Tal um computador que
guarda velhos arquivos, da mesma forma nossa cachola conserva lembranças que
marcaram nossa vida. E um simples olhar ou apenas um fiasco de luz tem a magia
de provocar em nossa mente o recuo do tempo e nos transportar ao passado,
revivendo emoções.
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Grupo Escolar Fausto Cardoso - Simão Dias - Sergipe |
Recentemente, a centelha
que ativou minha memória foi o rosto de uma mulher, provocando-me recordações
bem antigas, da primeira metade dos anos cinquenta, quando eu estudava no Grupo
Escolar Fausto Cardoso, em Simão Dias.
O que vou repassar para
os amigos é um idílico caso que aconteceu quando os alunos do Grupo Escolar
ensaiavam o desfile cívico que aconteceria no dia festivo da independência.
Treinávamos a marcha, ouvindo o rufar dos tambores, em volta da Praça de Matriz
e pelas ruas circunvizinhas.
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Minha pose. Todo concho, envergando a farda do Grupo Escolar Fausto Cardoso |
Eu fazia parte de um
grupo de cinco amigos, com idades entre 12 e 14 anos: eu, Zé Carlos, Hamilton,
Aloísio e Dória. Tínhamos namoradas que
eram amigas comuns e sempre estávamos a marcar os lugares onde podíamos nos
encontrar. Naquela época, em nossa idade, o namoro não ia além de um beijo
rápido e um abraço furtivo. Embora se tratasse de namoros inocentes dos anos
cinquenta, por razões óbvias, não revelo o nome das meninas.
Em uma tarde, depois do
treinamento para o desfile, nos reunimos com as garotas para marcar um
encontro. Era nosso propósito conhecer a nova ponte sobre o Caiçá, que ficava
próximo ao curtume de Seu Cassimiro, no início da estrada para Pinhão. Todos
diziam que era uma vista maravilhosa.
Acontece que apareceu um colega apelidado de Niño, que queria
participar da turma. Não foi aceito. Em represália, saiu a espalhar boatos
sobre o namoro, juntou-se a outros garotos e passaram a nos seguir. Separamo-nos
das meninas e iniciamos uma correria sem limites. Saímos da Praça pela casa dos
Dória, que ficava vizinha à de tio Sininho. Saímos pelo portão dos fundos, onde
ficava o Sítio de Juca Matos, descemos pela ladeira de Roque e fomos parar na Praça
São João, no portão de minha casa, despistando o grupo que nos seguia.
Resolvido o problema da
perseguição, surgiram outros bem maiores: os fuxicos e mexericos. Primeiro dos
guris que imaginavam e inventavam situações que não aconteceram. Inclusive
anunciando que fomos surpreendidos namorando embaixo da ponte do Caiçá, na
estrada para Pinhão.
Um colega, que tinha o
apelido de Ratinho, foi até à casa de
uma de nossas Professoras e anunciou em voz escandalosa:
-
Professora, sua irmã está ‘namorando’ o Aloísio embaixo da ponte do Caiçá...
Espalhado o boato, daí
em diante o assunto escapou da alçada dos guris e passou a ser dominado pelos
adultos, com os acréscimos próprios dos que atingiram a maioridade. E o
pretenso caso do namoro na ponte transformou-se no comentário número um da
cidade.
Então surgiram invenções
com detalhes escandalosos: que foram encontradas calcinhas na beira do Caiçá;
que avistaram um de nós correndo nu, com as calças na mão; além de outras
invencionices impublicáveis...
E a notícia chegou aos
nossos pais com as consequências previsíveis. Ao anoitecer daquele dia, escondido
na sala da frente de minha casa, ouvi quando Seu Chico, que também morava na
Rua dos Ribeiros, encontrou-se com meu pai e foi dizendo:
-
Zeca, já soube do acontecido com nossas crianças na ponte do Caiçá?
E contou o que tinha
ouvido dos outros, esclarecendo que já disciplinara seu filho Hamilton com uma
boa surra. Encerrou seu comentário com uma informação
que sugeria sova para mim:
- O seu Beto também estava lá...
Evitei encontrar-me com
papai. Procurei refúgio na casa de tia Nice, onde fui ajudá-la no pilão, a
amassar arroz para fazer cuscuz para o jantar. Esperei o tempo passar e meu velho
esquecer o fuxico. O certo é que papai foi cuidar de outros assuntos de maior
urgência e eu me livrei da parte lisa do seu tamanco, que era sempre usado para
nos disciplinar.
...
E hoje, mesmo sem
esquecer a frustração do encontro na ponte, sentimos alegria ao recordar o riso
simpático das queridas garotinhas dos bons tempos do Grupo Fausto Cardoso.
Aracaju, 20/12/2015
Beto Déda