegre. A ida foi pelo litoral e a volta pelo interior. Uma aventura de muita alegria, visitando paisagens encantadoras. Depois fui até Fortaleza, participar de mais um curso patrocinado pelo BNB.   Esse foi o meu inesquecível primeiro carro, que os sobrinhos chamavam O Fusca de Tio Beto.

Em um tarde de domingo, lotei o fusca com meus sobrinhos. Na frente levava meu sogro que segurava Jacqueline no colo. No banco de trás ia a gurizada, mais de seis sobrinhos. Depois de rodar por toda cidade fui pela rodovia Simão Dias-Lagarto, e chegamos até a bodega do Dunga, que ficava logo depois da ponte do Jovêncio. Na volta, quase em frente à Fazenda São José, surgiu na estrada, inesperadamente, uma manada de carneiros... O choque foi inevitável.  Foi carneiro voar por todos os lados. A frente do fusca ficou retorcida e com os faróis quebrados. Mas ninguém sofreu um arranhão. Saímos ilesos. Somente a frente do fusca ficou destruída. A sorte é que o motor fica atrás, nada sofreu. Recuperados do susto e liberados os pneus da lataria amassada, voltamos a Simão Dias, sendo guiados por Dr. Salustino, que por ali passava e nos dera socorro, clareando a pista com os faróis de seu jipe.

E foi justamente sobre esse fusca, que esta semana, o meu querido Humberto me enviou  o escrito que transcrevo a seguir:

 
O Fusca de Tio Beto

Para começar, Beto não é meu Tio, mas para mim aquele Fusca era do Tio Beto. Eu era apenas um entre os meninos que eram sobrinhos do Tio Beto. Mas o Fusca era de todos nós. Era como se fosse nosso primeiro carro, tal a intimidade com a sua chegada. Claro que o Fusca era novinho, era azul celeste e combinava com Tio Beto, que tem a cor do céu. E era quase como o céu passear no Fusca de Tio Beto para os meninos que tinham nomes de Marco, Marcelo, César, Zezinho, Toinho, Zé Humberto. Era como ir a uma festa de aniversário. Tio Beto fazia graça para todos, era mais uma criança. Posicionava os meninos na garagem apertada para manejar o carro com a sua destreza de iniciante. No fundo da casa onde estava a garagem havia um beco bem estreito, ainda mais estreito que as ruas de Simão Dias. Sair da garagem sem um arranhão era uma vitória e não bater no muro do beco estreito era quase uma final de copa. Nessa algazarra Tio Beto colocava cada um de nós em uma posição para orientar sua manobra. Alguns relaxavam com a tarefa, olhando para o mundo, brincando. E lá vinha o grito de Tio Beto. Presta atenção rapaz! E descia e ameaçava não levar para passear. E tudo voltava a se organizar para a difícil tarefa de sair da garagem. Até o dia da batida no muro. Aquela batida que não se queria no currículo do novo motorista nem no para-choque cor de prata do Fusca Azul Celeste de Tio Beto. Mas, aconteceu. Foi o batismo, pois logo depois de provocar esse abalo que arrancou um pequeno pedaço do reboco do muro, o Fusca viria espalhar algumas ovelhas pelo ar na estrada de Simão Dias para Lagarto, salvando-se todos, inclusive as ovelhas. Não vi essa última cena, mas foi a notícia entre nós na semana, sobre o Fusca de Tio Beto. Hoje, quando me recordo de um Fusca, minha memória vai desenhando e colorindo de azul celeste o Fusca de Tio Beto, que afinal é meu primo e aqui no seu blog nos brinda com seus contos de infância e juventude. Mas, para muitos de nós, não é somente agora que ele nos proporciona essa alegria, com sua irreverência. Ele foi aquele Tio que eu também queria ter e, em certa medida, foi. Humberto Oliveira – primo e admirador (desde pequenininho).


As amáveis palavras de Humberto levam-me a pensar na grandeza de afeto de cada um daqueles meus sobrinhos, que ainda hoje permanecem ocupando lugar de destaque no meu coração idoso. E, para mim, o Humberto continua sendo sobrinho do Tio Beto...

Aracaju, 29/11/2012.

Beto Déda

terça-feira, 20 de novembro de 2012


 
Lembranças e saudades do botonista Átila e do Prof. Tavares.

