quinta-feira, 13 de dezembro de 2018


Saudades de Carlinhos...


Nesta quinta-feira senti a dor da partida de mais um sobrinho para outra dimensão. O querido Carlos Eugênio, que carinhosamente chamávamos de Carlinhos, nos deixou e foi ao encontro de outros familiares que já estão em paragens celestiais.
Foto do meu querido sobrinho Carlinhos. 

Na angústia da cerimônia do desenlace, ocorreu-me o pensamento de uma conversa que tive, há muito tempo, com meu primo Edson Carvalho, filho de tio Sissi. Lembro-me que estávamos em Simão Dias e o Edson indagou-me se eu acreditava na vida eterna, na imortalidade da alma.

Não titubeei, respondi que acreditava sim; mas não me furtei em esclarecer que algumas vezes minha mente era inquietada por uma atroz dúvida sobre a espiritualidade.

Meu primo então me socorria com seu senso de homem de fé, com ensinamentos por ele recebidos nas missas de domingo na Igreja do Mosteiro de São Bento, na Av. Sete, em Salvador. Dizia ele que seria simples demais ousarmos pensar que a morte era o fim de tudo. E afirmava que pensar desta forma seria uma dor insuportável para aqueles que passavam pelo trágico momento de presenciarem o final da vida de uma pessoa querida. 

Edson tinha razão.

A esperança da continuidade da vida em outra dimensão se transforma em um bálsamo que nos conforta. É justamente nestes momentos de angústia, quando sentimos o peso da morte de quem amamos, que cresce nossa fé na espiritualidade e não duvidamos que, inexoravelmente, em qualquer momento estaremos nos unindo em outra dimensão.

Pensando assim é que sinto que o meu querido Carlinhos está, agora, no mundo dos espíritos, entre nossos ancestrais, comentando os acontecimentos recentes dos familiares que aqui ficaram. Não duvido que nossos desencarnados e saudosos parentes estejam felizes e sorridentes com o otimismo de meu sobrinho e seu inconfundível jeito alegre de encarar os problemas e de transformar cada momento em um ato de humor inteligente.

Guardo maravilhosas recordações de Carlinhos. De ontem e da atualidade. Entre as lembranças do passado, revejo, agora, o tempo que passamos umas férias na Fazenda “Baixão” de seus pais Chico/Malô, em Paripiranga. Isto faz muito tempo. Ele tinha mais ou menos a idade de meu neto (entre 9 e 10 anos).

Em uma manhã peguei uma espingarda e fui caçar codorna. Carlinhos me acompanhou. Com seu olhar encantador, pediu-me para dar uma olhada na espingarda. Curioso, pegou, mirou um alvo e, depois, pediu-me para atirar. No primeiro momento neguei. Ele não se deu por vencido e, com seu modo simpático -  inconfundível mesmo  – insistiu no pedido.

Antes de permitir que ele atirasse em uma fruta de mandacaru, tomei todas as precauções, explicando-lhe sobre o modo e os cuidados no uso da espingarda.  Não acertou, mas vibrou com a experiência. Recomendei-lhe, então, que não deveria falar sobre isto com sua mãe, para não preocupá-la. Concordou, com um olhar maroto. Quando voltamos à casa sede, a primeira reação dele foi contar aos irmãos sobre o seu primeiro tiro de espingarda. Não tardou a notícia chegar aos ouvidos de sua mãe.

Não é pouco dizer que minha querida irmã Malô não deixou de me censurar, mas não conteve o riso quando Carlinhos me defendeu, afirmando que não tive como evitar sua magia de pidão.

Naquela época eu me divertia fazendo aquarelas. E em determinada tarde subi uma serra que ficava em frente à casa sede da fazenda e comecei a pintar uma tela. Ao final da pintura, Carlinhos examinou cuidadosamente o quadro, disse que uma árvore não estava no lugar exato e, depois, externou seu fino humor crítico, exclamando:

Fazenda Baixão de Francisco Dias Lima - Pintura de Beto Déda 1978
- Tio, em sua pintura, a sede do “Baixão” foi transformada em uma raquete de pingue-pongue... e resumia sua crítica com uma estrondosa gargalhada. 

E ele tinha razão. Ainda hoje tenho uma cópia desse quadro, que por muito tempo ornamentou a sala de jantar da casa de seus pais em Paripiranga.

Na última vez que me encontrei com Carlinhos, ele estava sentindo o furor do triste mal que lhe consumia. Estava sentado em um sofá, em posição que não provocasse mais sofrimento. Ali conversamos muito e, não obstante o sofrimento por que passava, encantou-me com seu otimismo, fazendo pilhéria de cada assunto abordado e nos fazendo rir à vontade. Um exemplo inesquecível...

Meu sobrinho era um encanto de pessoa. E como acredito na vida eterna, sei que será recebido no lugar sagrado e que levará aos nossos saudosos familiares a mesma alegria que nos encantou aqui neste mundo.

Até breve meu querido...

