terça-feira, 21 de novembro de 2017


“DEIXA O LENÇO CAIR” E OS CARTÕES DE CUPIDO...

Na minha mocidade, em Simão Dias, havia um sentido romântico quando uma garota “deixava cair o lenço”. Era um gesto indicativo de que a mocinha dava uma chance para o moço continuar seus galanteios. Trocando em miúdos: quando a moça deixava cair o lenço dava uma brecha para o admirador continuar a cantada ou paquera. Na verdade era um reflexo do que se via em filmes de amor e em romances literários, muito lidos pela juventude da época.

O caso do lenço foi-me despertado ao ouvir a canção “Tua Cantiga”, do genial Chico Buarque, que contém os seguintes versos:

“Se as tuas noites não têm mais fim
Se um desalmado te faz chorar
Deixa cair um lenço
Que eu te alcanço
Em qualquer lugar”

O certo é que ao ouvir o álbum “Caravanas” do Chico, relembrei fatos idílicos dos bons tempos em que, nas tardinhas dos dias de domingo, a calçada que circunda a Matriz de Santana era o tapete de desfile de lindas, queridas e saudosas garotas de minha terra.

As mocinhas de braços dados, em grupos de duas ou três, passeavam em volta da igreja e, perfilados junto ao meio-fio da calçada, ficávamos admirados com a beleza que elas irradiavam. E não faltavam os galanteios e os olhares furtivos e cativantes. Então, quando uma menina “deixava o lenço cair” a paquera se estendia com troca de frases sentimentais de  pensadores ilustres, lidas e decoradas de almanaques e de folhinhas de calendário.

Era assim, no passeio da Praça Barão de Santa Rosa de minha terra, que muitos jovens simãodienses  inciavam namoros que, depois, se transformaram em firmes e felizes casamentos.

Na impossibilidade de literalmente “deixar cair o lenço”, muitos romances foram iniciados com o uso de um cartão – “cartão do cupido” – que eu imprimia nas oficinas do jornal “A Semana” e vendia para os colegas inibidos oferecerem às jovens preferidas, no passeio da praça.

O cartão tinha frases cafonas declarando amor e as seguintes palavras em cada canto: SIM, NÃO, TALVEZ e NUNCA. Era só entregar o cartão à garota escolhida e pedir que ela dobrasse no canto que tivesse a palavra que lhe conviesse e devolvesse.


Não é demais dizer que, como bom comerciante, eu sempre aconselhava aos compradores sobre o óbvio: o cartão só podia ser usado uma vez! Vendia muito e tinha alguns bons fregueses, justamente os que não se saíam bem na abordagem romântica.

O certo e prazeroso é que o cartão foi um sucesso e alguns namoros por ele iniciados também se consolidaram em casamentos felizes.

Bons e inocentes tempos.

ARACAJU, 21/11/2017

BETO DÉDA

domingo, 22 de outubro de 2017

A moça bonita vestida de cigana.

Uma das coisas que gosto é ouvir música. Em minha oficina de armengues, no Lago Dourado, me divirto fazendo artesanato e ouvindo cópias de canções antigas que me foram presenteadas por meu querido cunhado Haroldo (aqui pra nós, uma revelação chistosa: ele adora dizer que já está velho e exagerar na demonstração dos efeitos  do abatimento resultante da idade).

Pois bem. Recentemente, ouvindo velhas canções que foram marcantes em minha mocidade, uma delas despertou em minha memória um acontecimento inesquecível, envolvendo uma garota que fingia ser cigana e trajava a indumentária típica das que se dizem capaz de ver o futuro.

Nos anos cinquenta, a feira de Simão Dias tinha tudo que um jovem como eu admirava: frutas regionais, doces, refrescos, bois de barro, pássaros, rumbeiras, repentistas e camelôs que vendiam garrafadas e unguentos de óleo do peixe elétrico.

Também por lá se apresentavam, em pequenas barracas circundadas por lonas, fenômenos como o bezerro de duas cabeças e magias com jogos de espelhos em que uma mulher se transformava em besta-fera (diziam que era uma moça que bateu na mãe e se transformou no monstro do “Pracatu”, ou melhor, do Paracatu, que é um povoado do nosso município).

Mas vamos deixar de divagação e passemos ao ponto chave de nossa lembrança.

Em uma determinada noite de natal, apareceu no largo da feira uma apresentação mambembe em que um tocador de violão dedilhava a música “Zíngara” enquanto uma garota – bonita,  morena  e usando os trajes de cigana – dançava o flamenco.

