quarta-feira, 17 de dezembro de 2014


Um das histórias “penosas” de Tio Paulo

Meus tios sempre demonstraram uma atenção especial comigo.   Desde garoto eu frequentava muito suas casas e eles me encantavam ao narrar fatos da vida, procurando um viés que retirasse um exemplo para minha observância no futuro.  Não é demais afirmar que até hoje tenho uma saudade imensa de todos eles.

Mas tinha um que eu tinha um carinho imenso, porque tive uma intimidade maior. Era o tio Paulo. Tenho várias razões para isto. Minha admiração não foi apenas no tempo de criança ou de adolescente. Nossa amizade se firmou ainda mais depois dele aposentado e eu já adulto. Quando ele ficou viúvo passou a morar próximo à minha residência e quase que diariamente, à noite, após o jantar, eu ia à sua casa para uma animada conversa. Ainda hoje, quando passo próximo àquela casa, relembro com saudade o querido tio.

Tio Paulo me contando as "penosas"
Ele tinha um modo especial de contar os causos e o fazia transbordando humor. Gostava imensamente de narrar fatos picantes que ele denominava “histórias penosas”. Um simples acontecimento era matéria prima para seu repertório de piadas “penosas”, que magistralmente usava como chave para abrir risos, inclusive daqueles que têm a cara amarrada.

Enquanto ele fumava um charuto da Suerdieck (que era produzido na cidade baiana de Cruz das Almas), contou-me o caso que aconteceu com um comerciante do mercado de Aracaju. Repasso pra vocês mais ou menos o que me lembro.

Na segunda metade dos anos 50, tio Paulo residia aqui em Aracaju e tinha uma loja no Mercado, onde vendia calçados produzidos em sua fábrica “Sidon”, situada em Simão Dias.

Naquela época, muitos negociantes, como meu tio, moravam na Avenida Simão Sobral e pegavam uma marinete (ônibus) para se deslocarem ao mercado. Entre eles, destacava-se um senhor, conhecido como Alvinho, que primava no vestir e gostava de usar um terno branco, impecavelmente limpo.

Naquele tempo, as oficinas da Ferrovia Leste Brasileiro funcionavam em frente ao mercado e à tardinha alguns trabalhadores da Ferrovia, vestidos em macacões manchados de graxa, também tomavam o ônibus em direção ao norte da cidade.

Certo dia o seu Alvinho verificou tristemente que, no ônibus, um trabalhador das oficinas sentara ao seu lado e sujou seu impecável terno. Esse transtorno foi o ponto chave para ele bolar um plano para se livrar dos sujos. Preparou um pacote com a aparência de uma caixa de ovos e, sempre que entrava no ônibus, colocava-o junto ao seu assento. Quando algum passageiro se aproximava, ele avisava categoricamente, apontando para o invólucro: Cuidado com os ovos!

Usando essa estratégia, ele afastava os sujos e se protegia.

Certo dia, um curioso aprendiz das oficinas notou que o pacote de ovos do seu Alvinho não mudava; tinha o mesmo papel de embrulho e a mesma forma. Então pensou com seus botões: “Esse velho tá gozando com a gente. Não tem nada de ovos naquele pacote”.

Pensando assim, aproximou-se do seu Alvinho e sem dar bolas para a costumeira advertência do cuidadoso senhor, sentou-se sobre o bendito pacote e imediatamente deu um pulo de agonia, gritando de dor: - Uai!...

 Ao perceber o grito do incauto aprendiz, seu Alvinho exclamou sem esconder a satisfação: – Bem que eu avisei para ter cuidado com os ovos...

O certo é que em sua advertência ele se referia a outros ovos, porque no pacote existia apenas uma barra de sabão com vários pregos grudados com as pontas pra cima. Pregos de ripão, bem pontiagudos!

Aracaju, 28 de novembro de 2014.

Beto Déda

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