segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Os refrescos de tamarindo e de jenipapo.

Neste momento minha memória se volta para os tempos dos cachos amarelos das acácias existentes na Praça de São João e, também, no bangalô de Seu Pierre, na Rua dos Ribeiros.

As flores amarelas das acácias indicavam o mês de dezembro e a proximidade do Natal. Significavam também que a diversão estava por começar na antiga Rua da Feira, local onde se concentravam as barracas de guloseimas e os brinquedos para crianças (carrossel, balanços com  barcos e ondas).

Era o tempo de colher os tamarindos bem amadurecidos, denominados “chocós”, devido a cor semelhante ao chocolate, para transformá-los em azedinhos refrescos (também conhecidos como “ponches”). Naquela época, desconhecíamos os aparelhos modernos para realização de tarefas simples, como o liquidificador. Os tamarindos eram descascados e depois esmagados em uma peneira de pindoba, para em seguida diluir em água do pote ou da moringa, com razoável quantidade de açúcar para transformá-los em saborosos refrescos.  Uma delícia que, ao nos lembrar do gosto “azedinho”, deixa-nos com água na boca.

Também era a estação dos jenipapos. Bem maduros, com cheiro ativo. Para fazer os ponches ou jenipapada o trabalho era maior: tirávamos a pele enrugada e as sementes, deixando apenas a polpa, que, com uma faca tipo peixeira, era triturada em uma tábua. Batíamos a faca em ritmo, cortando a fruta em pedacinhos e, lembrando o nome, cantávamos uma canção que tinha o seguinte estribilho:

             “JENI, JENI, passou por aqui e fez PAPU...”

O trabalho de fazer o refresco ficava com minhas irmãs, que misturavam os pedacinhos da fruta com água fria e açúcar. Estava pronto o refresco.

Os dois sucos eram consumidos na ceia de Natal, onde não faltavam o arroz de galinha, os confeitos de castanhas e os jenipapos cristalizados (a polpa da fruta era cortada e as fatias, untadas de açúcar, postas ao sol para secar).

Estes eram os refrescos servidos em casa. Mas na festa de largo, na rua da feira, o bom mesmo era o guaraná da barraca do Mudo ou a de Zé Pretinho. Fabricado por eles e que tinha o nome de “AMOROSA”, acondicionada em barris e vendidas aos copos pelo preço de quinhentos réis (uma moeda com a efígie de Getúlio Vargas). O Zé Pretinho tinha um método formidável de anunciar seu refresco, gritando em som estridente que se ouvia ao longe:

- Aqui está a melhor "amorosa"! É cheia... é cheia e só paga quinhentos réis...

E tinha também os refrescos fabricados com extratos de maçãs pelo primo Wellington, com o adjutório do irmão Carlos Eugênio, os quais, em suas traquinagens, semelhantes ao Chaves da TV mexicana, vendiam em frente à feira dos cavalos, próximo ao Aloque de tio Paulo.

São lembranças dos dias que antecipavam as festas natalinas de Simão Dias. Os sabores dos refrescos, dos doces e do arroz de galinha, a exuberância das árvores da Praça de São João, a expectativa das festas natalinas e o início das férias escolares eram fatos animadores que transformavam dezembro em um dos meses mais queridos de nossa infância.

E até hoje, para mim, tem sido o mês de grandes e inesquecíveis recordações.

Mas, também, continua sendo o mês de realizações. É o tempo de preparação para o Natal que se avizinha. Tempo de realizar todo o esforço para alegrar os filhos, os netos e as criancinhas da vizinhança do Lago Dourado e compartilhar a alegria deles, rememorando o nascimento do nosso Redentor.

Preparemo-nos para o Natal e que a alegria tome conta de nossos sentimentos.

ARACAJU, 19/12/2016

BETO DÉDA

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Tonho de Manequinha e a Praça de São João

Em Simão Dias tenho vários amigos de infância. Lembro-me, hoje e agora, da atuação de um deles que exercia certa liderança entre os garotos da Praça ou Parque de São João. Meu amigo era um garoto baixo, moreno, sorridente, que adorava organizar as brincadeiras infantis, coisas de crianças do interior de uma época em que a criatividade era o suporte de boas diversões.

Seu Manequinha
Seu Zeca Déda
Tínhamos razões para uma boa amizade, porque partilhávamos de semelhanças. Nascemos em Simão Dias, nossos pais eram baianos de Paripiranga, morávamos próximos e fazíamos travessuras na Praça de São João. O nome do pai desse garoto era Manuel Moura, conhecido como Manequinha, um famoso ferreiro de nossa terra e que, nas horas vagas, dedicava-se à arte da música, tocava na Filarmônica Lira Santana. Meu pai chamava-se José de Carvalho Déda, conhecido como Zeca Déda, que era advogado e, nas horas vagas, dedicava-se à arte da literatura como jornalista e escritor.