Depois da apresentação, a mocinha se dirigia às pessoas para ler o futuro. Graciosa, com os olhos ligeiramente estrábicos, ela não deixava de me olhar. E eu, talvez hipnotizado, não perdia um lance de sua beleza. Então ela se aproximou e, usando o sotaque característico, iniciou sua conversa chamando-me de gajão. Não deixei ela concluir a mensagem. Encantado, recitei parte do poema "Zíngara", de Olegário Mariano:

     “Vem, ó cigana bonita
       Ver o meu destino
       Que mistérios têm.

       Tu com os olhos
       De quem ver no acaso
       O amor da gente
       Põe em minhas mãos
       O teu olhar ardente...

Ela atendeu sorridente. Fomos até um discreto beco e amparado no portal da loja de Seu Josino Barbosa, ao lado do prédio do antigo mercado, ela afagou minhas mãos e eu as dela. Tentou ler meu futuro e, para isto, deu tudo o que podia e lhe sobrava... 
No esforço para me agradar, sussurrou carinhosamente a previsão de meu futuro, dizendo que seria muito rico, preenchido por valores materiais significativos, muito valorizados por ela, sem contudo me impressionarem.

Mas – como era uma cigana de fantasia – seus presságios jamais se concretizaram: nunca fui comerciante, nem farmacêutico ou médico. E o pior, tenho uma dificuldade enorme em saber o nome de medicamentos, inclusive os seis que atualmente uso para controlar meu rebelde coração. 


Aquele devaneio não passou de uma noite de natal. Mas se tornou indelével em minha memória. O carinho daquele momento está gravado como a centelha de uma pérola que guardo no tesouro do meu acelerado coração.  E se torna redivivo quando ouço a canção “Zíngara”, da parceria de Olegário Mariano e Joubert Carvalho, interpretada por Gastão Formenti, um sucesso musical nos velhos tempos em Simão Dias.

São idílicas recordações que repasso para os amigos e aproveito o ensejo para postar o videoclipe que fiz com a artista baiana Rosa Luxemburgo, que em visita ao Lago Dourado se empolgou com nosso projeto e resolveu participar. 









Aracaju, 21/10/2017

BETO DÉDA

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Eu, artesão improvisado...

Na minha idade, o nada fazer provoca um estrago terrível, isto porque a mente sem ocupação é tragada pelos maus espíritos que dirigem os pensamentos para assuntos indesejados, onde proliferam o sofrimento, a depressão e, também, a maldade.

Sabendo disso – e em alguns momentos sofrendo também esse mal – procuro ocupar meu pensamento com uma variedade de mimos que açoitam para longe o que julgo maléfico.

Assim é que meu tempo é dividido entre escrever, ouvir boas músicas, conversar com amigos, cantar no banheiro e, em maior tempo, dedicar-me a tarefas como improvisado artesão.

O fato é que ocupo minha mente com muita distração. Em minha oficina de “armengues” tento aproveitar todo pedaço de madeira e esboçar um proveito. Um simples galho que sobrou da poda de um cajueiro, eu tento transformar em um brinquedo para meu neto.  E o melhor é que agindo assim desvio seus pensamentos da tela do celular, que nos dias atuais enfeitiça não só as crianças, mas também os adultos.

Nesta semana, depois de podar um cajueiro, notei que um galho poderia ser transformado em uma peça que lembrasse um dinossauro. Então serrei um pedaço, acrescentei outro e, como resultado, surgiu um uma mistura de camaleão e jacaré. Uma “escultura-armengue” do vovô Beto para povoar o vale dos dinossauros do meu querido neto.






E não foi só isto. Com um pouco de paciência, fiz duas mesinhas, torneando sobras de sarrafos de construção e usando duas toras de jaqueira que me foram ofertadas pelo sobrinho João Déda.



Também aproveitei um bueiro tubular de concreto e fiz uma nova “fonte dos desejos”, que orna o jardim do Lago Dourado.

Confesso que, na verdade, fico empolgado com minhas próprias realizações de "artesão-armengueiro”. Tanto é assim que pedi ao filho Bruno para fotografar meus feitos, que apresento aqui,  de modo a permitir que os amigos apreciem. E repitam o bondoso elogio de meu saudoso sogro, Seu Antônio Silva, que exclamava com ênfase ao apreciar meus trabalhos:

- Armengue de um artista...


