O FRIO EM
SIMÃO DIAS, O ‘VIN D’HONNEUR’ E A INESQUECÍVEL GAROTA DE ‘BABY-DOLL’.
Neste
domingo chuvoso a temperatura baixou aqui em Aracaju e fiquei em casa
convalescendo de uma torção no tornozelo e de alergia provocada pelas
temíveis muriçocas do bairro Mosqueiro.
Em
conversa, via internet, com minhas amigas Amanda Santos e Ana Maria Ferreira
soube que a época de frio já chegou a Simão Dias e em Paripiranga. Naquela
região, nos idos de minha juventude, a temperatura atingia 14
graus centígrados. É um frio gostoso, bom pra dormir e pra namorar. É o tempo agradável de saborear um chocolate quente
e um licor de jenipapo.
Nos
invernos dos anos cinquenta, em noites de sábado, depois do cinema, lá pelas 22
horas, a rapaziada (eu, Zé Carlos Déda, Heraldo Guerra, Francisco Dias, Gildo
Fraga, Gildo Matos, Brício Matos,
Sebastião Araújo e Oscarlito) se reunia no Bar de Pedro Mendes, em Simão Dias, ou no Bar de Bezerrinha, em Paripiranga, para
degustar um queijo de coalho e brindar a
amizade com copos de vinho tinto. Em um dessas noites apareceu um colega
benebeano, conhecedor de fidalguias, que passou a qualificar aquela reunião com
uma frase francesa que pronunciava fazendo biquinho: “Vin d’honneur”. E informava que no velho mundo o tal “Vin d’honneur” significava “vinho da
honra”, no sentido de um evento comemorado com bons vinhos, acompanhado de queijos e
outros petiscos.
Ao
ouvir tal discurso, o saudoso Brício Matos, sempre gozador, acrescentava sua
interpretação, em voz pausada:
- No meu modesto entendimento, a
tradução real para esse tal ‘d’honneur’ é: danado. Porque reflete as
consequências que teremos ao expurgá-lo, pelas vias superiores e inferiores, na
ressaca de amanhã”.
E
erguia uma taça antiga, brindando os colegas e expondo o vermelhão de seu rosto
em uma gargalhada que contagiava toda turma.
Nas reuniões também eram servidas bebidas quentes, como a famosa caipirinha ou um aguardente chamado “quentão”, que ardia na goela mas esquentava o corpo. E no Bar de Bezerrinha sempre tinha o apreciado tira gosto de uma galinha de capoeira. Coisas apreciáveis nos invernos de antão em minha terra natal e na vizinha cidade
de Paripiranga, que carinhosamente chamávamos de Paris.
Ao
lembrar o frio de minha terra, ocorreu-me também que, há cinco anos, estimulado pelo amigo Clínio Guimarães, comentei,
aqui, minhas recordações de adolescente nas frias manhãs de sábado, quando eu
andava literalmente por todas as ruas de Simão Dias, distribuindo o jornal
"A Semana", editado por meu saudoso pai.
Nos
meses de inverno era aquele frio gostoso, debelado pelo meu andar rápido de garoto.
Para a maioria dos assinantes a entrega era feita por debaixo das portas, com o
clarear dos primeiros raios de sol. Mas alguns deles invariavelmente aguardavam
a minha passagem para a leitura matinal de "A Semana". Eram os habituês,
como dizia João Jacó, locutor e projetista do Cine Brasil. Lembro-me agora de
alguns deles. Na praça da Matriz, era o dentista Dr. Fraga Matos (pai de Dr.
Gilson, Dr. Gildo e Auxiliadora), que com seu sorriso bonachão passava suas
mãos por meus desalinhados cabelos, tal como fazia meu pai. Era um gesto que na
minha mente representava o mais nobre sinal de carinho de um adulto
para uma criança, era um elogio ao meu comportamento e me transmitia uma
confiança enorme. Outros assinantes que também me aguardavam, esfregando as
mãos para espantar o frio: na Rua da Feira, o Sr. Josino Barbosa; na Rua de
Estância, Dr. Alceu Conceição (irmão de Durval, construtor do Cine Brasil); na
Rua do Coité, D. Aldina (avó de Clínio); na Rua do Cine Ipiranga, Seu Inocêncio
Nascimento (meu padrinho); na Rua Canafístula, Seu Zuzu (mecânico que cuidava
da usina elétrica); na Rua do Pastinho, Seu Coelho (lembro-me que era um
senhor baixo, cabelos grisalhos, usava um pequeno chapéu e lia o jornal com um grande interesse). E outros que se arriscavam a acordar cedo e enfrentar o
frio do inverno, que não menciono aqui por falha na memória.
Como
jornaleiro, lembro-me de outros dois fatos marcantes que registro aqui. O
primeiro me irritava e afastava o frio que era tangido pela raiva. Tinha um
colega, do Grupo Escolar, que quando me via entregando jornal, gritava para me
pirraçar: -Jornaleiro, me dá um jornal feminino... Eu ficava puto
da vida e tinha vontade de arremessar os jornais na cara do fi-da-p... Hoje,
a lembrança me diverte.
O
outro fato é de recordação sublime, que me deixa em estado de graça sempre que
lembro. É o caso da garota que usava um fantástico baby-doll (uma curta e elegante
roupa de dormir parecida com camisola). Foi assim: sabendo que a filha de um
assinante acompanhava com vivo interesse matéria do jornal, eu fazia questão de
entregar o exemplar pessoalmente. Escolhia a hora apropriada e anunciava em voz
alta, para acordar a garota leitora: - Olha o jornal "A
Semana"! E repetia até ouvir a voz melodiosa pedir que entrasse
para entregar pessoalmente o jornal. Eu entrava e me deslumbrava ao ver a
garota de baby-doll... As entregas e as maravilhosas visões se repetiram... E
nessas ocasiões o frio não me incomodava. O Sangue fervia!
São lembranças
gostosas de tempos felizes.
Aracaju, 22/06/2017
Beto Déda