 

 

Flávio, Miguel e o pôster da FBFM
 em homenagem ao Sr. Atila
 
Aproveitando o feriado da Proclamação da República fui a Salvador, para comemorar o aniversário de minha querida filha Carla Accioly e  acompanhar a participação do genro Flávio e seu irmão Alex Lisa no campeonato nacional de futebol de mesa, realizado em um hotel na praia da  Barra. Fiquei impressionado com a organização do evento e a quantidade de participantes. Mas o ponto principal é que me emocionei na solenidade de abertura, quando foi realizada uma homenagem especial ao saudoso amigo Átila Lisa, falecido recentemente. O Sr. Átila teve importante papel no meio do futebol de mesa e foi um dos pioneiros e incentivadores da organização daquele esporte no Brasil. Ele sagrou-se o primeiro campeão brasileiro, em 1970, defendendo as cores da federação de Sergipe.  Estimulou o esporte entre seus filhos e, hoje, Flávio, Alex e Alan são reconhecidos como bons jogadores do futebol de mesa.  E no evento realizado agora, a equipe de Sergipe obteve o 4º lugar.
Alex participa do campeonato nacional de futebol de mesa.

Lembrando o futebol de botão em Simão Dias

A movimentação daquele campeonato fez-me pensar na evolução que ocorreu no esporte que chamávamos de futebol de botão. E lembrei-me dos anos cinquenta, quando eu e outros jovens simãodienses praticávamos aquele esporte. Naquela época usávamos botões de verdade e, também, improvisávamos micas de relógio e fabricávamos algum botão de casco de coco. O goleiro era uma caixa de fósforos com o emblema do time. O Luiz Santa Bárbara, que era tipografo d’A Semana, também jogava botões e organizou um campeonato disputado na redação do jornal. Os jogos aconteciam em uma mesa grande, onde cortávamos e dobrávamos as resmas de papel. Parece-me que foi o próprio Luiz que lixou a mesa, marcou o campo com tinta branca e, antes das partidas, colocava talco para o botões deslizarem, da mesma forma que usava na impressora de modo o fazer correr os jornais pelas pinças e linhas. Lembro-me que vários jogadores foram selecionados para o campeonato, entre outros: o Luiz, eu, Zé Valadares, Cláudio Déda, Daniel Guimarães e, parece-me, o José Américo Rodrigues.
O meu time era o Bangu. Como flamenguista, preferia que o time fosse o Flamengo. Não deu certo. O Mengo já era o time de Luiz Santa Barbara.


A caixa que eu guardava meus botões

 Eu guardava com o maior cuidado os botões em uma caixa de talco Cashmere Bouquet. Na época, devido ao frio em Simão Dias, era comum o uso de sobretudo, uma capa de gabardine, com grandes botões,  que pareciam com aquelas usadas por detetives em filmes policiais. Meu pai tinha mais de uma daquelas capas e eu, cuidadosamente, retirei bonitos botões e os incorporei ao plantel do meu time. Meu pai percebeu minha ação. Passou-me um sermão daqueles que a gente nunca esquece. Mas o resultado é que, semanas depois, ele me presenteou com um time fabricado com matéria plástica, comprado aqui em Aracaju na loja Quatro e Quatrocentos. Os botões eram vistosos e pulões. Não me adaptei ao novo time. Nem mesmo o goleiro e as traves deram certo. Eram menores do que as que improvisávamos. O que foi uma pena, especialmente diante da lembrança e do gesto de meu pai.
Não estou muito seguro, mas tenho em conta que o campeão daquele torneio foi Luiz, que era o organizador e o mais velho da turma.

Anos depois, já casado, tentei passar para meus filhos o gosto pelo esporte e comprei o “Estrelão”, campo transportável com facilidade. Não surtiu efeito, nem pra mim e nem pra eles.  
O Sr. Átila era um esportistas praticante e soube partilhar esse seu interesse pelo futebol de mesa entre seus filhos.  Saudades do amigo e grande botonista Átila!