Aracaju, 02/10/2017

BERO DÉDA

domingo, 24 de setembro de 2017

A GANÂNCIA INSACIÁVEL DOS DONOS DO CAPITAL.

Desde que o mundo é mundo o desejo insaciável de acumular riqueza é realizado pelos donos do capital explorando os minguados bolsos dos trabalhadores.
É uma triste realidade que nos dias atuais se torna mais agressiva em consequência da ação dos gananciosos que ilegitimamente comandam os poderes do nosso país.
Recentemente aprovaram uma Medida Provisória que determina ao trabalhador que adquiriu uma casa ou apartamento financiado, em caso de atraso nos pagamentos, a devolver o imóvel ao credor e continuar pagando o empréstimo, caso o banco considere que a dívida é maior que o valor da propriedade.
Em época de crise econômica, o valor dos bens sofre uma desvalorização considerável e a taxa de desemprego é altíssima. É a fase em que o trabalhador é atingido impiedosamente em sua capacidade de pagamento. E é justamente diante desta situação desfavorável que o ilegítimo governo e seus comparsas procuram beneficiar os bancos e causar mais estragos aos menos favorecidos. 
O trabalhador desempregado e sem condições de honrar os compromissos é obrigado a entregar a casa financiada e continuar com a obrigação de pagar o empréstimo quando o banco considerar a dívida maior que o valor do imóvel garantidor. Em outros termos isto significa: tudo para os donos do capital e taca nas costas do trabalhador.
Foi matutando sobre este absurdo, que me lembrei do tempo em que trabalhava no Banco do Nordeste, comandando a carteira de crédito rural. Naquela época cuidava o Banco de inspecionar os trabalhos realizados nas agências através do Departamento de Auditorias. Era o tempo em que as agências eram inspecionadas anualmente por dois auditores – geralmente um auditor experiente acompanhado de um novato. Em alguns casos era fácil identificar os novatos pela sua postura: empolgados, parecendo donos da verdade e, alguns, pedantes mesmo.
Pois bem. Lá pelo início dos anos oitenta, quando uma seca devastadora atingiu nossa região, o valor dos imóveis rurais sofreu uma forte desvalorização. Justo nesta ocasião a agência estava sendo inspecionada e um dos auditores era novato, arrotando absurdos.
Analisando as pastas de empréstimos selecionadas, o novato estranhou que avaliações atualizadas de imóveis oferecidos em garantia evidenciavam valor inferior ao percentual exigindo pelo banco. Mesmo sabendo que na época da formalização do empréstimo o valor do bem dado em garantia correspondia ao exigido pelo banco, o inexperiente auditor – fazendo pose e olhando para o alto com ar professoral – determinou que a agência exigisse dos clientes a apresentação de garantias adicionais e promovesse aditivos às cédulas que formalizaram os empréstimos. Sem conter o riso, informei ao inspetor que sua orientação era inviável, porque atingiria a quase totalidade dos financiamentos rurais. Era o problema sazonal e que passados os efeitos da seca os imóveis voltariam ao valor normal. Além disto, seria uma medida contrária à máxima adotada pelos bancos: os contratos devem ser honrados.
As exigências do novato não encontraram apoio do seu colega auditor, que percebendo o absurdo não vacilou em desaprová-las.  E o novato ganhou experiência...
...
Voltando à atualidade de nosso país e ao comentário acima sobre a tal Medida Provisória: fácil é notar que infelizmente não contamos com uma autoridade maior que, tal qual o auditor sênior de nosso causo, desaprove tamanho absurdo.
O pior é que, atualmente, o ‘temeroso mor’ é quem edita e comanda as medidas que defendem os interesses dos donos do capital e penaliza os trabalhadores.
Neste caso, também cabe nossa indignação e faço isto usando a expressão latina de repugnância: “Vade retro, Satana!” – que tem o mesmo significado da frase muito em voga nestes tempos sombrios: FORA TEMER!
Aracaju, 24/09/2017

BETO DÉDA

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

CANÇÕES MEMORÁVEIS


Tem canções que são encantadoras e inesquecíveis. Conheço muitas delas que despertam nossa memória para acontecimentos felizes vividos há muito tempo.   Nesta semana, em noite mal dormida, passei a ouvir antigas músicas na tentativa de driblar os efeitos perversos da insônia.