Tonho de Manequinha
(Foto de Vânia de Tonho de Manequinha)
Beto de Zeca Déda
(Foto de Bruno de Beto de Zeca Déda)
Em nossa cidade era comum se identificar os garotos acrescentando-se ao prenome o apelido ou nome do próprio do pai. O nome do meu amigo de infância é Antônio Moura, mas é conhecido como Tonho de Manequinha, tal qual eu sou conhecido como Beto de Zeca Déda.


Conheci meu amigo na tenda de ferreiro seu pai, onde ele cadenciava a batida do martelo na bigorna, ajudando-o a modelar  o ferro ou a alimentar a chama das brasas puxando o grande fole.  

Com a esperteza comum aos garotos daquela época, usávamos a imaginação para nos divertir. A falta de uma bola de borracha não era entrave pra uma boa partida de futebol, que jogávamos entres as árvores da Praça São João. Liderados por Tonho de Manequinha, íamos até o Matadouro e pegávamos uma bexiga de boi, enchíamos de ar, e estava improvisada uma formidável bola, que diante do aspecto medonho, com as pelancas salientes e empretecidas pela areia do parque, causava asco aos não iniciados.

E depois da pelada, íamos tomar banho no riacho Caiçá, próximo ao antigo Matadouro. Naquela época banhar-se naquele riacho era proibido por nossos pais. Diziam que causava o mal da barriga-d’água, efeitos do caramujo vetor da esquistossomose. Mas aparentemente a água do riacho era límpida e, antes de entrarmos para o banho, a transparência da água parecia uma grande lupa, aproximando o fundo do poço, dando a impressão de que era raso. E o amigo Tonho de Manequinha advertia aos novatos que não se iludissem com a aparência, sugerindo aos que não sabiam nadar que ficassem perto da margem ou usassem cabaças salva-vidas amaradas entre os sovacos (naquele tempo usávamos os vasos de cabaças para aprender a nadar).

Ao mencionar “sovaco”, lembrei-me de uma cena irônica: certo dia apareceu por lá um goleiro do time do Flamengo de nossa terra, que diziam ter uma sovaqueira danada. Então o tal goleiro tomava banho e pegava a lama do fundo do riacho e passava nas axilas, dizendo que era um santo remédio para acabar com o “fedor de suor”. Mesmo de efeitos discutíveis, todos nós passávamos a lama “desodorante” do Caiçá nos sovacos.

Depois do banho íamos até o Armazém de Cipriano e quem tinha alguns centavos comprava merenda: um pedaço de jaca, uma cocada ou um funil de torresmos (era o tempo em que se usava a banha de porco para fazer frituras; torresmo era o que sobrava do processo de se extrair a banha do toucinho). Na bodega de Cipriano os torresmos ficavam em um saco em frente ao balcão e eram vendidos em funil feito com jornal usado, que ficava untado de gordura.   A meninada comia com vontade e, quando se passava da conta, o resultado já era conhecido: uma diarreia fedorenta danada...

Em uma tarde de verão, comprei uma jaca mole no Armazém de Cipriano. Com a jaca na cabeça, caminhava todo concho em direção ao portão de minha casa, quando percebi que estava sendo observado por Tonho. Ele apontava para mim e dizia alguma coisa para os colegas sentados à sobra de um pé de tamarindo. Levantaram-se e começaram a correr em minha direção. E eu também corri, mas foi debalde meu esforço. Alcançaram-me, derrubaram a jaca no chão e todos, inclusive eu, devoramos os doces bagos. Minhas reclamações ocorreram depois, com sopapos recíprocos com as mãos grudando de visgo...

No tempo de frutas, depois do jogo de bola íamos aos sítios de Seu Jovino ou de Seu Hilário pegar manga e caju. E relembro agora as correrias e o susto provocados pelos meninos mais experientes ao anunciarem imaginários disparos de espingardas carregadas com sal grosso.

Na época a praça tinha diversas árvores: tamarindeiros, eucaliptos, mucunã ou olho-de-boi, fícus-benjamim e acácia-amarela. Tudo era diversão: fazíamos carrapetas com as sementes de eucalipto; esfregávamos sementes de olho-de-boi nas calçadas para esquentá-las e tocá-las nos braços dos colegas; saboreávamos os tamarindos e deles também fazíamos deliciosos e azedinhos refrescos (que denominávamos “ponche de tamarindo”).