Lembrando de Salvador e do prof. Tavares

Entrada da Escola Politécnica da Bahia
 (Foto Roa Ferreira)
Enquanto Flávio jogava botão, eu passeava na Boa Terra com meus netos. Lembrando os belos dias de minha juventude na Baía de Todos os Santos: no Monte Serrat, na Igreja do Bonfim, no Centro Histórico, em Barris, no Dique do Tororó, Itapuã e na Federação. E neste último vem a lembrança da Escola Politécnica da Bahia, e, consequentemente, de modo especial, as recordações do Prof. Tavares, que lecionava ali, no curso pré-vestibular de engenharia, patrocinado pela SUDENE. Ele era um simpático professor de matemática, idoso, branco, de estatura média, rosto quase arredondado, cabelos efusivos muito brancos, sempre de terno e gravata e com um cigarro à mão.  Tinha seu método de estimular os alunos, dizendo: -“A Petrobrás está oferecendo um salário tentador para engenheiro, se você tem vocação para essa profissão, estude que não é difícil”. Dizer que nada era difícil era seu refrão predileto. Quando terminava de apresentar determinada explicação sempre finalizava dizendo: “Aprenda que não é....”  e esperava a turma complementar suas frase com as palavra  “...não é difícil”, só que a estudantada malandra gritava em coro “...NÃO É FÁCIL, PROFESSOR” e ele atirava o giz na lousa em protesto e fazendo beiço de desagravo, com sorriso maroto... 

Certo dia, o Prof. Tavares, começou a brincar com os cinco sergipanos ali presentes e perguntava: “Aqui tem algum sergipano?” E eu, cautelosamente, elevava minha mão à meia altura. E ele dizia apontando em minha direção: “Olha ali, um se identificando, timidamente...”. E passava a dizer de forma engraçada, na brincadeira, sem intenção de ferir:

 “- Em Aracaju, as mães pegam os filhos, vão até a margem do Rio Sergipe, na avenida onde param as marinetes do interior, em frente à Ilha dos Coqueiros, e dizem, olhando para o rio: ‘Aqui, meu filho, é o MAARR!’ E  falam ‘O MAR’ com a boca cheia de orgulho...  O MAAARRR...”

Com um ar de sorriso, exclamava, olhando pra sentir minha reação: “Sergipe, dizem, é a cozinha da Bahia!” E balançava a cabeça em minha direção, esperando uma resposta. E eu dizia, timidamente: “Professor, a cozinha é o melhor da Bahia!”.

Então o alegre mestre exclamava: “Olhem, ele fala! Baixinho, quase não se ouve, mas sabe repetir o que todos também dizem...”.  E a turma danava-se a sorrir.

E o professor finalizava fazendo merecidos elogios a Sergipe e aos sergipanos.

São lembranças do grande Prof. Tavares!

Aracaju, 19/11/2012

Beto Déda


sexta-feira, 9 de novembro de 2012


Os bois de barro, o artesão, a gangorra, os coelhos e a "esperteza" na venda de um tacho...

 

Meus netos brincando na fazendinha 
que eu fiz, lembrando meu tempo de criança.

Neste fim de semana prolongado estivemos no Lago Dourado compartilhando de muita diversão com meus filhos e netos.  Para meu neto Miguel eu fiz uma fazendinha igual a que fazia no meu tempo de criança no quintal de minha casa, em Simão Dias. A diferença é que atualmente os brinquedos são de plástico, enquanto no meu tempo os animais domésticos e a mobílias das casas de bonecas eram feitas de argila, tudo muito bem feito. Comprávamos os bois de barro na feira da cidade, em dias de sábado, a um artesão que conhecíamos como “Saco do Pia”, nome possivelmente derivado do povoado onde ele morava. Sobre este senhor conta meu cunhado Haroldo que certa vez chegou pra ele e perguntou se venderia todo o estoque de brinquedos de barro; o artesão recusou o negócio e usou um argumento surpreendente, afirmando mais ou menos o seguinte:
- Vendo não, moço. Se eu vender agora a um único freguês, ficarei sem ter o que fazer aguardando a hora de voltar para meu sítio. Vou ficar com a cabeça pra cima, rodando que nem pinhão! Esse negócio eu não faço...
A verdade é que o senhor “Saco do Pia” se sentia feliz tanto em fazer seu artesanato como também conversar com cada um de seus fregueses. O que se deduz daquela justificativa é que o seu propósito maior não era o “vil metal”, interessava-se mais na divulgação de sua arte e em fazer feliz um maior número de crianças. Parece-me – no meu imaginário infantil que ainda hoje conservo – que a justificativa daquele simplório artesão estava absolutamente certa. E a prova disto é que ainda hoje, setentão, fico alegre lembrando-me da arte do  Saco do Pia...  
A casinha de madeira que eu mesmo construí
(eu carpinteiro) para minha neta Marina

É assim que curto a realidade, participando das diversões dos meus netos, comparando-as com as vividas por mim no passado. E nessa brincadeira, a memória passeia pelo quintal da casa da Rua dos Ribeiro onde minha imaginação descobria um mundo de fantasia transformando coisas simples em divertimento.