Com o aparelho de som ligado em volume discreto (baixinho mesmo, para não acordar Leninha), sintonizei canções que aprecio. Entre outras, passei a ouvir as interpretações de Cascatinha & Inhana (“Índia”, “Meu Primeiro Amor”, “Casinha Branca”, “Paloma”, “Quero Beijar-te as Mãos”, etc) e assim espantei para longe a insônia e passei calmamente a dormir.

E no meu leve sono, sonhei que estava em minha terra, deslumbrado com a beleza de um Parque de Diversões que, nos início dos anos cinquenta fez temporada, instalado na Praça da Matriz, ao lado do Grupo Escolar Fausto Cardoso.

No sonho lírico, eu ficava fascinado ao observar a garota amada risonha, divertindo-se no carrossel (que era chamado de “cavalinhos”), nos balanços, na “onda” e “sobrinhas”. E tudo acontecia ao ouvir ao longe, o serviço de alto-falante tocando a canção “Índia”, que era um sucesso da época.

Foi uma recordação tão supimpa que ouso confidenciar aos amigos –  e faço isto compartilhando a canção “Índia” interpretada por Cascatinha e Inhana.

No meu cabedal tem uma máxima que afirma: as boas recordações devem ser compartilhadas.

É o que faço aqui, com muito gosto.


Aracaju, 08/09/2017



BETO DÉDA

quarta-feira, 30 de agosto de 2017


O check-up de um "biriteiro"...

Tenho um amigo e conterrâneo que adora cerveja. Tudo é motivo a ser comemorado com uma taça da “loira gelada”. E não falta acontecimento para ele celebrar com um bom gole.

O fato é que essa paixão pela gostosa loira deixou intrigada a mulher do gajo bebedor. Não por ciúme (ela não era de ciumar). É que a dedicada esposa achou que o marido estava se excedendo nos goles e isto poderia causar-lhe algum problema de saúde. A preocupação foi crescendo à medida que os anos se passaram e a recomendação da mulher se tornando uma chatice. Todos os dias ela vociferava:

- Você tem que se cuidar. Este seu costume de todo dia levantar o copo não é bom pra saúde. Pratique exercícios físicos saudáveis.

E concluía em tom imperativo: Aprume-se, homem!

O amigo dava de ombros e virava o copo.


O certo é que a mulher começou a pensar que a saúde do marido estava fraquejando e insistiu que ele devia fazer um check-up médico.

A insistência da preocupada esposa convenceu o o paciente marido. Ele foi ao médico que o orientou a fazer uma bateria de exames.

No fim de semana anterior ao dia marcado para realização dos exames, ele não bebeu. E justificava que estava evitando a “loirinha” para que o teor alcoólico não influenciasse nos resultados.

Na manhã do dia programado ele compareceu ao laboratório antes mesmo do horário previsto para início do atendimento. Foi um dos primeiros da fila. A atendente era uma jovem simpática que anotou as requisições do médico e o cartão do plano de saúde.

Enquanto isto, ele debruçava-se no balcão, fixando os olhos gulosos na parte visível dos seios exuberantes da atendente. Estava desta forma, absorto em pensamentos maliciosos, quando foi surpreendido por uma indagação da moça:

- Veja bem, senhor, nesta relação de exames está um que o seu plano de saúde não cobre.  Nesse caso, se quiser fazê-lo, o senhor terá que pagar.

Ele tirou os olhos do bendito califom e, fitando o bonito rosto da moça, pediu informações sobre o tal exame. Mas não deixou que ela complementasse a resposta. Negou-se a pagar. Mandou que riscasse aquilo da lista. 

Uma senhora curiosa que estava ao lado não se conteve ao ouvir aquele diálogo. Era uma coroa que transparecia ser destas pessoas que dizem saber tudo sobre doenças, remédios e médicos. Então ela se virou para o amigo e o aconselhou a fazer o exame. “O custo não é grande e o resultado poderá ser importante”, disse ela.  E esclareceu, com muitos argumentos pessimistas, que não se deve economizar quando se trata de saúde.



Ao ouvi-la, o amigo meteu a mão em um dos bolsos, contou as cédulas correspondentes ao valor do exame, separando-as e guardando-as em outro bolso. Olhou bem para as duas, piscou para a alegre atendente,  e justificou:

- Se o plano de saúde não autoriza esse exame, eu também não vou autorizar. E o valor correspondente sai de um bolso e vai pra o outro, reservado ao pagamento de um engradado de cerveja para meu deleiteE começarei a bebericar ainda hoje, antes do almoço.