Na Praça de São João, nas sombras dos tamarindeiros, brincávamos com bolas de gude, cavando com o calcanhar, em linha reta, três buracos (que denominávamos "buscas" ou "burcas), com nomes interessantes, de ida e volta: primeira, segunda, terceira, segundo papas e papones. Certa tarde, jogávamos bola de gude quando o Tonho de Manequinha sugeriu que todos lhe prestassem atenção. E anunciou que daria um exemplo formidável de como fazer uma pequena “burca” ou buraco. Ele estava acocorado, com a “poupança” próxima ao chão. Esticou a parte da perna do calção, alargando-a, e soltou um grande “pum”. A poeira da terra fina voou e em seu lugar ficou um buraco, representando o efeito do peido...

Vivemos uma infância encantadora, de inúmeras brincadeiras, de muita criatividade e de alegrias inesquecíveis. Até hoje penso ouvir nossos felizes e risonhos gritos ecoarem entre as frondosas árvores do antigo parque...


Aracaju, 13/12/2016
BETO DÉDA


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Recordações de Marcelo Déda

Sexta-feira passada, 02 de dezembro, foi um dia de lembranças de meu querido sobrinho Marcelo Déda, que há três anos deixou nossa convivência e passou para outra dimensão de vida.

Na missa em homenagem a Marcelo, celebrada naquele dia na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, no Bairro Bugio, o padre sabiamente afirmava, em sua homilia, que o momento não era de tristeza, mas de saudade, de lembranças de uma vida exemplar que nos alegram e ao mesmo tempo marejam nossos olhos com as recordações de seus feitos.

Ao relembrar Marcelo, usamos o toque mágico de torná-lo imortal.  E ele permanece sempre vivo ao nosso lado.

Certamente, se aqui estivesse, estaríamos a recordar os bons tempos de nossa terra natal, tal com fazíamos nas horas de lazer no sítio Lago Dourado. Ele costumava afirmar que sentia imensa alegria em reviver os agradáveis momentos de sua infância e se emocionava entre risos e lágrimas ao comentar  os causos vividos na província berço.

Marcelo Déda abraçando as crianças.
Em um entardecer no sítio, depois de um dia de muitas lembranças em memorável conversa, com muitos risos e lágrimas, um importante e correto comentário de Marcelo  ficou gravado em minha memória.  Com o rosto sereno, o olhar perdido, admirando a beleza  do por de  sol,  ele dizia que as recordações estimulavam a noção de nossa origem e afirmava, mais ou menos, o seguinte:

- Sabendo de onde viemos e cultuando nossas raízes não corremos o risco de nos perdermos quando desejamos atingir uma meta ou mesmo o objetivo de nossas conquistas.

Foi um crepúsculo realmente inesquecível e um pensamento que o tempo não apaga.

Recordo-me, aqui, do dia em que tive a alegria de ler o artigo MAIOR TORCIDA DO MUNDO - FLAMENGOOOOOOO!”, que ele escreveu no jornal O Globo e que foi reproduzido no Jornal da Cidade, edição de 21/11/2009, no qual comentava sua iniciação como torcedor do Flamengo e lembrava  de seu tempo de criança em nossa cidade (ver a publicação de Marcelo Déda em página do site do Flamengo: www.flamengo.com.br/site/notícia/detalhe/7327).

Li e reli com alegria o texto e enviei-lhe, naquela época, uma mensagem via e:mail, em 22/11/2009, que repasso aqui para os parentes e amigos:

Caro Marcelo,
Que bom saber que você está bem. Continue se cuidando. Lembre-se que a saúde é o nosso maior e melhor cabedal. Permanecemos rogando ao bom Deus por sua total recuperação.
Li e gostei imensamente do seu artigo sobre sua iniciação como torcedor do Flamengo. O seu texto, muito bem escrito e com ricos detalhes, reavivou em minha memória à época em que vivemos em Simão Dias. Lembrei-me da emoção que tive muitos anos antes de você nascer, quando o Flamengo foi tricampeão carioca (1953/54 e 55), com uma equipe que até hoje não esqueci a escalação: Garcia, Tomírez e Pavão, Jadir, Dequinha e Jordão, Joel, Índio, Rubens, Evaristo e Esquerdinha (este último foi substituído por Zagalo, que logo no início era chamado pelos torcedores simãodienses de Zé Galo).
Àquela época acompanhávamos os jogos através do rádio, no bar de Abel. Como torcedor, estimulei todos meus sobrinhos  que comigo conviveram em Simão Dias a torcerem pelo Flamengo e os presenteava com a camisa rubro-negra. E todos são flamenguistas (Marco, Zezinho, César, Cristiano, Cacau e você). Diz Marco que não se liga muito em futebol, mas continua torcendo pelo Mengão. Uma vez Flamengo...

Atualmente, tenho evitado assistir aos jogos do time, devido ao meu problema de pressão alta e taquicardia. Só vejo o jogo quando o Mengo está ganhando com folga de gols e, concomitantemente, faltam poucos minutos para encerrar o match.