Aracaju, 13/12/2018
BETO DÉDA

terça-feira, 4 de dezembro de 2018


Lembranças do canavial  de  Johnny.

Contavam os antigos que a feira da cidade de Simão Dias era realizada na Rua do Comércio Velho, que antes era conhecida como “Rua de Baixo”, e atualmente é denominada Rua Cônego Andrade. Em 1847 a feira foi mudada para a Avenida Cel. Loiola e, muito tempo depois, ocorreu  nova mudança e a feira passou para o bairro Bonfim, onde acontece até os dias de hoje. 

Tenho boas lembranças da Rua Cônego Andrade. Quando eu era criança andava muito por aquela rua, de modo especial porque ali ficava a casa do sempre lembrado tio Sissi, que era irmão de minha saudosa mãe. Depois, já adulto, quando me casei, passei a morar naquele local, em casa que ficava próxima das residências de meu tio e de Barbosa/Anita Guimarães, pais do grande amigo Clínio, “o apreciador da boa cerveja”.

Estas lembranças foram proporcionadas pela conversa que tive recentemente com meu querido primo Zé Carvalho, filho de tio Sissi, que me honrou com uma visita no Sítio Lago Dourado.

Conversei durante todo o dia com o primo Zé e, como sempre, lembramo-nos de grandes façanhas dos bons tempos de nossa terra. Entre outras coisas recordamos do convite de um amigo para visitamos o canavial e saborearmos a boa cana-de-açúcar da fazenda de sua família. Repasso o fato para quem gosta de ouvir minhas malucas e reais aventuras. 


Rua Cônego Andrade - largo onde era armado o carrossel de Seu Messias.
Lá pelo idos dos anos 50, o Sr. Messias Cassimiro - que morava na Rua do Sobrado -  armava o carrossel (conhecidos como “cavalinhos”) na Rua Cônego Andrade, no largo entre a Padaria de Seu Joãozinho, o sobrado de Seu Janjão  e a Casa de Seu Antônio da Jaqueira. O carrossel – movido aos empurrões – era uma festa para todos nós. 

Lembro-me bem de certa noite que estávamos juntos em frente aos “cavalinhos de Seu Messias”: eu, meu irmão Carlos e os primos Zé, Edson e Valter. Chupávamos roletes de cana-de-açúcar, comprados por tio Sissi.  Então se aproximou um amigo nosso, apelidado de grande Johnny, que participava de nossas brincadeiras e conversas.

Notando que gostávamos de roletes de cana, o Johnny nos convidou para ir ao canavial de seus familiares, lá pelas bandas do povoado Saco Grande.

Convite aceito, partimos no dia seguinte em direção ao canavial do Johnny. Seguimos pela Rua das Louceiras, passando pela casa de Zezé do Vapor, seguindo até a fazenda. Lá, abrimos a porteira e seguimos a estrada que levava à casa sede. Quando estávamos próximos da casa, avistamos o Johnny no canavial, que nos acenava, chamando-nos.

Atendendo ao chamamento, nos desviamos da estrada que levava à casa sede e cortamos caminho em direção ao canavial. Súbito, ouvimos o rude bravejar de uma pessoa que estava no alpendre da casa grande, chamando-nos até lá. Atendemos meio desconfiados e, ao aproximarmos, dava para vislumbrar um senhor que nos parecia alto, com grandes botas, roupa cáqui (marrom amarelada), chapéu baeta, uma taca na mão esquerda, batendo compassadamente na bota.

Então aquele senhor com o timbre de voz pronunciado entre os dentes, falou e nos deixou trêmulos:
- Como é que vocês penetram na propriedade alheia, sem convite, e se desviam da casa sede, em busca do canavial? Que ousadia é esta?

Não lembro se foi Edson ou Valter que explicou que tínhamos sido convidados pelo grande Johnny. 

O certo é que o argumento não foi aceito. O homem de roupa cáqui bateu forte com a taca na própria bota e determinou que cobríssemos o nossos rastros. Exclamou com rispidez:
- Puxem por ali!  FORA!  

Na verdade, soubemos depois, o homem não gostava só de roupa cáqui; também tinha uma predileção pela límpida e destilada “água” de suas canas. Mas não sabia aproveitar um bom gole e se alegrar com os  momentos da vida. Em sentido contrário, ao saborear a destilada, parece que o mal despertava em seu íntimo e ele cerrava os dentes e esbravejava, perdendo a alegria e a cordialidade.

Foi uma meia volta e volver apressado. Saímos rápido, lamentando por não podermos saborear os doces roletes da boa cana caiana. Mas a volta foi divertida, descobrindo alegria em cada ponto da estrada. Bisbilhotamos cada Santa Cruz e admiramos os passarinhos e o revoar de cada perdiz ou nambu. O passeio não foi perdido...