Não é pouco dizer que a coroa curiosa ficou boquiaberta, transparecendo malquerença, enquanto a simpática atendente esboçava um sorriso encantador.

Dito e feito, logo que recebeu o resultado dos exames o amigo saboreou uma loira gelada (sem colarinho) e eu o acompanhei com muito gosto. Enquanto virávamos o copo, contou-me ele que o médico nada indagara sobre o tal exame não realizado e, depois de analisar os resultados do check-up, afirmou que sua  saúde está nota dez.

...

PS- Ao finalizar cabe uma advertência: aqui não se faz apologia ao uso de bebidas alcoólicas, mas é uma história real e recente, que me foi contada por um simãodiense que aprecia moderadamente uma boa cerveja.  


Aracaju, 30/08/2017


Beto Déda

sexta-feira, 11 de agosto de 2017




A arte e a vida.

O desempenho de um bom artista me encanta e se ele é meu conterrâneo, aí então, eu fico maravilhado e me transformo em incondicional fã.  E ao dizer isto, confesso que fiquei imensamente alegre ao presenciar, recentemente, a atuação daquele que considero o máximo na arte de representar e que tenho uma grande admiração desde os velhos tempos. O artista é Harildo Déda.

E não é à toa esta minha confissão.  Além de ser um grande ator e reconhecido mestre da cena do teatro baiano, ele também é simãodiense, e, mais ainda, é meu primo, filho do meu sempre lembrado tio Paulo Déda.  

Também não é de agora que falo aos parentes e amigos sobre o orgulho que sempre tive e tenho ao vê-lo no teatro baiano, no cinema e em novelas da TV. 

Pois bem. Recentemente vibrei com a excelente apresentação de Harildo em um vídeo com o título “Morrer faz mal à saúde”, publicado no YouTube.  


                              
                 Harildo Déda em "Morrer faz mal à saúde" (ver no YuoTube).

E depois de assistir ao vídeo, veio-me a lembrança de um fato real que aconteceu lá pelas bandas da Rua do Curral, nas proximidades da Praça de São João, em Simão Dias.

Repasso para os amigos o acontecimento e o faço apurando cuidadosamente minha memória, isto porque o fato ocorreu há quase sessenta anos.

Maria de Tal era uma moça magra, alta, com cerca de trinta anos de idade, mas que aparentava ser mais velha, porque a dureza dos anos vividos começava, prematuramente, a dar sinais nas rugas do rosto comprido e prateando de alguns fios de seus longos cabelos. Ela não era bonita, mas transmitia simpatia e, embora fosse tantã da cabeça, era apreciável no seu modo de conversar.

Certa tarde, Maria estava suada, em frente a um quente fogão de lenha, torrando grãos de café, quando soube de uma notícia que abalou ainda mais seu pouco juízo. Soubera que seu noivado estava desmanchado. O traiçoeiro noivo já estava amancebado com outra e o projeto de casamento da infeliz moça tinha ido pra cucuias. 

A notícia causou-lhe uma tormenta no fraco juízo e ela reagiu puxando os próprios cabelos, dando pulos e gritos, alvoroçando os vizinhos. Descontrolada, partiu em disparada porta a fora e desceu ladeira abaixo em direção ao poço de tomar banho do Caiçá.  Chegando ao riacho, sentou-se à margem e baixou a cabeça entre os joelhos de suas compridas pernas.

Quem primeiro se aproximou, para satisfazer a insuperável curiosidade, foi um morador daquela redondeza, conhecido como Bão Preto, que indagou:

- Que diabo tá você fazendo aí na beira do Caiçá, moça?

Ela levantou a cabeça e com os olhos lacrimejando respondeu:

- Vim acabar com minha vida. Como eu tava torrando café e meu corpo tá muito quente, tou esperando esfriar pra pular no Caiçá e me afogar. Não quero mais viver... Mas prefiro morrer afogada e não estuporada...

Toma juízo, deixa de tuliça, muié, -  disse o velho Bão, que pegou no braço da frustrada suicida e cuidadosamente levou-a pra casa.

E ao passar, pelos curiosos, ele piscou o olho esquerdo e ditou: 

- Se afogá com o corpo quente faz má pra saúde, porque estupora...

ARACAJU, 11/08/2017


BETO DÉDA

terça-feira, 25 de julho de 2017

LEMBRANÇAS DA FESTA DE SANTANA EM SIMÃO DIAS.