Certa vez surgiu na cidade um parque de diversões, instalado na Praça Barão de Santa Rosa. Serviu-me de estímulo para fazer um “parquinho” em nosso quintal. Armei um balanço, fiz uma gangorra e improvisei um carrossel (duas tábuas que eram usadas em andaime rolando sobre dois cortiços). Era o bastante para meu parque funcionar e os possíveis defeitos foram superados pela minha imaginação fértil de criança.  O pior é que caí da gangorra, o “galo” cantou em minha testa e o parque foi “desmontado”.
Lembro-me também que lá em nosso quintal criamos coelhos. Bonitos, brancos e “produtivos”. Quando menos esperávamos lá estavam os lindos e alvos coelhinhos saindo das tocas/ninhos (buracos no chão do quintal). Era uma alegria imensa que tínhamos ao defrontarmos com aqueles maravilhosos filhotes. Pena que a quantidade de buracos feitas no quintal ameaçava o alicerce dos muros, o que obrigou meu pai a se desfazer dos animais.
Mesmo sem autorização de tia Esterzinha, eu costumava guardar a ração dos coelhos em um tacho de cobre, cuja utilidade maior era cozinhar canjica e fazer doce de batata. Quando não utilizado, o tacho criava um azinhavre, de cor verde, resultante da oxidação do cobre, o que dava uma aparência de coisa imprestável. Pois bem. Nas minhas conversas com colegas de brincadeira, soube que o Sr. Cipriano, que tinha um armazém ali na Praça de São João, além comprar castanhas, também comprava qualquer coisa de cobre. Lembrei-me então do nosso tacho e não vacilei. Lá fui eu até a loja vendê-lo. “Seu” Cipriano olhou o tacho e com um bondoso sorriso disse-me:
-Ora, Beto, esse tacho está novo, apesar do azinhavre. Uma boa lavagem com sal e vinagre limpa tudo, deixando-o luzidio, da cor alaranjada, parecendo novo. O que eu compro são peças velhas, quebradas.  Não vou comprar esse não! Acredito que sua mãe não sabe dessa venda. Não é?
Saí desconfiado, aborrecido, mas bolando outro jeito de efetuar a venda. Chegando em casa, peguei um martelo e amassei o tacho, deixando-o quase descaraterizado. Embrulhei o amassado e fui ao armazém, com cuidado, perscrutando o momento em que “Seu” Cipriano não estivesse por lá. Confirmado que naquela hora quem cuidava do armazém era a esposa dele, Dona Zifinha, que nada sabia de nossa conversa. Então, efetuei a venda do que restou do tacho. Com parte do dinheiro recebido comprei uma jaca mole e voltei pra casa. Quando passava pelo parque vislumbrei os colegas de pelada que estavam sentados embaixo de um pé de tamarindo. Percebi que eles falavam alguma coisa e olhavam insistentemente para mim. Ficaram de pé e começaram a correr para cortarem minha passagem.  A intenção deles era clara e não vacilei, disparei em direção ao portão de minha casa. Alcançaram-me antes de lá chegar. A jaca foi ao chão e todos, inclusive eu, comemos avidamente os doces bagos. Reclamar?  Só depois de saborear a jaca! Foi o que fiz logo em seguida, com troca de sopapos com as mãos grudando de visgo...
Passados alguns dias, quando toda a família estava almoçando, Tia Esterzinha falou que ia fazer um doce de batata e que não tinha achado o tacho. E indagou:
- Será que roubaram? Como é de cobre talvez tenham vendido ao ferro velho. Vou perguntar ao Cipriano.
Pronto. Entrei em desespero e comecei a chorar escandalosamente, oferecendo a mão para receber a reprimenda, gritando:
-Ai meu Deus! Fui eu. Eu vendi e estou arrependido...
A reprovação daquele ato serviu-me como disciplina e me deu a noção exata de que a “esperteza” que utilizei não passou de um ardil, um artifício para lograr proveito. Aprendi a lição!

E muitos anos depois, lá pelos anos 80, ouvi de um político mineiro, o Dr. Aureliano Chaves, uma frase que se tornou famosa e que cai como uma luva no caso que acabo de narrar. Disse ele:
"A esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono." 
 
 Aracaju, 09/11/2012
Beto Déda

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Eu, professor de inglês e a visita do americano...

Outro dia, ouvindo as façanhas de um técnico de futebol falando seu inglês macarrônico em propaganda de refrigerante, lembrei-me do tempo de minha juventude quando fui professor de inglês.