Naquela mesma noite nos encontramos com o grande Johnny que se desculpou e nos assegurou que teria dito ao senhor de roupa cáqui que éramos pessoas conhecidas e confirmara que tinha nos convidado. Para nos consolar, tentando contornar o mal entendido, disse que o senhor prometera que iria conversar com papai e com o tio Sissi para se desculpar pelo acontecido. 

Até hoje não sei se aconteceu a conversa prometida. Acredito que não. Para nós foi melhor não ter acontecido. 

O importante mesmo foi a justificativa do grande Johnny. Valeu mais que qualquer conversa de adulto e ele continuou sendo nosso amigo. Longe do canavial, é claro!

Aracaju, 04/12/2018.


Beto Déda

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Tocando em Frente, por Almir Sater



TOCANDO EM FRENTE.

Hoje amanheci ouvindo boas canções e voltei a me lembrar dos bons tempos quando eu criança em Simão Dias. E para não esquecer que, através do serviço de alto-falantes TUPY, mandava músicas para garotas amadas,  faço de conta que estou naquela época e – embora utilizando a moderna tecnologia de hoje – envio uma música muito bonita para as garotas que continuam em minhas eternas lembranças.

Para elas, transcrevo duas estrofes dessa linda canção “Tocando em frente”, de Almir Sater:

“Todo mundo ama um dia todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz,
De ser feliz.”
...
“Ando devagar, porque já tive pressa
E levo esse sorriso, porque já chorei demais,
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz,
de ser feliz.”

Que ouçam a nossa canção preferida e nunca esqueçam que sou um inveterado romântico.

Beijo no coração...

Aracaju, 29/10/2018

BETO DÉDA


quinta-feira, 25 de outubro de 2018


UNIÃO PARA PRESERVAR A DEMOCRACIA.


Nunca pensei que ao chegar aos meus 77 anos iria presenciar, mais uma vez, uma grave ameaça à nossa democracia.  Infelizmente é a realidade. Prega-se abertamente a violência, o preconceito, a intolerância e o ataque descarado e ameaçador aos preceitos básicos de liberdade.

Nestes dias turbulentos que antecedem o segundo turno das eleições, devemos esquecer as divergências e pensar no melhor para nosso país: a Democracia. Ela está ameaçada, quase que diariamente, pela intolerância e pelo ódio. Isto é péssimo e deve ser objeto da atenção de todos os democratas, independentemente de cor partidária. E neste ponto, transcrevo aqui o texto compartilhado por um amigo e conterrâneo em sua página no facebook:

"Agora não se trata mais do PT e de Haddad ou de grupos progressistas. Trata-se da democracia ameaçada por Bolsonaro. Quem discordar dele é cadeia ou exílio. A opção é democracia ou violência oficial, a ditadura. Temos que salvar as liberdades senão conheceremos uma tragédia nacional".

Concordo com a mensagem acima. Não posso acreditar que o ódio a um partido político seja tão acentuado que leve as pessoas – que nos parecem tão equilibradas e de bom senso – a defenderem e apoiarem o candidato que prega a agressividade, que propaga o uso de armas, ofende as minorias, se opõe aos direitos dos trabalhadores e estimula a intolerância e a segregação.


Neste segundo turno da eleição, a intolerância dos seguidores do Bolsonaro nos deixa apreensivo. Recentemente fui vítima de um deles e presenciei a agressão a outras pessoas. Um absurdo. Não podemos aceitar esse clima de violência estimulado por esse candidato que, em seus pronunciamentos, incita a intolerância e, conscientemente, põe em risco os fundamentos democráticos previstos em nossa Carta Magna.




É tempo de união dos que pensam em um país democrático, independentemente de preferências partidárias.

Não tenhamos dúvida: Haddad é a solução.


Aracaju, 25/10/2018

BETO DÉDA

sexta-feira, 28 de setembro de 2018


MEU CORAÇÃO CONTINUA VERMELHO.

Ao se aproximar o dia das eleições costumo repetir meu grito ideológico e solto a minha voz cantando no banheiro: “Meu coração é vermelho; vermelho é meu coração...”.

E como meu coração é realmente vermelho e estamos próximo ao embate eleitoral, renovei a bandeira que guarnece o meu chão e, novamente, nela desenhei um “M” bem grande, correspondendo à primeira letra do nome de familiares que tenho um imenso amor e presto minha homenagem.


É o “M” de: Miguel, Marina, Mateus, Marcelo, Marcela, Maura, Mônica, Malu, Malô, Maria, Marta, Manuel. Manuela, Márcia; e que representa também a “Memória” de meus grandes e eternos amores: pessoas muito queridas cujos nomes não começam com a letra “M”, mas que ocupam um imenso espaço no meu coração vermelho.

A cor do meu estandarte e do meu coração também abriga minha ideologia, meu sentimento político; esse imenso e inquebrantável pensamento que não se esmorece.

Quando eu canto esta música minha memória volta-se para as lembranças dos bons tempos, quando nos embates democráticos contávamos com a presença e liderança de meu querido e saudoso sobrinho Marcelo; e vivíamos sem medo de ser feliz.