O mês de julho é emblemático para os simãodienses, isto porque é nesta fase do ano que acontecem dois importantes acontecimentos em uma mesma semana: o primeiro corresponde ao ato religioso de culto à nossa padroeira, Nossa Senhora Santana; e o segundo porque é o mês que mais congrega os filhos da terra, em especial os que residem fora, numa confraternização formidável.

Embora fatores circunstanciais impeçam-me de comparecer este ano ao grande encontro com os conterrâneos, dediquei-me a relembrar de nossa festa ao longo de mais de cinquenta anos. E fiz isto relendo, no jornal "A Semana", a seção “Acontecimentos Sociais”, que, em 1959, era escrita por meu irmão Artur Oscar de Oliveira Déda; e que,  em 1966, eu era o redator.  Naquela época, escrevíamos no jornal usando pseudônimos, e o fazíamos seguindo o exemplo de meu pai que utilizava desse artifícios em muitos dos seus escritos. 


Na seção que noticiávamos assuntos sociais, Artur escrevia com o nome fictício de RAMÍRES, enquanto eu usava o pseudônimo CARLYLE.

  

Embora com uma diferença de dez anos, as reportagens sociais que escrevíamos sempre focalizavam o mesmo ponto de encontro dos simãodienses: o Cayçara Clube, que ficava na Rua Cônego Andrade, onde hoje é um prédio da Igreja Universal.
O prédio do Cayçara Clube

Os bailes eram realizados com conjuntos musicais da própria cidade e, nos grandes eventos, eram contratadas orquestras de renome de outras paragens.

Hoje não existe o Cayçara Clube, surgiram outros centros recreativos e as festas são encerradas em praça pública, com bandas modernas. Tudo no seu devido tempo. Os locais são diferentes, mas têm um ponto comum: a alegria. Com um detalhe: a praça reúne ainda mais os amigos.

Nossa padroeira, na semana que lhe prestamos homenagem, patrocina o  encontro cordial dos ilustres conterrâneos.

Assim é que, diante de impossibilidade de comparecer ao dia festivo, relembro de minha terra e de minha gente lendo velhas reportagens... 

E repasso, para lembranças dos amigos interessados,  recortes de nossas reportagens sobre as festas:


Em 1959, escrita por Artur Oscar Déda: 


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Em 1966, escrita por Beto Déda:




Aracaju, 25-07-2017

BETO DÉDA           

domingo, 2 de julho de 2017

Lembrando Dr. Célio Loureiro: “As aparências enganam”...

Ultimamente ando mancando: com um pé na chinela de dedo e outo no sapato. Uma vizinha me indagou: "Perdeu um sapato ou está economizado?". Nem uma coisa, nem outra, respondi. Caí e torci o pé. 

Ainda em recuperação, resolvi dar uma volta lá pelas bandas Mosqueiro. Fui atacado por centenas de muriçocas. Pinicaram meu corpo até por cima de minhas roupas. A camisa de malha e as meias de algodão não impediram a ferocidade das picadas dos mosquitos. Resultado: passei a ter intermitentes ataques de coceira decorrentes de alergia. Uma comichão terrível que me irrita e deixa o corpo pintado. Tive que recorrer por duas vezes a uma clínica para debelar os efeitos alérgicos. Ainda  não estou curado; nem da torção do pé, nem da coceira.

Enquanto permaneço em casa, fico analisando velhos documentos e fotografias. E me divirto ao rever os arquivos.  Observadores íntimos afirmam que sou um acumulador de documentos.  Guardo velhos papéis que retratam passos de minha vida e de meus ancestrais. Daí o amigo Odilon Machado dizer que pareço um cavaleiro medieval, com aquelas armaduras, guardador das relíquias da família. Pois que seja!  É de minha natureza manter tais recordações e,  quando sobra um  tempinho, perscrutá-las.

Assim é que, remexendo meus arquivos, deparei-me com antigas charges publicadas pelo humorista Carlos Estevão na revista “O Cruzeiro”, em uma seção com o título “As aparências enganam”, na qual demonstrava as interpretações falsas provocadas por uma visão sombria dos fatos. Então apresentava dois desenhos de um mesmo fato, um com silhuetas e outro sem sombras, de modo evidenciar que as aparências enganavam. Um bom exemplo é a charge que retrata uma alegre festa de aniversário: quando evidenciada em sombras, as silhuetas nos levam ao erro de interpretar a cena como um fato sinistro; e em sentido contrário, a mesma cena sob o brilho das luzes mostra que não passa de uma divertida festa. 