Naquela época, a criação de curso ginasial no interior do Sergipe exigia a contribuição de pessoas que pudessem improvisar a tarefa de ensinar, e isto acontecia divido da dificuldade de se encontrar professores especializados.  

A partir de 1964, dei minha colaboração ao Ginásio Industrial Dr. Carvalho Neto, em Simão Dias.

Naquele ano eu estava em Simão Dias e meu primo José Carlos Déda, que já prestava sua colaboração como professor de Inglês, incentivou-me a ensinar, então falou com a direção do ginásio e convidaram-me a fazer parte do corpo docente. Passei a ensinar inglês e matemática. Na verdade, gostava mais de cuidar dos números de que do idioma.  Mesmo assim não fugi ao dever de colaborar e o fiz com todo empenho, imitando e assumindo a forma de professor, até no uso de um guarda-pó, tal qual usava o grande Prof. Leão Magno, que foi meu mestre de matemática no Colégio Ateneu. 
 
Juntamente com o primo José Carlos discutimos a dificuldade que os alunos do interior enfrentavam para adquirir os livros didáticos. E tentamos solucionar esse problema, editando nosso próprio livro. Como eu era tipógrafo, bolamos então editá-lo ali mesmo, no Ginásio, em uma pequena oficina tipográfica destinada ao ensino de Artes Gráficas. Sem descuidarmos do programa exigido pelo MEC, bolamos um livreto (espécie de cartilha ou ABC em inglês), evidenciando o básico, abrangendo principalmente conversação inicial, um pouco de gramática e exercícios. Tudo do modo mais simples possível. Para realizar algumas versões, que serviriam de leitura, pedimos ajuda ao primo Harildo, que estudara nos Estados Unidos, e conhecia muito bem o idioma do "Tio Sam".


Capa da edição original do livro que editamos nas
Oficinas Gráficas do Ginásio Industrial de Simão Dias, em 1964.

Conseguimos o consentimento da diretoria e passamos aos trabalhos da edição. Zé Carlos cuidara de organizar e datilografar os temas discutidos e eu, na qualidade de tipógrafo, a realizar os trabalhos gráficos (composição e impressão) do livro.  Foi precisamente no mês de junho de 1964 que concluímos a edição, que tinha o título pomposo: My English Book. O lançamento foi feito no salão do próprio ginásio, com a presença de alunos e seus pais. Não sei como expressar a alegria que tivemos naquele dia. Ainda hoje conservo cuidadosamente o original, com uma dedicatória impressa que fiz pra Leninha, que era minha aluna/namorada e hoje minha esposa. Também guardo comigo uma cópia feita três décadas depois, em 1998, pelo saudoso primo Zé Carlos, usando um computador e impressora, mas mantendo as mesmas características do original.
Dedicatória a Leninha, impressa na
Gráfica onde foi editado o livro.


Como professor improvisado, meu objetivo era transmitir o pouco do meu inglês macarrônico (ou inglês de beira de cais, como dizia o Prof. José Franklin). Preocupava-me em ensinar o básico mesmo, de modo que soubessem se expressar em situações especias, como: ter fome, sede, pedir ajuda, entrar, sentar, ficar de pé, ler, escrever, perguntar o nome, etc. E o fazia com aquela pronúncia que, eu mesmo reconhecia, deixava a desejar e fazia meu primo Zé Carlos sorrir a vontade.


O maior aperto que senti aconteceu em certa tarde, quando estava em sala de aula e recebi o chamado da Profª. Iolanda para ir até a sala da diretoria.  Lá chegando, fui apresentado a um americano chamado David Júnior, que viera prestar serviços em Simão Dias, como Voluntário da Paz, no âmbito de convênio firmado entre o Brasil e os Estados Unidos. Feitas as apresentações, alguém sugeriu que ele fosse até a minha sala para conhecer a turma.  O David começava a se comunicar em nosso idioma e somente com esforço e boa vontade é que dava para se entender o que dizia ou pretendia dizer. Enquanto eu, pelo contrário, pouco entendia ou me fazia entender com meu inglês macarrônico. Iniciado um ligeiro diálogo, procurei ganhar tempo. Parece-me que fiquei branco tal qual meu guarda-pó, mas logo recuperei a cor e o fôlego. Então, pensei com meus botões: "vou usar as frases básicas aplicadas na sala de aulas, tomar a iniciativa e não deixar o americano iniciar conversa em inglês, senão tô ferrado".