Infelizmente, desde 2014, inconformados com o resultado da eleição, os patifes conspiraram para anular a preferência da maioria dos brasileiros e enfraquecer a democracia.

A pretensão se materializou com o golpe que destituiu uma presidenta eleita. Tomaram o poder para vilipendiar o país, em um golpe contra a democracia. Depois, em solerte conchave de poderosos dos três poderes da república, prenderam a maior liderança política do país para evitar sua participação na disputa eleitoral.

Prenderam sem provas homem, mas não sua ideia. Mesmo como prisioneiro político, Lula continua como o maior líder de nossa gente. Lula é Haddad, cujo programa de governo defende os mais fracos, luta pelo direito dos trabalhadores e sua arma é o livro, contrapondo aos que defendem a agressividade, ofendem as minorias, se opõem aos direitos dos trabalhadores, estimulam o ódio, a intolerância e propagam o uso de armas.

Nestes dias turbulentos, o grande “M” de meu estandarte também corresponde a primeira letra de Manuela D’Ávila, a vice na chapa de Haddad, tal qual a querida Eliana é a vice do conterrâneo Belivaldo.  São companheiros e continuamos juntos.

Lembrando os bons tempos com Marcelo, hoje me dediquei a ouvir mais uma vez a canção composta por Chico da Silva e, soltei a voz acompanhando a interpretação de David Assayag:


- Meu coração é Vermelho. Vermelho é meu coração...
  



Aracaju, 28/09/2018
BETO DÉDA

quarta-feira, 19 de setembro de 2018



A Praça de São João, Seu Nia e a festa dos Lambe-sujos e Caboclinhos.

Em minha infância a Praça de São João, em Simão Dias, foi meu mundo de brincadeiras, de fantasias e de encantos. Naquele local eu vi e participei de inesquecíveis acontecimentos, a maioria deles pontilhados pela aventura e alegria comum aos garotos da época. Diversão não faltava.

Nesta semana, depois do prazer da leitura de um bom livro, minha memória foi despertada para fatos que ocorreram na saudosa Praça ou Parque São João, no início dos anos 50.

O ponto que despertou minha memória para a praça foi um rapaz podando uma árvore e que caçoou de minhas advertências para evitar que cortasse o galho em que estava sentado.

Narrei para o improvisado lenhador o caso de um conterrâneo que, ao podar uma árvore da Praça São João, caiu junto com o galho (se descuidou e se sentou na extremidade que estava sendo cortada!).  Fraturou o braço e passou a ser chamado de “Hosana das Alturas”. E a queda foi motivo de gozação por muito tempo entre os moradores do local.

Na mente de um septuagenário de boa memória, uma lembrança leva a outra. E surgiram outras recordações que repasso aqui.

Lembrei-me também da aventura do amigo Hélio de Seu Otávio que, com medo de um boi cara preta, subiu em um pé de tamarindo e depois não sabia descer. Passou a chorar e gritar pedindo socorro. Seus gritos foram ouvidos pela saudosa Teté (Tefinha Alves) que chamou um senhor forte, conhecido como Seu Nia, e com ajuda dele socorreram o garoto.

Teté era uma querida amiga de minha família e morava na Rua do Coité, nas proximidades da Praça de São João.

Seu Nia era um negro simpático e muito comunicativo que trabalhava como magarefe e salgava carne do sol no matadouro municipal. Ele era de Laranjeiras e conhecia muito bem a tradição das festas daquele município sergipano. Falava muito dos folguedos de sua terra e, diante do interesse e curiosidade dos que lhe escutavam, organizou uma festa dos “Lambe-sujos e Caboclinhos” em nossa cidade. Uma verdadeira apresentação teatral a céu aberto.

O palco dos festejos foi a Praça de São João. Tudo planejado e ensaiado com a devida antecedência. Na praça, no local onde jogávamos bola, foram erguidas as tendas ou ocas com varas de bambus trazidas da Fazenda “Chora Menino” do Desembargador Gervásio Prata. 

Rapazes e meninos da redondeza foram chamados para representarem os grupos dos negros e dos índios. Os representantes dos índios eram pintados com uma tinta parecida com “roxo e terra”, ornamentados com penas variadas e armados com arco e flecha. Os que representavam os Lambe-sujos eram pintados com uma mistura de melaço e uma tinta preta, que deixava a pele brilhante, e portavam uma foice de madeira.  O cacique dos índios era Pedro, filho de Dona Balbina, e o chefe dos negros era Seu Nia.

Participei dos ensaios e ainda hoje me lembro do refrão dos cânticos de ambos os lados. Os Lambe-sujos gritavam: “Samba negro, que branco não vem cá. E se vier pau há de levar!”. Enquanto o refrão dos caboclinhos era: “Prender negro? Rei dos Caboclos!”.