As aparências enganam  - Carlos Estevão:

 

Ao continuar revendo meus arquivos, encontrei um Boletim de Notícias do BNB em que apareço em uma foto no encerramento do X Curso de Administradores de Agências patrocinado pelo Banco do Nordeste, em 1969. Com tal jornalzinho estavam arquivadas minhas provas daquele curso.  


Como uma recordação leva à outra, em minha bendita cachola fiz o liame entre o humor de Carlos Estevão e uma lição do saudoso Prof. Célio Loureiro Cavalcante, que era um importante advogado de Fortaleza, dirigia o Departamento Jurídico do Banco do Nordeste, o famoso DEJUR, e lecionava, com competência, cursos patrocinados pelo banco. 

Pois bem, em suas aulas de Direito Bancário, Dr. Célio costumava nos orientar a não esquecer que as aparências enganam e aproveitava o ensejo para lembrar de que as regras gerais sempre apresentam exceções.

Recordo-me que, certa vez, em sala de aula, um colega estava analisando um problema e concluiu pela subsunção do fato a um artigo de lei. Com seu gesto característico de esfregar calmamente as mãos, o Dr. Célio sugeriu cautela na conclusão, afirmando que a citação do dispositivo legal estava correta, mas “em termos”, ou seja, guardada as devidas proporções. Enfático, ele recomendava evitarmos nos curvar apressadamente às aparências, porque elas enganam. E com maestria apresentava exemplos esclarecedores de exceções à rega geral. O que me fazia lembrar dos provérbios populares, tão a gosto do meu saudoso pai: “Nem tudo que reluz é ouro” ou “Nem tudo que balança cai”.   

Nunca esqueci o elogio que o Dr. Célio me fez na última aula daquele curso. Ao entregar minha prova, olhou-me com seu sorriso peculiar – surpreso com o resultado, diante de minha discreta, quase imperceptível presença no decorrer das aulas – e afirmou:

-  Você, hem, caladinho e calmo no seu lugar, mas danado sabendo das coisas. E entregando-me a prova que rubricou a nota máxima, concluiu: As aparências enganam; parabéns!.

Na verdade, quem mereceu parabéns foi o ilustre professor. Embora minha aparência sugerisse alheamento ou falta de atenção aos ensinamentos do mestre, isto não correspondia a realidade.  As aparências enganavam. Eu estava atento e o meu silêncio era indicativo de que suas explanações não deixavam dúvidas. O mérito era dele que, com competência, sabia ensinar.

No encerramento daquele curso, o competente professor foi merecidamente agraciado pelos alunos com uma placa de prata.

Depois de relembrar estes fatos, tomei conhecimento - com muito pesar -  que o venerável Professor Célio Loureiro já não está em nosso convívio. Desde o final de abril deste ano, quando já contava com  88 anos de idade, ele passou para a dimensão celeste, deixando saudades.

O ilustre professor revive em nossas lembranças e, aqui, presto-lhe minha sincera e humilde homenagem.

Aracaju, 02/07/2017

Beto Déda

quinta-feira, 22 de junho de 2017

O FRIO EM SIMÃO DIAS, O ‘VIN D’HONNEUR’ E A INESQUECÍVEL GAROTA DE ‘BABY-DOLL’.

Neste domingo chuvoso a temperatura baixou aqui em Aracaju e fiquei em casa convalescendo de uma torção no tornozelo e de alergia provocada pelas temíveis muriçocas do bairro Mosqueiro.

Em conversa, via internet, com minhas amigas Amanda Santos e Ana Maria Ferreira soube que a época de frio já chegou a Simão Dias e em Paripiranga. Naquela região, nos idos de minha juventude, a temperatura atingia 14 graus centígrados. É um frio gostoso, bom pra dormir e pra namorar.  É o tempo agradável de saborear um chocolate quente e um licor de jenipapo.

Nos invernos dos anos cinquenta, em noites de sábado, depois do cinema, lá pelas 22 horas, a rapaziada (eu, Zé Carlos Déda, Heraldo Guerra, Francisco Dias, Gildo Fraga, Gildo Matos,  Brício Matos, Sebastião Araújo e Oscarlito) se reunia no Bar de Pedro Mendes, em Simão Dias,  ou no Bar de Bezerrinha, em Paripiranga, para degustar um queijo de coalho  e brindar a amizade com copos de vinho tinto. Em um dessas noites apareceu um colega benebeano, conhecedor de fidalguias, que passou a qualificar aquela reunião com uma frase francesa que pronunciava fazendo biquinho: “Vin d’honneur”. E informava que no velho mundo o tal “Vin d’honneur” significava “vinho da honra”, no sentido de um evento comemorado com bons vinhos, acompanhado de queijos e outros petiscos.