Fomos à sala.  Lá chegando, a turma ficou de pé e eu prontamente exclamei: Sit down, please! Todos atenderam. Convidei o David a sentar na fila da frente; e o fiz balançando a cabeça de lado, indicando a direção com nos filmes de cowboy, e dizendo: "Come on, my friend, sit down  here, please!".
Imediatamente passei a explicar aos alunos que aquele rapaz era um americano que viera prestar serviços em nossa terra e que certamente seria professor do ginásio. E aproveitando a oportunidade pediríamos a ele para ler uma pequena lição de nosso livro de modo a conhecermos melhor a pronúncia. E olhando para o David, entregando-lhe o nosso livro, disse, pausadamente: "Please, friend, stand up, open the book at page ... and read".


O David amarelou, levantou-se e com as mãos trêmulas abriu o livro e fez a leitura numa velocidade impressionante. O seu nervosismo me deixou à vontade, senhor da situação. Pedi então que lesse mais divagar (slowly) e ele o fez ainda tremendo. Agradeci e sem mais conversa levei-o de volta à sala da diretoria. Aliviado, voltei à classe e comentei que o americano ficara emocionado e precisava de um gole de água com açúcar. E a risada foi geral.


Continuei até o final daquele semestre ensinando o meu inglês “de beira de cais”, acreditando na possibilidade de pensarem que eu sabia o idioma. E dizia com meus botões, usando o inglês macarrônico tal e qual o usado pelo técnico Joel Santana em uma recente propaganda de refrigerante:

 “-...Pode to be?”.


 


Aracaju, 31.10.2012


Beto Déda


quinta-feira, 25 de outubro de 2012


 A Praça de São João, as tanajuras, o Caiçá e as sanguessugas


Em Simão Dias, um dos locais preferidos pelas crianças era Parque Cel. Zacarias de Carvalho, conhecido como Praça São João, porque ali estava localizado o Cemitério São João Batista. Havia muitas árvores: tamarindeiros, fícus benjamim, acácias-amarelas, eucaliptos e um frondoso pé de “olho de boi”. No centro do parque tinha um monumento que a criançada chamava de estátua. Era um obelisco comemorativo ao primeiro centenário da Freguesia de Santana de Simão Dias.


Os tamarindos do parque

Das árvores do parque a maiores lembranças são os frutos dos tamarindeiros e as sementes de “olho de boi”.


 Os tamarindos maduros nós chamávamos de “chocolate” ou simplesmente “chocó”, pela cor marrom-escuro, lembrando a semente do cacau. Com eles fazíamos um ponche azedinho e muito gostoso. Quando queríamos atrapalhar a filarmônica “Lira Santana” chupávamos ostensivamente bajes de tamarindo, deixando os músicos com água na boca, dificultando o sopro dos instrumentos. Era subindo nos tamarindeiros que nos protegíamos do gado que levavam para o Matadouro municipal. Certa feita o garoto Hélio, que morava em um sítio próximo ao Hospital, subiu até o alto de um tamarindeiro e não soube descer. Começou a chorar e gritar, chamando a atenção de todos que por ali passavam. Foi nossa querida Teté (Tefinha) que procurou ajudá-lo, chamando o Seu Nia para descer o traquina. O velho Nia era um senhor forte que trabalhava no Matadouro, fazendo carne de sol, era o responsável pela organização da festa dos caboclinhos ali no parque.
A sementes de "Olho de boi"


As sementes de “olho de boi” são compactas, lisas e bonitas. Usávamos para pregar sustos nos colegas, e o fazíamos tocando-as quentes nos braços dos desprevenidos, depois de esfregarmos no cimento para esquentá-las com o atrito. Diziam que era medicinal e o santo remédio pra curar terçol.  As meninas usavam para brincar de “pinto-galo”.



"Cai, cai, tanajura na panela de gordura..."

Em dias de chuva a praça era invadida por saúvas voadoras, e cantávamos:
“Cai, cai tanajura na panela de gordura...”.  Então espetávamos as grandes formigas em um palito para escutar o ruído característico da flexão das asas, como se fossem helicópteros. E admirados, olhávamos Serafim, o garoto mais alto da turma, assar as tanajuras em um foguinho de folhas secas e comê-las, deliciando-se. Muitos anos depois é que soube que em restaurantes chiques de Nova Iorque um prato de formigas torradas era muito apreciado e custava uma fortuna...

A pelota ou couraça

No parque tinha uma área sem árvores, onde jogávamos futebol. As peladas eram disputadas com bola de borracha ou com bexiga de boi, que pegávamos no matadouro municipal que ficava ali perto. Raramente usávamos a pelota, uma bola de couro com um rasgo por onde passava o pito da câmara de ar. Era ali onde disputávamos boas partidas e que também rolavam brigas de socos.


