Um
das histórias “penosas” de Tio Paulo
Meus tios sempre
demonstraram uma atenção especial comigo.
Desde garoto eu frequentava muito suas casas e eles me encantavam ao
narrar fatos da vida, procurando um viés que retirasse um exemplo para minha observância
no futuro. Não é demais afirmar que até
hoje tenho uma saudade imensa de todos eles.
Mas tinha um que eu
tinha um carinho imenso, porque tive uma intimidade maior. Era o tio Paulo. Tenho
várias razões para isto. Minha admiração não foi apenas no tempo de criança ou
de adolescente. Nossa amizade se firmou ainda mais depois dele aposentado e eu
já adulto. Quando ele ficou viúvo passou a morar próximo à minha residência e quase
que diariamente, à noite, após o jantar, eu ia à sua casa para uma animada
conversa. Ainda hoje, quando passo próximo àquela casa, relembro com saudade o
querido tio.
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Tio Paulo me contando as "penosas" |
Ele tinha um modo
especial de contar os causos e o fazia transbordando humor. Gostava imensamente
de narrar fatos picantes que ele denominava “histórias penosas”. Um simples
acontecimento era matéria prima para seu repertório de piadas “penosas”, que
magistralmente usava como chave para abrir risos, inclusive daqueles que têm a
cara amarrada.
Enquanto ele fumava
um charuto da Suerdieck (que era produzido na cidade baiana de Cruz das Almas),
contou-me o caso que aconteceu com um comerciante do mercado de Aracaju. Repasso
pra vocês mais ou menos o que me lembro.
Na segunda metade
dos anos 50, tio Paulo residia aqui em Aracaju e tinha uma loja no Mercado, onde
vendia calçados produzidos em sua fábrica “Sidon”, situada em Simão Dias.
Naquela época,
muitos negociantes, como meu tio, moravam na Avenida Simão Sobral e pegavam uma
marinete (ônibus) para se deslocarem ao mercado. Entre eles, destacava-se um
senhor, conhecido como Alvinho, que primava no vestir e gostava de usar um
terno branco, impecavelmente limpo.
Naquele tempo, as
oficinas da Ferrovia Leste Brasileiro funcionavam em frente ao mercado e à
tardinha alguns trabalhadores da Ferrovia, vestidos em macacões manchados de
graxa, também tomavam o ônibus em direção ao norte da cidade.
Certo dia o seu
Alvinho verificou tristemente que, no ônibus, um trabalhador das oficinas
sentara ao seu lado e sujou seu impecável terno. Esse transtorno foi o ponto
chave para ele bolar um plano para se livrar dos sujos. Preparou um pacote com
a aparência de uma caixa de ovos e, sempre que entrava no ônibus, colocava-o
junto ao seu assento. Quando algum passageiro se aproximava, ele avisava
categoricamente, apontando para o invólucro: Cuidado com os ovos!
Usando essa
estratégia, ele afastava os sujos e se protegia.
Certo dia, um
curioso aprendiz das oficinas notou que o pacote de ovos do seu Alvinho não
mudava; tinha o mesmo papel de embrulho e a mesma forma. Então pensou com seus
botões: “Esse velho tá gozando com a
gente. Não tem nada de ovos naquele pacote”.
Pensando assim, aproximou-se
do seu Alvinho e sem dar bolas para a costumeira advertência do cuidadoso
senhor, sentou-se sobre o bendito pacote e imediatamente deu um pulo de agonia,
gritando de dor: - Uai!...
Ao perceber o grito do incauto aprendiz, seu
Alvinho exclamou sem esconder a satisfação: – Bem que eu avisei para ter
cuidado com os ovos...
O certo é que em
sua advertência ele se referia a outros ovos, porque no pacote existia apenas
uma barra de sabão com vários pregos grudados com as pontas pra cima. Pregos de
ripão, bem pontiagudos!
Aracaju, 28 de novembro de
2014.
Beto Déda
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