terça-feira, 16 de junho de 2015

 
O guardião fajuto, a memória fotográfica e o assassinato de “João Cândjo”
 
Dizia meu querido e saudoso sobrinho Marcelo Déda que eu era o guardião das lembranças da família. De igual modo, o escritor Odilon Cabral Machado, em uma de suas crônicas publicadas em blog da Infonet, reafirma esse meu o cuidado, comparando-me a “um destes templários cavaleiros medievais, trajando armadura invisível de guardião deste tesouro, conforme eterna promessa de missão, sem a qual, tudo estaria perdido, soterrado pela poeira do tempo, lacunas irrecuperáveis de voracidade da traça, tudo que é possível quando é permissiva a irresponsabilidade do homem”.
 
Fico honrado em divulgar o pensamento do sobrinho e do amigo escritor, porém tenho uma confidência a fazer: não fui um bom guardião. Perdi duas importantes fitas cassetes, com gravações de discursos de meu sobrinho Marcelo e com histórias hilariantes contadas por tio Paulo e por meu sogro Antônio de Silva.
 
Na década de 80, através do meu primo Zé Carvalho, que sempre viajava à Zona Franca de Manaus, eu adquiri um vídeo cassete JVC, que usava para assistir aos filmes do Vídeo Clube de Aracaju e gravar programas da TV local. Foi neste gravador de vídeo que gravei, da TV, a maioria dos programas políticos do saudoso sobrinho, desde quando ele foi candidato a prefeito de Aracaju. Lamentavelmente, por uma falha involuntária e até hoje amargurada, perdi a fita que continha importantes programas do querido Marcelo. E mais ainda, também perdi uma fita de áudio, gravada por mim, com antológicos causos contados por meu tio Paulo e meu Sogro, que se reversavam na posse do microfone.
 

Tela do artista Wellington Déda
Com essa confissão, nota-se que não fui nem sou um bom guardião, e de cavaleiro medieval, a que fui comparado pelo bom Odilon Cabral Machado, resta-me, para consolo, a minha semelhança com o personagem da tela “Cavaleiro da Triste Figura”, que embeleza uma das paredes de minha casa e foi pintado pelo parente e artista Wellington Déda. (Quando o quadro chegou em minha casa, perguntei ao neto Miguel: - Quem é esse? Não houve vacilo na resposta: - É o vovô Beto!).
 
Na verdade, para compensar a perdas das fitas, resta-me fustigar a memória e repetir as lembranças para os familiares. O pior, aqui pra nós, é que a repetição começou a encher-o-saco deles. Daí o motivo que passo a contar esses causos aos meus seguidores no facebook.
 
Dizia o saudoso amigo e colega do BNB Mário Jorge, casado com minha sobrinha Selma, que eu tenho uma memória fotográfica. E sacramentava: “Beto, você tem uma memória de Elefante”. Exagero do bondoso Mário Jorge. Apenas gosto de ativar as lembranças para que elas não tenham o mesmo destino das fitas cassete. E fico feliz quando encontro quem aprecie.
 
Agora, por exemplo, lembrei-me de mais um causo, contado por tio Paulo. Dizia ele que tinha um amigo não alfabetizado que costumava empolar as frases, fato que tornava sua conversa muito atrativa pela graça das pronúncias. Passou, então, a narrar dois momentos vividos com o amigo, sem deixar de imitar seus gestos e o modo de falar. Vejamos:
 
Certa vez o amigo chegou de mansinho e começou a dizer que o filho tinha feito uma reforma em sua casa. Com o ar compenetrado, afirmava vaidoso que foi uma obra porreta, realizada sem limitar despesas. 
E narrava os detalhes da reforma, com ligeiras pausas na pronúncia, como se quisesse, no seu estilo, evidenciar sua sabedoria na colocação pronominal: - “REBÔ...CÔLA”, “FÔR...RÔLA”, “PIN...TÔLA”, “ENCE..RÔLA” ... e “APRON...TÔLA”!...
 
Meu tio, então, concluía, afirmando que tinha vontade de dizer ao amigo que, com tantas “rôlas tolas”, o melhor era transformar a casa reformada em uma “gaiola”...

...

Em outra ocasião, esse engraçado senhor apareceu na loja de meu tio com os olhos esbugalhados de emoção. Ao pisar na soleira da porta já foi dizendo:
- Palo, você soube? O rádio anunciou agora mesmo que mataram João Cândjo...
 
Meu tio franziu a testa e indagou: -
Como foi isso? Sempre soube que ele era um homem pacato, de boa paz e que sempre soube cuidar tranquilamente de seus afazeres e comércio. Como aconteceu isso?
- Ora, Palo, dizem que foi questão política. Mandaram bala na cabeça...
 
Tio Paulo olhou para o amigo e disse: 

- Madeirinha, pelo que sei o João Cândido nunca foi político. O seu negócio sempre foi mungunzá e mingau. Você ouviu essa história direito? Mataram o nosso conhecido João Cândido de Simão Dias?
 
- Não, Palo. O fato aconteceu com o tal de João Candjo ou Kendjo, sei lá como se diz... Ele era o presidente dos estranjas americanos e sempre aparecia na televisão...
 
(Foi assim que meu tio tomou conhecimento do assassinato de John Kennedy, Presidente dos Estados Unidos da América, ocorrido em uma sexta-feira, 22 de novembro de 1963).
Aracaju, 14/05/2015
Beto Déda

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