A mão
esquerda, o corrimboque e o cafezinho.
Em outros
escritos meus, contei que eu sou um admirador incondicional de meus saudosos tios.
Encantava-me com suas histórias e ficava feliz ao perceber a paciência que eles
tinham em me ouvir e me orientar com exemplos simples e maravilhosos.
Certa vez eu
conversava com meu tio Paulo a respeito do hábito de fumar e lembrei-lhe que
tio João Déda era o único da família que gostava de cheirar rapé, conhecido
como torrado, que era o fumo moído e comercializado por Maria Pixilim, que
morava na Rua da Palha, atrás do Açougue, lá em Simão Dias.
Tio João
carregava o rapé em um corrimboque, conhecido também como tabaqueiro, feito da
extremidade da ponta de boi ou de bode, com tampa de madeira e um laço de couro
para facilitar a abertura. Ele tinha todo cuidado com o torrado e não permitia
que ninguém o retirasse da caixinha de forma incorreta. Se uma pessoa pedia uma
pitada ele oferecia o rapé de modo que o pedinte sempre usasse os dedos da mão esquerda.
Se a pessoa insistisse com a direita ele passava o corrimboque para o lado
esquerdo, insinuando ao sujeito que a pitada deveria ser retirada com os dedos
da mão esquerda.
Perguntei ao tio
João a razão daquele cuidado e ele me explicava que os dedos da mão direita
traziam impurezas, porque eram usados pelo homem para pegar coisas íntimas ao satisfazer
suas necessidades físicas: fazer xixi, por exemplo. Para ele os dedos da mão
esquerda tinham menor sujeira.
Cocei a cabeça,
pensei um pouco e indaguei:
- Meu tio...
e se o pedinte for canhoto?
- Ora, respondeu ele, os que me pedem a pitada são amigos e conhecidos. Eu sei quem é canhoto
e, neste caso, o corrimboque vai para os dedos da mão direita.

Tio Paulo era o
proprietário de casa de calçados “Esquina da Economia”, situada entre as ruas
João Pessoa e São Cristóvão. Sempre que
tinha uma folga ele ia até a Padaria Nossa Senhora do Socorro, que ficava
próximo, tomar um cafezinho e fumar um cigarro, que sempre ficava preso entre
seus lábios. A padaria era movimentadíssima e servia muito café pequeno. Para
se resguardar, meu tio sempre pegava a xícara com a mão esquerda. Dizia ele que
poucos usavam a mão esquerda, então o lado direito da xícara era menos impuro.

- Oi, ‘Palo’, você é como eu, toma o cafezinho com a
mão esquerda. Você também é canhoto?
Meu tio virou-se
e constatou que a pergunta fora feita por um tipo popular da cidade, conhecido
por TÔ TE AJEITADO, que usava
paletó, camisa florida e gravata espalhafatosa; vendia bilhetes de loteria e
tinha os beiços feridentos, parecendo que estavam acometidos de aftosa.
Tio Paulo olhou
bem para os lábios feridos de TÔ TE
AJEITANDO e, sem desfaçar o susto, soltou incontinenti a xícara no
balcão. Daquele dia em diante deixou de tomar cafezinho com a mão esquerda...
Aracaju, 27/04/2015.
Beto Déda
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