A DOR-DE-COTOVELO DO
POLÍTICO E DO SEU PARDAL...
Tenho
muitas recordações do tempo que trabalhei no Banco do Nordeste. Alguns casos
merecem registro e aqui vão dois deles, distantes em quase uma década entre um
e outro.
Nos
início dos anos 80 participei de uma reunião entre Dr. Camilo Calazans, então
Presidente do Banco do Nordeste, e os Gerentes das unidades do BNB em Sergipe.
Naquela reunião Dr. Camilo afirmou que no dia
anterior recebera de um conhecido político um pedido incomum. Esclareceu que o normal era atender solicitações
em que reivindicavam atendimento de pleitos de seus municípios, mas que naquele
caso, pela primeira vez, um político solicitava que não atendesse proposta de
financiamento formalizada por uma determinada prefeitura para reforma de um
mercado. Dizendo-se decepcionado, Dr. Camilo afirmava que, na tentativa de
prejudicar o Prefeito, o político pretendia prejudicar toda população do seu
município.
O
gerente da Agência onde ocorrera o fato esclareceu a situação. Disse ele que se
tratava de uma tremenda dor-de-cotovelo do político solicitante: os eleitores o
abandonaram e seu candidato a prefeito perdera a eleição. Como vingança,
pretendia cortar o crédito do município e inviabilizar a atuação do prefeito
eleito, não se importando em causar prejuízos aos munícipes.
Enquanto Dr. Camilo concluía o seu
pronunciamento, lembrei-me de um caso acontecido alguns anos antes. Foi o
seguinte.
Certa
manhã apareceu na Agência de Simão Dias um tipo muito engraçado, cabelos lisos,
longos e puxados para cima, olhos miúdos, guarnecidos por óculos apoiados na
ponta do nariz e seguros por um cordão parecendo cadarço de sapatos.
Recordo-me
bem o primeiro dia que o avistei. Ele estava sentado no banco de espera, com as
mãos cruzadas, segurando o joelho direito levemente levantado e balançando o
pé.
Foi
o saudoso colega e amigo José Américo que me sugeriu observar o novo cliente:
– Diga-me, Beto, se o
sujeito ali, balançando o pé, parece ou não com o Prof. Pardal dos desenhos
animados?
A
figura lembrava realmente o personagem do Walter Disney. Tanto é assim que
passou a ser conhecido entre os colegas como Seu Pardal.
Orientado
por um comerciante pilhérico, que não gostava da bossa de alguns bancários, Seu
Pardal chegou à Agência referindo-se cerimoniosamente ao Gerente como “Vossa
Majestade” e aos funcionários com “Vossa Alteza”. Com jeito, foi
dissuadido a deixar de usar tais pronomes e estimulado a substituí-los por
“senhor”. Prontamente atendeu ao conselho e bem sério repetia: – Tá certo, “sôr”!.
Então
o Seu Pardal foi fazer o cadastro com o colega mineiro Gilberto, que entre
outras perguntas, indagou qual era a prole
dele.
Atordoado
com a estranha pergunta, Seu Pardal coçou a cabeça, ajeitou os óculos, mexeu
com os olhos, fixou-os no Gilberto, pensou cautelosamente e perguntou: – “Cuma é?”
E
o colega, pacientemente, com um sorriso, esclareceu que ao perguntar-lhe sobre
a prole queria saber quantos filhos e filhas ele tinha.
Animado
com a explicação cuidadosa, Seu Pardal respondeu fazendo pose:
- Ói, sôr! Eu tenho uma
prole e dois prolinhos...
Em pouco tempo ele se tornou conhecido de
todos, fato que o desinibia a falar muito e em boa altura.
Um dia, assim que a Agência abriu, ele chegou
ao balcão do setor rural, me chamou, exclamando em voz alta, exalando o cheiro
do cravo-da-índia que mastigava para suavizar o ranço da noite mal dormida:
– Seu Beto, eu venho fazer um
pedido ao senhor. Peço que encarecidamente corte o crédito do Tonho Titó. Ele
não merece crédito!
E
antes mesmo que eu perguntasse a razão daquele singular pedido, ele bradou para
que todos ouvissem:
- Pois não é que o desgramado
do Tonho vestiu uma roupa vistosa, usou seu chapéu “cheque sem fundo”,
embonecou seu burro com arreios novos e foi saçaricar no terreiro de minha
casa. Lá, deu um assobio, e quando minha teúda e manteúda apareceu, ele pegou
ela, assentou bem no cabeçote do animal e poeirou estrada afora. Fugiram...
Ladrão de mulher, desgraçado! Não merece crédito...
E,
exasperado, com os olhos miúdos faiscando, acrescentou:
- O pior: não tem um mês
que levei a desgraçada até Aracaju, pra se receitar com um doutor que cuida das
partes pudendas das mulheres. Gastei duzentos contos e ela ficou nos trinques.
E mais: comprei o vestido caro e fino que a sem-vergonha usou no dia que se
foi. E o peste do Tonho é que vai gozar
de tudo...
Diante
do olhar incrédulo dos que escutaram o lamento, auxiliado por um amigo, Seu
Pardal desceu as escadas do andar onde funcionava a carteira rural, com a
cabeça baixa, alisando o cotovelo e repetindo: “O Tonho não merece crédito”...
E
o colega Zé Américo, com seu modo peculiar de encarar os fatos, não perdeu a
oportunidade, afirmando:
–
“Tadinho do Seu Pardal. Para se defrontar
com o azar não precisa pisar no rasto de outros “sofredores”, basta andar pra
traz, cobrindo suas próprias pegadas...”
Aracaju, 30/11/2014
Beto Déda
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