A propósito da palavra “match”, em nossa terra, naquela época, era comum se usar expressões em inglês (devido a origem Britânica do futebol). Lembro-me de algumas delas, cuja grafia ainda tenho dúvidas. Vejamos: Goalkeep= goleiro; Back e Full back=zagueiros; Half (esquerdo e direito) e Center-half = linha intermediária; Center for (artilheiro); fall = falta; corner = escanteio, etc.

Lembro-me, também, que nos anos cinquenta o simãodiense viveu intensamente a emoção do futebol,, com quatro bons clubes: Flamengo, Vasco, Vitória e Lira. Em 1956 aconteceu um campeonato com estes times, disputado no campo do Bairro Bonfim, que nos dias de jogos era cercado com lona (empanada), vigiado por mata-cachorro, e tinha o nome garboso de Gramado José Barreto. Os jogadores tinham apelidos marcantes: Cotó, Dié, Chinoca, Bacalhau, Bacalhauzinho, Buscarré, Seça, Motorzinho, Itaporanga, Dedinho, Dente de Ouro, Cabeção, Pé de Tábua, Zé de Marocas, Zé de Zilda, Zé de Silvina, Done e outros.

Para minha tristeza, o Vasco foi o campeão e houve uma grande festa patrocinada por Benedito de Arnor, que era o dono do time. Tio Sininho era torcedor do Vasco e fez uma grande reportagem para  o jornal “A Semana”, editado com um encarte, no qual registrava o escudo, a bandeira e a letra do hino, que trazia o seguinte refrão: “Vasco da Gama/ Tens simpatias/És campeão/De Simão Dias”.

Pena que, logo em seguida, tudo acabou. A ideia de se pagar aos jogadores e se misturar futebol com política foi o passo decisivo para o fechamento dos clubes.

Depois, acredito que foi no seu tempo, surgiu o Cruzeiro e a construção do Estádio Luciano Cardoso, onde ocorreram grandes jogos com o Sergipe, o Confiança,  o Leônico de Salvador,  o Santa Cruz, de Estância, e o Canta Galo, de Itabaiana. A grande rivalidade mesmo era quando jogava a seleção local contra o time de Lagarto ou de Paripiranga. Aí era briga feia...

São boas lembranças que vieram à minha mente estimuladas pelo seu excelente artigo.

Espero que você continue escrevendo sobre as lembranças da “catita” Simão Dias, como dizia o inesquecível Papai Zeca.
Tudo de bom para você, Eliane, João Marcelo e Mateus.
Um abração.
Tio Beto."

Marcelo gostou destas lembranças e sugeriu que eu as publicasse. Foi um estímulo que me levou a fazer um artigo sobre este assunto, publicado anos depois, em setembro de 2012, no meu blog e no Facebook.

A verdade é que meu querido sobrinho sobrevive alegremente em minhas recordações e em meus sonhos – que  são constantes.

Aracaju, 04/12/2016
BETO DÉDA


segunda-feira, 28 de novembro de 2016

CONVERSANDO COM O AMIGO FLORIANO.

No final dos anos 80 tive a oportunidade de filmar conversas com bons amigos em Simão Dias.  E fazia isto sempre nos dias de folga de meus trabalhos na Agência do Banco do Nordeste em Aracaju. Esta é a razão pela qual as filmagens sempre foram realizadas nos dias de sábado ou de domingo.

Dentre os vídeos que fiz, alguns deles aconteceram no Bar de Floriano. Há dias que prometi ao Thiago Nascimento postar um vídeo em que entrevistei seu saudoso pai. Cumpro hoje a promessa. 
Floriano Nascimento  (Foto Beto Déda)

O Bar do Floriano sempre foi o ponto de encontro dos jovens de minha terra e foi lá que eu fiz várias tomadas de vídeo, conversando com ele e colhendo informações sobre fatos históricos locais, que convivemos no passado recente. 






Floriano falando sobre o tempo da ADS (Foto Beto Déda)
Conheci Floriano quando ele era locutor de um dos serviços de alto-falantes da cidade. Eu era garoto e de vez em quando ia aos estúdios das transmissoras para dedicar músicas às minhas primeiras e pretensas namoradas. Quando não tinha o dinheiro para pagar a oferta da música, fazia um bilhete com a dedicatória e, cuidadosamente, passava às mãos do Floriano, que compreensivamente balançava a cabeça, piscava o olho, e mandava ver, ou melhor, mandava escutar seu vozeirão no serviço de alto-falantes: “Do garoto Beto para sua namorada da Rua dos Ribeiros vai essa bonita canção...” e fazia rolar um disco com sucesso da época.