Fiz todos os preparativos para sair como um caboclinho. Além de participar dos ensaios, juntei as mais bonitas penas de galinhas, patos e pavões para fazer o cocar e as vestes de índio. 
O Caboclinho Beto

Mas não deu certo. Eu era muito magro, sofria da vesícula e minha mãe não aprovou minha pretensão. Justificou a desaprovação alegando que a tinta vermelha na minha pele poderia  provocar uma reação em meu frágil organismo. Fui forçado a entender sua preocupação e tive que repassar para o amigo Miraldo (filho de Zefinha de Zeca de Quincas) as penas escolhidas e bonitas que tinha colecionado. E o Miraldo não me poupou da inveja ao vê-lo com trajes de índio.

A festa ocorreu em uma tarde de domingo.  Lembro-me que no portão de minha casa foram colocadas várias cadeiras para meus pais e meus irmãos se sentarem e assistirem o desenrolar da batalha.

Era uma apresentação formidável, narrando a batalha que teve como origem o rapto de uma índia pelos negros. No centro da Praça, começava o embate entre o Cacique (Pedro de Dona Balbina) e o Chefe dos Negros (Seu Nia). O índio era o vencedor, libertava a princesa e aprisionava os negros. Então os caboclinhos saíam guiando os lambe-sujos para pedir aos assistentes uma moeda para alforria.

A festa dos Lambe-sujos não se tornou tradição em nossa terra, mas o espetáculo a céu aberto programado por Seu Nia se tornou um fato inesquecível para muitos rapazes e meninos que viveram naquela época nos arredores da Praça de São João.

Tais lembranças enriquecem o cabedal do meu viver e relembrá-las equivale a um prazer imenso; renovam minhas forças. Não é à toa que os meus próximos percebem o brilho nos meus olhos quando me dedico a recordar os bons tempos.

Aracaju, 19/09/2018.
BETO DÉDA


domingo, 19 de agosto de 2018


Jove da Marinete e a Corrida de Touro.

A Praça de São João ou Parque Cel. Zacarias de Carvalho era o meu mundo de brincadeiras. Embora o ponto máximo das distrações dos garotos fossem as peladas de futebol, muitas outras brincadeiras surgiam em determinados momentos. O que se pensasse de distração a meninada da redondeza improvisava com sucesso. A imaginação fluía e brincávamos pra valer. 

Nos dias de sextas-feiras era comum a passagem pelo parque de novilhos para abate no Matadouro. E vez por outra as peladas eram interrompidas por um boi arisco, desgarrado do rebanho, cujas marradas causavam medo. Também surgiam touros com um pedaço de couro cobrindo a testa (boi careta), indicativo de que era bravo, espalhando poeira ao pisotear o torrão duro antes de avançar contra o transeunte mais próximo. A correria era generalizada e a salvação era subir nos pés de tamarindo, abundantes na praça.

Na verdade acontecia quase que semanalmente uma corrida de touros na Praça de São João. Lembro-me, agora, que quando se festejava as festas juninas acontecia uma corrida de touro patrocinada pelo Jove da Marinete.

Não era igual e nem de longe chegava aos pés à "Corrida de Touros" realizada na cidade espanhola de Pamplona, em homenagem a São Firmino e que fora propagada pelo grande escritor norte-americano Ernest Hemingway no livro “O Sol Nasce Sempre” (The Sun  Also Rises).

Também não era uma festa tipo “Farra do Boi”, que acontece no Espírito Santo, e que atualmente é muito combatida e considerada ilegal (crime previsto no artigo 32 da Lei federal 9.605/98).

A corrida do boi de Jove da Marinete era mais simples: compreendia conduzir um novilho (apenas um mesmo) para abate no Matadouro. Transmito para os patrícios um pouco do que me lembro dessa corrida e de seu patrocinador.

O nome dele não provinha do deus Júpiter, da mitologia romana, também  chamado de Jove (Jovis). O nosso “Jove” era produto da lei do menor esforço para o seu nome correto: JOVINIANO, que tinha o sobrenome SANTOS.

Em nossa terra é comum juntar ao apelido o nome do pai ou a profissão do indivíduo. Eu, por exemplo, sou conhecido como Beto de Zeca Déda; o João de Jacó, que trabalhava no Cine Brasil, era chamado de João do Cinema. Do mesmo modo Joviniano dos Santos era o Jove da Marinete. Ele foi o primeiro motorista da marinete que fazia o trajeto Simão Dias-Aracaju,  e exerceu a profissão desde os idos de 1931 até abril de 1960. Mudaram os proprietários das empresas,  mas o motorista continuou sendo o Jove.

Antiga marinete que fazia a linha S.Dias/Aracaju.
Lembro-me também de dois antigos auxiliares de Jove: Zequinha, o cobrador, e Manuel (que morava no Areal) o encarregado  das malas, arrumadas no bagageiro que ficava em cima da marinete.

Jove era um homem alegre, boêmio, popular, muito estimado em nossa terra por ricos e pobres, idosos e crianças. Foi ele que criou uma festa junina em sua casa e que se tornou tradição em nossa cidade. Tinha baile e eram servidos pratos típicos, inclusive churrasco de um boi oferecido por um fazendeiro local.