Ao ouvir tal discurso, o saudoso Brício Matos, sempre gozador, acrescentava sua interpretação, em voz pausada:

- No meu modesto entendimento, a tradução real para esse tal ‘d’honneur’ é: danado. Porque reflete as consequências que teremos ao expurgá-lo, pelas vias superiores e inferiores, na ressaca de amanhã”.

E erguia uma taça antiga, brindando os colegas e expondo o vermelhão de seu rosto em uma gargalhada que contagiava toda turma.

Nas reuniões também eram servidas bebidas quentes, como  a famosa caipirinha ou um aguardente chamado “quentão”, que ardia na goela mas esquentava o corpo. E no Bar de Bezerrinha sempre tinha o apreciado tira gosto de uma galinha de capoeira. Coisas apreciáveis nos invernos de antão em minha terra natal e na vizinha cidade de Paripiranga, que carinhosamente chamávamos de Paris.

Ao lembrar o frio de minha terra, ocorreu-me também que, há cinco anos, estimulado pelo amigo Clínio Guimarães, comentei, aqui, minhas recordações de adolescente nas frias manhãs de sábado, quando eu andava literalmente por todas as ruas de Simão Dias, distribuindo o jornal "A Semana", editado por meu saudoso pai.

Nos meses de inverno era aquele frio gostoso, debelado pelo meu andar rápido de garoto. Para a maioria dos assinantes a entrega era feita por debaixo das portas, com o clarear dos primeiros raios de sol. Mas alguns deles invariavelmente aguardavam a minha passagem para a leitura matinal de "A Semana". Eram os habituês, como dizia João Jacó, locutor e projetista do Cine Brasil. Lembro-me agora de alguns deles. Na praça da Matriz, era o dentista Dr. Fraga Matos (pai de Dr. Gilson, Dr. Gildo e Auxiliadora), que com seu sorriso bonachão passava suas mãos por meus desalinhados cabelos, tal como fazia meu pai. Era um gesto que na minha mente representava o mais nobre sinal de carinho de um adulto para uma criança, era um elogio ao meu comportamento e me transmitia uma confiança enorme. Outros assinantes que também me aguardavam, esfregando as mãos para espantar o frio: na Rua da Feira, o Sr. Josino Barbosa; na Rua de Estância, Dr. Alceu Conceição (irmão de Durval, construtor do Cine Brasil); na Rua do Coité, D. Aldina (avó de Clínio); na Rua do Cine Ipiranga, Seu Inocêncio Nascimento (meu padrinho); na Rua Canafístula, Seu Zuzu (mecânico que cuidava da  usina elétrica); na Rua do Pastinho, Seu Coelho (lembro-me que era um senhor baixo, cabelos grisalhos, usava um pequeno chapéu e lia o jornal com um grande  interesse). E outros que se arriscavam a acordar cedo e enfrentar o frio do inverno, que não menciono aqui por falha na memória.

Como jornaleiro, lembro-me de outros dois fatos marcantes que registro aqui. O primeiro me irritava e afastava o frio que era tangido pela raiva. Tinha um colega, do Grupo Escolar, que quando me via entregando jornal, gritava para me pirraçar: -Jornaleiro, me dá um jornal feminino... Eu ficava puto da vida e tinha vontade de arremessar os jornais na cara do fi-da-p... Hoje, a lembrança me diverte.

O outro fato é de recordação sublime, que me deixa em estado de graça sempre que lembro. É o caso da garota que usava um fantástico baby-doll (uma curta e elegante roupa de dormir parecida com camisola). Foi assim: sabendo que a filha de um assinante acompanhava com vivo interesse matéria do jornal, eu fazia questão de entregar o exemplar pessoalmente. Escolhia a hora apropriada e anunciava em voz alta, para acordar a garota leitora: - Olha o jornal "A Semana"! E repetia até ouvir a voz melodiosa pedir que entrasse para entregar pessoalmente o jornal. Eu entrava e me deslumbrava ao ver a garota de baby-doll... As entregas e as maravilhosas visões se repetiram... E nessas ocasiões o frio não me incomodava. O Sangue fervia!

São lembranças gostosas de tempos felizes.

Aracaju, 22/06/2017

Beto Déda