Anúncio no jornal A Semana da Casa Nascimento 
Tempos depois, quando passei a trabalhar na Agência do BNB em Simão Dias, o ponto de encontro dos jovens, era na antiga Casa Nascimento, conhecida como o “Bar de Floriano”, que ficava na esquina das Ruas Quintino Bocaiuva com Felisberto Prata, nas proximidades do antigo Cine Ypiranga. Ali não faltava um gostoso caranguejo e a cerveja geladíssima.

Tempos depois ele transferiu seu comércio para Rua do Coité, na parte do terreno do quintal da casa do seu pai, Sr. Alexandre Nascimento,  cuja frente situava-se na Praça Barão de Santa Rosa. A inauguração do Bar e Lanchonete foi festiva e o local passou a ser o ponto chique da cidade.

Floriano fala do tempo da boemia.
Foi juntamente naquele Bar que eu ouvia o Floriano recordar os acontecimentos dos anos cinquenta. Foi ali que gravei uma longa conversa com ele, ocasião em que relembrou os tempos áureos dos serviços de alto-falantes de nossa terra. Naquela época existiam dois serviços de alto-falantes na cidade: a Tupy (dirigida por Demerval Guerra e Almir, filho de Seu Sinésio Fontes) e a ADS – Associação Desportiva Simãodiense (pertencente a José Dórea Almeida - Dorinha).

Embora antagonistas, os dirigentes das transmissoras firmaram um pacto regulando o horário que cada uma iria ao ar, durante a noite, respeitando-se o tempo oficial da "Hora do Brasil": uma transmitia os serviços das 18:00 até às 19:00 horas, e a outra das 20:00 até às 21:00 horas.

Os alto-falantes tinham uma forte audiência em nossa cidade. À noite, as pessoas sentavam às portas das casas para ouvir músicas, as dedicatórias dos namorados, as crônicas escritas por meu pai, por tio Sininho e por funcionários do Banco do Brasil. Contou-me Floriano que durante algum tempo as transmissões locais eram ouvidas pelos rádios, produto de uma adaptação feita em ondas curtas pelo técnico Gamaliel dos Santos. Não durou muito tempo porque prejudicava a audição de estações radiofônicas normais. Outro fato interessante foi um caso em que uma pessoa deu tiros em um alto-falante, tentando parar. Não surtiu o efeito desejado, mas houve um longo disse me disse na cidade, envolvendo política. Mas foi coisa passageira, sem maiores consequências.

Tempos depois, como soe acontecer nas cidades de interior, as rivalidades políticas deram um nó, empacotando e soterrando os alto-falantes da Tupy e da ADS. Restaram apenas os serviços de som dos cinemas: que permaneceram enquanto duraram os Cines Ipiranga e Brasil, este último com a voz inconfundível do locutor e projetista João de Jacó, que sempre anunciava os filmes para os “habitués da sala com tela cinemascópica” do Cine Brasil.

Infelizmente, na transformação de VHS pra DVD, perdi parte do vídeo. O que restou, entretanto, apresenta interessante interpretação de quem viveu passagens da história de nossa terra entre o final dos anos quarenta e durante os anos cinquenta.

Repasso o que restou do vídeo para conhecimento dos familiares e conterrâneos. E o faço prestando-lhes uma carinhosa homenagem.

Aracaju, 28.11.2016


BETO DÉDA 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Atropelado pela palavra francesa "mademoiselle".





Notícia de aniversários na página 2 do jornal "A Luta".


Revendo meus arquivos para remeter cópias de documentos para minhas conterrâneas Amanda Santos e Franciele Alves, deparei-me com uma edição antiga do jornal “A Luta”, dirigido por Emílio Rocha e editado em Simão Dias nas primeiras décadas do século passado. Na edição de 02 de março de 1919 do referido jornal, encontrei a notícia do aniversário de minha tia Esterzinha, irmã de minha mãe. Ao escrever a nota, o redator usou a palavra francesa “mademoiselle”, de uso frequente naquela época e que tinha o significado de moça delicada, respeitada e de boa educação. Dizia a nota que naquela data estava aniversariando a mademoiselle Esther Amélia de Oliveira, filha da sra. d. Amélia de Oliveira”.

O uso da palavra francesa mademoiselle me fez lembrar um fato interessante que ocorreu comigo quando estudava no internado do Colégio Jackson de Figueiredo, sob a direção dos saudosos professores Benedito e Judite Oliveira. 

Na grade de ensino do curso ginasial constavam, além do Português, as disciplinas de Latim, Inglês e Francês. Naquela época eu estava empolgado com minhas primeiras lições da língua francesa, ministradas pela simpática Profª Lucila Moraes. E não perdia oportunidade para usar frases curtas no idioma de Victor Hugo, aplicando termos simples como: “bom jour!”, “merci beaucoup”, “monsieur”, “mademoiselle” e outros.   