O fazendeiro oferecia o novilho, mas ficava por conta do Jove o transporte do boi para o Matadouro.

- Ótimo! Dizia ele, e acrescentava: Vamos pegar o boi na unha...

E juntava uma boa turma que gostava da fuzarca e todos à pé – acompanhados por meninos em gritaria (eu inclusive) – faziam a corrida do touro desde a fazenda até Matadouro, passando pelas ruas da cidade, numa correria engraçada e que não deixava de meter medo aos que temiam o boi. Era diversão pura.

Não tinha a riqueza nem o risco da Corrida de Touros de Pamplona, mas acredito que a alegria dos que participavam não era inferior aos que desfrutavam da festa espanhola. Eu senti isto...

Até o ano de 1959, a corrida de touro, o churrasco e a festa de São João aconteceram com muita alegria na casa de Jove da Marinete em Simão Dias.

Em abril de 1960, ele sofreu um mal súbito e faleceu no dia 22 daquele mesmo mês, uma sexta-feira. Deixou saudade e, hoje,  revive na lembrança dos conterrâneos que brincaram na festa de São João em sua casa e participaram da corrida de touro por ele patrocinada. 

Jove da Marinete é uma referência quando se fala de pessoa popular em nossa terra.

A alegria dele era contagiante. Vale lembrá-lo.

Aracaju, 19/08/2018.
Beto Déda

segunda-feira, 30 de julho de 2018


Lembranças da Igreja Matriz e da Festa da Padroeira de Simão Dias.



No baú que guardo as recordações de minha vida, eu tenho um cuidado muito especial para as lembranças das Festas de Santana, Padroeira de Simão Dias.

Nestes últimos dias acompanhei as festividades em louvor à padroeira de minha terra através da Web-TV. E, então, minha memória foi ativada com lembranças encantadoras do tempo que eu era criança e, estimulado por minha saudosa Tia Nice Oliveira, participava ativamente das missas, novenas e catecismos realizados na Igreja Matriz.

Tia Nice era muito católica, tinha sido noviça em Convento na Bahia e fazia parte da Congregação Religiosa das Filhas de Maria de nossa paróquia.  Eu e meu saudoso sobrinho Marcelo Déda (convivemos na casa da querida tia) tivemos dela uma formidável educação religiosa. Marcelo era cerca de 20 anos mais novo que eu e chegou a ajudar nas cerimônias religiosas como coroinha. 

Conhecíamos todos os detalhes da igreja: a sacristia, os altares, o mezanino - local do órgão e o do coral - que dava acesso ao campanário onde ficavam o grande relógio e os sinos.  A torre era o local que despertava admiração, curiosidade e receio aos garotos daquela época. E o temor não era apenas da altura da torre. O que causava medo era o que se comentava sobre o aparecimento de almas penadas que assombravam os que ousavam subir as íngremes escadas fazendo barulho. A subida tinha que ser encarada com seriedade, cautelosamente,  pé ante pé, sem gracinhas e em silêncio.

Lembro-me que em algumas ocasiões acompanhei com atenção pintores se equilibrando em improvisados e elevados andaimes, renovando as cores das paredes, dos tetos e da torre. Ao saber de um acidente com um deles, passei a sentir medo (desconforto e ansiedade) diante de lugares altos: fato que até hoje me atormenta e causa-me arrepios.

Dos acontecimentos marcantes realizados na Matriz de nossa terra, não tenho dúvida de que a Festa de Santana está em primeiro lugar. Mas outros fatos religiosos de relevância aconteceram na paróquia simãodiense.


O mais lembrado e importante foi o Congresso Eucarístico Diocesano, realizado em 1953, quando o Cônego Afonso Medeiros Chaves era o pároco da cidade. Foi também a comemoração dos 50 anos de instalação do Apostolado da Oração da Paróquia. Um monumental acontecimento religioso, de repercussão regional, cujas cerimônias ocorreram no largo da antiga Praça Nicanor Leal (local onde hoje se realizam shows artísticos).

Lembro-me também das Missões realizadas nos povoados e pregadas pelo Frei Eliseu Vieira, da Ordem dos Carmelitas, e o Padre Sebastião Drago, Missionário do Coração de Maria. Ambos os sacerdotes também participaram dos preparativos e execução do Congresso Eucarístico de 1953 e conquistaram a simpatia de nosso povo pelo carinho e espírito de solidariedade com os menos favorecidos.

O Padre Sebastião Drago sempre marcou sua presença nas festas religiosas de nossa cidade, desde 1953, até a época em que o vigário de nossa paróquia era o Padre Mario Reis. Com o dom da palavra fácil e convincente, os sermões do Padre Drago eram ouvidos com absoluta atenção e respeito pelos fieis católicos de minha terra.