Certa vez, jogando a turma do parque contra o time do Bonfim, o nosso “beque” Delmo deu uma “estrompa” no atacante adversário e iniciaram uma forte discussão, em posição de briga, com os punhos cerrados. Alguém marcou um traço no chão, entre eles, dizendo que cada lado representava a mãe do contendor.  Ambos pisaram nos lados opostos, com xingamentos, sem, contudo, iniciarem os sopapos. Então, o garoto do Bonfim, oferecendo o rosto, caiu na besteira de mandar o Delmo dar o primeiro tapa. Este não vacilou e mandou um forte soco no queixo do adversário, que caiu sem sentidos. Aflitos, pensávamos que o garoto tinha morrido. E fomos chamar o Xinoca, experiente jogador do Cruzeiro. Ele olhou a “vítima” e disse categórico:


 Foi um nocaute. Tá desmaiado”.  Salpicou água no rosto do incauto, reanimando-o. E tudo voltou ao normal.   


Depois dos jogos íamos tomar banho no poço do Riacho Caiçá, que ficava por trás do Matadouro. A água era transparente e funcionava como uma grande lupa, com aparência de poço raso, confundindo os que desconhecessem sua fundura. Com o movimento dos nadadores o pó do fundo se espalhava, tornava a água um pouco escura e o resíduo de lama grudava em nosso corpo. Diziam alguns que a lama do riacho tinha propriedades medicinais. E víamos alguns trabalhadores do matadouro passando a lama nas axilas para curar a sovaqueira. Mas o que se propagava na cidade é que no riacho tinha o caramujo vetor da doença barriga d’água (esquistossomose). Daí a preocupação que os pais tinham em não permitir que os filhos tomassem banho no Caiçá. Lá em casa, tia Esterzinha usava um modo singular de saber se tínhamos tomado banho no riacho: passava a unha na pele do braço para ver se estava impregnada do pó do Caiçá. Caso fosse positivo o castigo era severo...
A Sanguessuga


Outro lugar que tomávamos banho era o tanque (barreiro) do sítio de Seu Hilário. Lembro-me da última vez que fui ali, acompanhando meu irmão e primos. Estávamos alegremente tomando banho quando de repente notei alguma coisa estranha na pele de minha barriga. Assombrado, gritando e chorando percebi que três imensas sanguessugas estavam grudadas sugando meu sangue. O escândalo dos meus gritos despertou a atenção dos demais que vieram ao meu socorro. O mais velho da turma, o Fefeu, disse:


É sanguessuga, não pode retirar, senão os dentes seguem nas veias e chega ao coração, matando...”


 E vendo meu desespero, tranquilizava-me: - “Fique frio, magrão, aqui mesmo termos a solução para o problema. Vamos...”


E fomos ali mesmo na roça de Seu Hilário, onde ele pegou uma folha de  fumo, molhou com cuspe e passou levemente sobre as sanguessugas. Pronto, o remédio foi eficaz, as sugadoras caíram uma por uma, aliviando-me. Limpei as lágrimas e esbocei um sorriso, quando o galego exclamou:


“- Magro desse jeito, chorão e perdendo sangue... você não vai se criar!


E eu respondi, ainda soluçando: “Vou me criar sim, seu pelanca! E a gargalhada foi geral...


Imediatamente, o grande Fefeu não perdeu a oportunidade e com seus olhos bem abertos, aprontou mais uma, gritando:


 “-Turma, corre que lá vem seu Hilário com uma espingarda de tiro de sal!”


Foi aquela correria, passando com rapidez pela cerca de arrame farpado. Já na estrada, o lourão, puxando o cabelo de lado, dizia que se enganou. E todos saíam rindo a vontade...
Eta, tempo bão!



Aracaju, 24/10/2012


Beto Déda

domingo, 21 de outubro de 2012


Como o mundo perdeu um grande violonista

 

Em uma tarde desta semana, depois de fazer um brinquedo para meu neto, fui descansar no píer que eu, carpinteiro amador, construí no Lago Dourado. Apreciando a paisagem bonita, pensava como seria bom se eu soubesse tocar violão para, naquele momento, dedilhando o pinho, transmitir aos ouvidos a beleza já deslumbrada pelo sentido da visão.  E assim pensando, lembrei-me do amigo Átila Lisa, que faleceu recentemente. Ele era o pai de meu genro Flávio e, também, avô de meus netos Miguel e Marina. Toda vez que Seu Átila aparecia por aqui, passávamos horas lembrando os tempos de nossa juventude. Certa vez contei pra ele as minhas primeiras experiências vividas em Salvador e a frustração que tive ao tentar aprender a tocar violão. E lembro aqui como tudo aconteceu.