Minha sala de aulas no Ginásio Jackson nde Figueiredo. A seta iundica onde estou.
Pois bem. Em determinado dia, seguimos para estudar (fazer banca) em uma sala próxima à Diretoria. Lá chegando, o bedel que tomava conta da turma começou a fazer a chamada para controle de presença. Olhei ao lado e comentei com um colega que responderia a chamada usando a língua francesa. Dito e feito. Quando foi mencionado meu nome, respondi ao inspetor da classe, em alto e bom som:

- Je suis ici, MADEMOISELLE!

Então ecoou na sala uma estrondosa risada. O bedel, com o rosto rubro e a testa brilhosa, irritou-se, mandou a turma fazer silêncio e determinou que o acompanhasse até a Diretoria. Lá, diante da Profª Judite Oliveira,  ele não poupou adjetivos para condenar minha atitude.

Retruquei que a minha intenção era praticar as lições de francês da Prof. Lucila Moraes e que, por um engano, troquei a palavra ao me referir ao ilustre bedel. Argumentei que minha intenção era dizer senhor (monsieur) em vez de senhorita (mademoiselle). E com a cara mais deslavada do mundo, fazendo beicinho igual ao do Rolando Lero da Escolinha do Prof. Raimundo, tentei justificar o engano, dizendo que foi motivado pela emoção de pronunciar uma frase em francês. E, olhando para o indignado inspetor de alunos, ousei dizer:

- Pardon, monsieur! 

O bedel, ainda indignado, olhou-me de soslaio, torceu o beiço e deu um “tunco”.

A Professora Judite não se convenceu de minha justificativa, mas até hoje acredito que, no íntimo, ela riu do meu argumento. Tanto é assim que abrandou a pena, postergando o castigo maior, ao proferir o veredicto:


 - Engraçadinho, não é? Volta para sala! Vai... Na sua próxima indisciplina você vai sentir isto”. 

E se levantou, pegou a régua de puxar ferrolhos da porta e veio em minha direção, a indicar que na próxima vez a usaria para me punir. Eu não titubeei, apavorado com a ameaça, subi rapidamente os degraus da escada de madeira que dava à sala. Senti-me aliviado por não experimentar o ardor daquela régua ou a vergonha de ter apanhado. E minha apreensão tinha sentido: na semana anterior um colega experimentara as consequências da utilização disciplinar de tal instrumento de abrir ferrolhos. Ele fora castigado e ficou em suas costas a marca vermelha da régua (exceto uma pequena parte redonda, na cor normal da pele, correspondente ao buraco que se enfia na cabeça do ferrolho).

A verdade é que, em consequência daquele fiasco, desde aquela época deixei de me interessar pela língua francesa, que era simpaticamente ensinada pela querida Professora Lucila Moraes.

Aracaju, 21-11-2016


BETO DÉDA

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A PROFESSORA OLDA DANTAS SOLFEJANDO COM OS ANJOS.


Na última semana, partiu para dimensão celestial a professora do curso primário do Grupo Escolar Fausto Cardoso, D. Olda do Prado Dantas. Não obstante sua ausência física, a ilustre mestra renasce no coração dos simãodienses, continuando presente na memória de todos aqueles que tiveram a felicidade do seu convívio.

Tenho recordações maravilhosas dos meus tempos de criança, quando estudava no Grupo Escolar de minha terra e aprendia as primeiras lições com a Professora Olda. Além de cuidar do conjunto de disciplinas dos primeiros anos do curso, ela também se dedicava, com maestria, a despertar entre os estudantes mirins o gosto pelo canto orfeônico. Naquela época a direção da escola incentivava às crianças a cantarem hinos pátrios e músicas folclóricas, para despertar o sentimento cívico, a disciplina e o desenvolvimento intelectual. E neste ponto a Professora Olda Dantas teve um papel importantíssimo.

Não esqueço seu corpo pequeno gesticulando com exímia maestria o meu canto favorito de menino, de refrão inesquecível:

“Havia um pastorzinho,
 Que vivia a cantar:
 Dó, ré, mi, fá... fá...fá
 Dó, ré...ré...ré
 Dó, fá, sol, mi... mi...
 Dó, ré mi, fá...fá...fá.”

Diariamente, no início das aulas, tia Vina ou D. Rosália tocava o sino e todos os alunos perfilavam-se no grande corredor da escola para cantar o hino escolhido para dia (Hino Nacional, da Independência, da Bandeira etc.), culminando sempre com o hino do próprio grupo, de letra do meu saudoso pai, que além de outras atividades foi inspetor escolar e diretor daquele Grupo. Relembro aqui os versos de nosso hino, que cantávamos garbosos, sob a regência da querida Professora Olda:
"Somos do Grupo Fausto Cardoso/
Disciplinados estudantes.
Cada estudante, um corajoso
E cada mestre, um bandeirante.