Festa de Santana de Simão Dias (1958)
Beto Déda, Heraldo Déda, Zé Valadares e Gilson de Seu Benevides.
Sempre gostei de participar da Festa de Santana. Na juventude não perdia a novena dos rapazes, e na adolescência, quando trabalhava no Banco do Nordeste, estive presente nas novenas dos bancários. Na época, a cidade contava com cerca de 40 bancários de dois bancos: o BNB e o Banco da Produção e Comércio. 

Outro ponto da Festa de Santana que não esqueço era a “Ladainha a Todos os Santos”, que na época era cantada pelo coro da Congregação das Filhas de Maria. O cântico era em latim. A missa também era celebrada em latim e o vigário celebrante ficava de costas para os fieis e de frente para o altar. Muito diferente da celebração moderna em que os padres ficam de frente para os fieis, que acompanham e entendem melhor o rito da missa, rezada no idioma pátrio.

Lembro-me do canto da ladainha em que o celebrante pronunciava o nome dos santos e o coro respondia: “Ora pro nobis”. Quando era mencionado  mais de um santo, a resposta vinha, também em latim, com o refrão no plural: “Orate pro nobis”.  De tanto ouvir a bonita ladainha aprendi a cantar e, ainda nos dias atuais, sempre estou a repetir.

Neste ano não estive presente à grande festa. Mas acompanhei via internet as novenas realizadas em nossa Igreja Matriz, em solenidades que anteciparam a grande missa e procissão do dia 26 de julho, dedicado à memória da avó de Jesus. 

E não me acanho em revelar que, em todas as nove noites, me emocionei muito. Especialmente ao ouvir os lindos e harmônicos hinos cantados pelo coral da igreja, discretamente localizado no mezanino. 

E mesmo de longe, tive a alegria de rever e me lembrar de pessoas queridas...



Aracaju, 30/07/2018
BETO DÉDA

quarta-feira, 18 de julho de 2018


Tourada no Matadouro de Simão Dias.
(Dedicado ao amigo Antônio de Manequinha)

Na tarde deste domingo, de minha oficina no Lago Dourado, admirei a beleza do resplandecer do sol ao ver serenar uma chuva fina que encharcou as folhas das plantações. Lembrei-me de meu pai e de uma tourada que aconteceu no matadouro municipal de minha terra.

Não sei precisar o ano desta minha lembrança. O que tenho certeza é que eu era muito novo, com idade de 8 e 10 anos, e que o fato aconteceu em uma tarde de  domingo,  depois de uma ligeira chuva, como os raios de sol refletindo nos pingos retidos nas folhas dos tamarindeiros da Praça de São João.

Parece até que estou a ouvir a voz de meu pai chamando-me para ir ver uma tourada no Matadouro da cidade. Fiquei deslumbrado com o convite e saímos pelo portão de fundos da casa em direção a Rua do Curral.

Nossa casa ficava na Rua dos Ribeiros. Era comprida, com quintal na parte dos fundos que fazia limite com a Praça de São João. Ali meu pai tinha construído um depósito e um portão de madeira – que era fechado com uma tramela e reforçado com um caibro atravessado  no meio, seguro por alças de ferro – que permitia o acesso à praça.

A Praça de São João ou Parque de São João era o meu ponto de brincadeiras com os meninos que moravam nas proximidades. Por lá passava todo gado para  abate  no matadouro municipal, que ficava perto, no final da Rua do Curral, em cuja entrada avistava-se o oitão da casa de Seu Zé Neves. 
A entrada da Rua do Curral e (à direita) a casa que era do Seu Zé Neves (Foto recente de Google Maps)

Naquele domingo o matadouro mostrava-se limpo, gradearam a areia úmida do curral e, em redor da entrada, pequenos comerciantes improvisaram barracas para venda de guloseimas. Em uma delas vendiam torresmos, pipocas e rapaduras.  Lembro-me bem que meu pai passou-me um pacote de pipocas e um tijolo de rapadura. Delícias para os guris simãodienses.

Final da Rua dol Curral - Local do antigo Matadouro (Foto recente do Google Maps)
O curral principal fora improvisado para tourada. O pessoal – magarefes, comerciantes de gado e alguns moradores da redondeza – ficava apoiado em cima das travessas de madeira. Eu também subi nas travessas e fiquei junto ao meu pai, que me dava segurança e reforçava meu equilíbrio. 


Em uma parte do curral, lembro-me bem, tinha um pano colorido, no formato de bandeira, colocado ali pelo homem com trajes surrados de toureiro. Até hoje não sei se aquela flâmula representava o México, a Espanha ou um país sul-americano.

Começou a exibição com a entrada de quatro bois grandes e enfezados. Deixaram apenas o que parecia mais bravo e os outros foram retirados da arena improvisada.

Durante o espetáculo ecoavam gritos e aplausos. Mas a surpresa é que o pessoal aplaudia o enfezado touro. A torcida era contra o  toureiro. 