No inicio de 1963 eu estudava no Colégio Ateneu, em Aracaju, cursando o Científico. Como em Sergipe não existia Faculdade de Engenharia, a SUDENE realizou aqui um concurso para concessão de bolsa de estudo aos estudantes interessados em estudar em Salvador, onde concluiriam o científico e participariam de um curso pré-vestibular na Escola Politécnica da Bahia. Fiz o concurso, fui aprovado e me mandei para Salvador, morar no apartamento de meus primos, que chamávamos de “República dos Oliveira & Carvalho”.   Éramos seis e mais uma secretária, de nome Marisete, que cuidava da  cozinha e de outros afazeres domésticos. Quem administrava a “República” era o Presidente Zé, o mais velho dos “republicanos”.

“A “República” ficava na Rua Rockefeller, em Barris. Passei a estudar, pela manhã, fazendo o curso patrocinado pela SUDENE na Escola Politécnica da Bahia, que ficava no Bairro Federação; à noite, cursava o Científico no Colégio Duque de Caxias, no Bairro Liberdade (não consegui vaga para estudar no Colégio Central, que fica próximo). Durante a tarde ficava no apartamento, estudando.

Quando recebi a primeira grana da bolsa da SUDENE foi uma alegria imensa. Paguei o valor da mensalidade da “república”, separei o valor dos gastos com merenda e ônibus e, com o restante, comprei um bonito violão para iniciante, marca “Di Giorgio”, na loja Duas Américas, que ficava na Rua Chile.

Estava todo concho com a aquisição. Naquele mesmo dia passei a tarde dedilhando o violão, seguindo as recomendações de um folheto, que dizia ensinar a tocar em 30 dias. No fim da tarde, com muita boa vontade já dava para sair algum som aproveitável. Mal suspeitava que meu projeto musical estivesse próximo da derrocada.

Pois bem! À noite, quando todos os “republicanos” assistiam a um programa na TV, a secretária Marisete, apontando para a cozinha, onde eu estava, disse:

 Aquele ali comprou um violão e passou a tarde tocando... Estudar que é bom, necas...”

Ouvindo isso, entrei na sala e o “Presidente” Zé, terminando de passar entre os seus dentes um fio de sua camisa “volta ao mundo”, perguntou-me se era verdade a informação de Marisete. Respondi: “Sim, em termos...” E ponderei que se tratava de um belo instrumento, que tinha sido barato e que não atrapalhara meus estudos naquela tarde, nem seria problema no futuro. O grande Zé não foi na minha conversa. E sentenciou:

Meu chapa, você veio pra estudar ou pra tocar violão. Se quer aprender a tocar violão volte pra Simão Dias e se matricule na escola do Maestro Raimundo Macedo. Para ficar aqui terá que se desfazer desse tal violão. E tem mais, o prazo para se livrar do instrumento só é até a noite de amanhã. A decisão é sua...”

Decreto de “presidente” é para se respeitar, senão a república vai pro brejo. No dia seguinte fui à Escola Politécnica com o violão debaixo do braço. Procurei a colega sergipana Lindinalva, que no dia anterior tinha ido comigo à loja e também comprara um cavaquinho. Ela sabia tocar o instrumento. Perguntei se ela queria comprar o violão. Diante da resposta que não tinha dinheiro, entreguei-lhe o bendito instrumento para ela pagar se pudesse ou se quisesse. Ela ficou meio sem graça e eu - meio amargurado - mas imensamente agradecido por ela ter aceitado o instrumento.

A verdade é que, depois deste acontecido, perdi o interesse em aprender a tocar instrumentos. Mas nunca descurei de escutar uma boa música e de cantar no banheiro. Invariavelmente, ao abrir o chuveiro, solto meus pulmões e o ruído da água descendo mistura-se com o desafinado som do meu cantar...

...

Muitos anos depois, contando esta história à filha do querido amigo e primo Zé, ela olhou para o pai e falou:

- Painho porque foi tão exigente? É de se pensar que, com seu “decreto”, Simão Dias perdeu um grande violonista...

E eu completava: “Simão Dias, não! O Mundo perdeu um grande músico...” E caíamos em uma risada sem limites...

Aracaju, 19/10/2012

Beto Déda