A escola chama, a pátria quer
Que a juventude venha aprender/
Os nossos livros são os instrutores
Que nos ensinam a combater.

A pátria quer que o juvenil,
Estudioso e varonil,
Seja a defesa do Brasil."

Ao ensinar as lições de história ela tinha um método importante para envolver os estudantes nos temas abordados. E para isto estimulava a participação dos alunos, que pronunciavam, em coro, a última sílaba de cada ensinamento repetido. Lembro-me bem quando ela discorria sobre o descobrimento do Brasil e, ao final, solicitava a participação da classe. Dizia ela: 
“O Brasil foi descoberto pelos portugueses no ano de hum mil e quinhen...” E a turma respondia em coro a última sílaba: “...tos!” 

Ou então “Quem descobriu o Brasil foi Pedro Alvares Ca...” E a meninada gritava: “...bral”.

Prof. Olda, ao 100 anos,  na Igreja Presbiteriana
A atuação de D. Olda não se limitou ao ensino. Ela teve um desempenho formidável em nosso meio, partilhando e dividindo com a comunidade o admirável aprendizado recebido de seus pais: Manoel Fraga Dantas e D. Grigória do Prado Dantas. Sua dedicação à Igreja Presbiteriana de nossa cidade repercute ainda hoje e sua atuação representa um paradigma para todos os que acreditam em Deus e na bondade das pessoas, independentemente do credo professado. A solidariedade de D. Olda para com os aflitos é um exemplo a ser seguido.

Uma pessoa tão grata aos conterrâneos não desaparece de nossas lembranças.  Acredito que, ao desencarnar, nosso espírito passa para outra dimensão e que lá, nos jardins celestiais, a querida professora já esteja reunindo as criancinhas de Simão Dias que cedo passaram para o Reino dos Céus. Creio que ali, com a bondade de sempre, a Professora Olda estará orientando com maestria um coro de anjos de nossa terra a cantar o hino do “Pastorzinho que solfejava o dó-ré-mi-fá...fá...fá...”.

Aracaju, 07/11/2016

BETO DÉDA


quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Lembrando Marcelo Déda


Nos últimos anos, quando se aproxima o dia de eleição, acodem-me lembranças alegres do meu querido sobrinho Marcelo Déda.

No final dos anos sessenta, eu e Marcelo morávamos na casa de tia Nice, em Simão Dias. Naquela época eu era solteiro, trabalhava no Banco do Nordeste, e o Marcelo era um garoto de 8 anos de idade. Lembro-me das conversas que tinha com ele e me encantava com sua facilidade em entender as coisas. Era impressionante o modo em que opinava com pertinência sobre assuntos que eram do interesse de adultos.

Quando concluiu o curso primário, Marcelo veio para casa de seus pais aqui em Aracaju. Mas durante as férias continuou visitando nossa terra, cultivando suas amizades e nos empolgando com os novos conhecimentos adquiridos.

Anos depois, quando passei a morar em Aracaju, lembro-me muito bem do dia em que ele apareceu em minha casa, juntamente com sua irmã, Maria do Carmo Déda, para me comunicar que estava se candidatando a deputado estadual. Fiquei impressionado com seus argumentos. Foi no ano de 1982 e, naquele dia, ao ouvir seus arrazoados, lembrei-me dos meus tempos de estudante, em Salvador, quando eu defendia as ideias progressistas e de vanguarda. Só tinha um detalhe e uma diferença: o Marcelo tinha um poder fantástico de expressar seus pensamentos. O fato é que a partir daquele dia, de orientador passei a ser seu fã (incondicional, diga-se de passagem). Na sua primeira eleição ele teve apenas 300 votos, mas passou a ser, além de sobrinho querido, meu líder político.

Marcelo e Beto Déda
Acompanhei a vida daquele garoto, conhecia seus ideais, sua franca ideologia, e a defesa que fazia dos menos favorecidos. 
Foi deputado estadual, deputado federal, prefeito de Aracaju e governador de Sergipe. Uma vida política de dedicação ao respeito democrático e em defesa de sua ideologia de esquerda.

Em dias de folga, do meu trabalho no BNB e do trabalho dele como político, participamos de momentos inesquecíveis, conversando amenidades no meu Sítio Lago Dourado, relembrando fatos de nossa vida e dos familiares. Ali, durante vários anos, comemoramos seus aniversários e festejamos seus feitos importantes.