Debalde foram os gritos pró touro. O moço – que falava com sotaque – tinha o corpo ágil e sabia se desviar dos chifres afiados. Com seu pano vermelho fez o touro babar de cansaço e, aí então, levantava os braços, empinava o peito, tirava o gorro sujo de lama e pedia aplauso. E foi atendido e reconhecido como bom toureador pelo pequeno público sentado nas travessas de madeira do curral.

O touro não foi sangrado. Estava enfezado e, se abatido, a carne ficaria escura. Então deixaram para abater junto com o gado destinado ao preparo da carne de sol, que Seu Val (gerente de salgamento no matadouro) transportava em seu caminhão, às sextas-feiras, para vender nos mercados de Aracaju. 

Durante vários dias a empolgante tourada foi motivo de histórias pela meninada da Praça de São João.

E brincávamos, imitando o toureiro e exclamando "Olé, tourôôôôô!”.

Ainda hoje, quando ouço o Passo Doble e a marchinha de carnaval sobre toureiro, lembro-me da tourada que aconteceu no matadouro de Simão Dias.

E lembrar coisas alegres não faz mal a ninguém...


Aracaju, 18/07/2018.

BETO DÉDA

quarta-feira, 11 de julho de 2018


A desmoralização do HABEAS CORPUS pelo próprio judiciário.


No último domingo a Nação brasileira presenciou mais uma vez o descalabro que vem sofrendo o judiciário, diante da postura de alguns representantes daquele importante poder da república.

O que se viu parecia inacreditável. A desmoralização de importante instituto jurídico patrocinada por um grupo do próprio poder judiciário. O ato do infausto grupelho elevou ao cume o descrédito que na atualidade atinge a nossa justiça. 

Juízes que se acham donos da verdade, que extrapolam suas prerrogativas, que pensam serem os eternos senhores dos processos, que não escondem preferências, que se dizem assoberbados e rejeitam ações envolvendo grupos que lhe são simpáticos, mas que não vacilam – mesmo depois de esgotada sua participação em lides – em ocupar momentos de suas férias para fragilizarem o mais importante remédio constitucional destinado a amparar a liberdade dos indivíduos: o instituto do Habeas Corpus.

Sem competência para a absurda atuação, juízes mantiveram contatos com policiais federais envolvidos/coniventes e sustaram, pelo tempo que acharam conveniente, o cumprimento de ordem judicial (no jargão jurídico conhecido como writ) emanada de autoridade superior (desembargador em exercício de plantão, representando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Absurdo e escândalo maior parece não ter sido presenciado neste nosso Brasil de tantas injustiças. O domingo, 08 de julho, será lembrado como o dia de horrores para o judiciário pátrio.

A expressão latina Habeas Corpus significa: que tenhas o teu corpo. No linguajar do direito tem o sentido de um instituto que cuida da liberdade individual; o direito de ir e vir. Este recurso jurídico teve sua  origem na Inglaterra, no ano de 1215, na “MAGNA CHARTA LIBERTATUM” outorgada por João Sem Terra à nação inglesa.  

Em nosso Brasil - Brasil com S(esse) -  o instituto do Habeas Corpus sempre foi respeitado; mesmo por aqueles que por meio da força das armas conquistaram o poder.

Para os mais novos, relembro aqui um fato importante ocorrido no final do ano de 1964, quando, em consequência de um golpe, o país era governado pelo poder das armas dos militares.

Naquela época, o Supremo Tribunal Federal – atendendo petição do advogado Sobral Pinto – concedeu Habeas Corpus ao governador de Goiás, Sr. Mauro Borges, que era opositor e vítima do governo militar. O fato foi considerado como uma bomba estourada nos meios políticos e gerou uma intensa preocupação para a nação, que antevia uma grave ameaça à independência dos Poderes da República.

Mas, afinal, o Habeas Corpus foi respeitado e a harmonia entre os poderes foi aparentemente preservada.  Os militares tiveram que engolir seco e utilizar outros meios (considerados arbitrários e contra o povo de Goiás) para defenestrar Mauro Borges do Governo daquele Estado.

Charge publicada no jornal "A Semana",
edição de 04/11/1964
O fato foi registrado no jornal “A Semana”, de Simão Dias, na edição de 04/11/1964, em uma charge de autoria do meu pai (Carvalho Déda) que mostrava a força do Habeas Corpus contra a espada do poder militar.

Nos dias atuais, por incrível que pareça, foram membros do próprio judiciário que ousaram desmoralizar o remédio constitucional de proteção ao indivíduo.

Se estivesse entre nós, diante do escândalo de domingo, certamente meu pai teria esculpido na madeira uma charge inimaginável para aquela época: a figura que representa a justiça – livrando um olho da venda que lhe cobre a visão e empunhando uma balança pesada, bruta, desequilibrada, com o fiel pendente para a direita – esmagando o instituto do Habeas Corpus.

Densas e pavorosas nuvens pairam sobre nosso país.

Aracaju, 11/07/2018
BETO DÉDA