Marcelo Déda e família
Quem privou da intimidade de Marcelo jamais duvidaria de sua ética, dignidade, honestidade e, companheirismo. Nem duvidaria do amor e carinho que tinha por seus filhos e por Eliane.  Se vivo estivesse, Marcelo estaria hoje ao lado de Eliane Aquino Déda e de sua família, apoiando a candidatura de Edvaldo Nogueira para prefeito de Aracaju. Não tenho dúvida disto. E, aqui, acrescento estas informações para que os nossos familiares e amigos, que sempre estiveram apoiando Marcelo Déda, não se iludam com mentiras e com vídeos fora de contexto, divulgados por adversários de Edvaldo/Eliane para confundir os eleitores. São atos de vilania dos que se escudam em inverdades.

O espírito de luta de Eliane sempre foi marcante, quer colaborando e acompanhando os trabalhos sociais e políticos de Marcelo, ou mesmo, com o desvelo extraordinário que compartilhou e sofreu os momentos finais da vida do querido sobrinho. Eliane é gentil, tem uma personalidade marcante, de ideologia transparente, solidária e de uma força extraordinária para vencer desafios.  Admirável, mesmo!

Por outro lado, apesar de pertencer a outro partido, Edvaldo sempre esteve unido a Marcelo Déda; desde os tempos iniciais, comungando de ideais que dão prioridade ao coletivo. Ele soube administrar Aracaju e consolidá-la como cidade do bem-estar social. Não olhou para o próprio umbigo, nem deu prioridade aos interesses pessoais. Esteve sempre com Marcelo, defendendo o interesse dos menos favorecidos.    

Ao relembrar aqui o meu saudoso sobrinho e em desagravo às mentiras e vilania dos que não sabem fazer política, convoco meus familiares e os amigos que com ele conviveram para continuarmos seguindo seus ideais: apoiando Edvaldo Nogueira e Eliane Aquino Déda.

Aracaju, 27/10/2016


BETO DÉDA

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Lembrando a peraltice da moringa na janela.

No final dos anos 80 eu gostava imensamente de visitar minha terra aos sábados e filmar pessoas queridas. Foi em um dia de feira que capturei cenas da Rua Cônego Andrade (conhecida como Rua do Comércio Velho), Rua Jairo do Prado Dantas (antiga Rua da Lama), Rua do Coité e Rua Dr. Joviniano de Carvalho (que atualmente é o calçadão).

Revendo este vídeo, retorno aos tempos de criança, lembrando as pessoas que por ali moravam.  Iniciando pela Rua do Comércio Velho – a primeira recordação é a da casa do Sr. Nanô, que era funcionário federal (coletor), casado com D. Floripes. Era uma casa antiga, vizinha às Escolas Reunidas, com telhado comum naquela época, tipo beiral, conhecido como “beira e bica”, protegendo a parede da frente que tinha uma porta e três janelas.  A referida casa já foi reformada e a lembrança que tenho de sua antiga frente tem um motivo: uma peraltice de criança que guardei hermeticamente na minha cachola e somente hoje repasso para os amigos.

No tempo de verão, era costume de Seu Nanô colocar uma moringa para esfriar no batente da janela da frente de sua casa. A brisa da tarde refrescava a água de tal forma que a moringa respingava gotas, como orvalho.

Pois bem, certa tarde do início dos anos cinquenta, eu passava pela frente da casa de Seu Nanô, em direção à padaria do Gumercindo, e deparei-me com a tal moringa na janela. De súbito, tive a ideia de uma travessura: com a ponta do dedo indicador empurrei a moringa que se espatifou, molhando o chão da sala e respingando na preguiçosa em que Seu Nanô cochilava. Quando notei o despertar do proprietário, fugi em disparada para não ser percebido. Retornei a minha casa, por um roteiro mais longo, contornando a Rua da Lama.  Até hoje não esqueço o susto de Seu Nanô, que largou longe o pente fino que costumava alisar seu cabelo.

Ao revelar essa traquinagem dos velhos tempos e na impossibilidade de me desculpar perante Seu Nanô, presto, aqui e agora, minha homenagem ao saudoso conterrâneo.

Neste vídeo os simãodienses recordarão de pessoas amigas e  edificações antigas:  o prédio onde funcionou Caiçara Clube, o Armarinho de Lélia e Inês Carvalho, a Padaria de Gumercindo Fraga, as casas de Barbosa Guimarães, tio Sissi e do Sr. Demétrio, a Padaria de Joãozinho, o sobrado do Seu Janjão Nunes, a casa do mestre Raimundo Macedo (sede da filarmônica Lira Santana), o prédio do Cine Brasil, o Cartório do 2º Ofício, de Dadinha (Maria da Soledade Macedo Freitas), que, antigamente, fora de meu tio Sininho Déda e, também, o prédio onde funcionou o Banco do Brasil até 1953 e o antigo Açougue Municipal.






O vídeo vale mais que mil palavras. Postei em minha página no Facebook. Vejam lá...

Aracaju, 21/10/2016

BETO DÉDA