quinta-feira, 4 de outubro de 2012


Eu, lavrador e criador de carneiros...

Minha querida neta Marina:

Ontem, estava no sítio Lago Dourado, cuidando de minha roça quando sua ovelha e o carneiro de João Marcelo passaram por debaixo da cerca e ameaçaram os pezinhos de milho. Imediatamente retornei-os ao outro lado da cerca, corrigindo a situação. Salva a roça, lembrei-me de dois fatos importantes que aconteceram quando eu era criança, em Simão Dias, e que continuam em minhas lembranças.

Contarei para você... E espero contar para Miguel quando ele estiver mais crescido e melhor compreender os fatos.

Vamos lá:

Era uma manhã de janeiro de 1953. Eu contava com 11 anos de idade. Morávamos na Rua dos Ribeiros, que depois passou a ser chamada de Floriano Peixoto e em seguida Júlio Manoel de Oliveira. Naquele ano o escritório de advocacia de meu pai era naquela rua, em uma casa antiga, de propriedade de Seu Manoel Dantas. Era uma casa larga, tinha como vizinhos, de um lado:  Seu Agenor, fogueteiro, marido de Dona Santinha;  e do outo Seu Messias, pai de Tom Carlos.

 O quintal era comprido e se prolongava até a Praça de São João, que tinha o nome oficial de Praça Zacarias de Carvalho, conhecida popularmente por Praça dos Três Poderes, devido a localização ali do cemitério, quartel de polícia e hospital.  

Pois bem. Naquela manhã de verão, vendo o vasto quintal, tive a ideia de fazer a minha primeira roça de milho. Faria uma plantação igual a que meu pai fizera na sua malhada, um pequeno sítio que denominava “Vila Carlitos”, em homenagem ao meu irmão Carlos Eugênio e ao grande ator Charles Chaplin. Comecei imediatamente a limpar o mato, com uma enxada maior que eu.  Já tinha capinado um bom pedaço, quando ouvi o chamado de meu pai:

- Alberto, que está fazendo? Vem cá...

Com o rosto suado e corado, corri em direção a papai e exclamei com entusiasmo:

- Estou limpando o quintal para fazer uma roça de milho. Vai ser igual a plantação da malhada...

Sem disfarçar o sorriso, o velho me alertou que não era possível cuidar de roça naquela época, em pleno verão, com o sol escaldante e, mais ainda, em poucos dias estaria se mudando e entregaria a casa ao Seu Manoel Dantas.

Percebendo minha tristeza e procurando consolar-me, prometeu fazer um cercado no quintal de nossa casa para minha “roça”. Promessa que se tornou realidade dois meses depois. No dia 19 de março - dia de São José - fiz a minha primeira plantação de milho.  Foi um sucesso. Todos os dias, pela manhã, ia cuidar da “minha lavoura”.  Limpava e chegava terra aos pés de milho que cresciam viçosos.

Eu estudava no Grupo Escolar Fausto Cardoso. Quando voltava da escola, ia cuidar da “roça”. A maior alegria foi quando o milho pendoou e apareceram as primeiras bonecas (espigas tenras).   Logo depois veio a colheita e a emoção pelos elogios de mamãe, tias Esterzinha e Nice. Numa sexta feira, à noite, quando papai voltou de Aracaju, sentei-me à mesa, perto dele, para vê-lo saborear o milho e afagar meus cabelos com sua bendita mão.  Era a maior recompensa e eu fiquei orgulhoso por aquele querido gesto...

Terminada a safra, meu irmão Tutu (Artur Oscar) que passava as férias conosco, me fez uma pergunta que não tive dúvida em responder. Disse mais ou menos o seguinte:

- Beto, tenho um presente para você, mas terá que escolher. Quer uma couraça (bola de couro de uso da época) ou um carneiro?  Lembre-se que o carneiro tem que ser preso no cercado da roça, então você não poderá plantar mais nada...

Embora gostasse demais de jogar bola e era craque com as bolas de meia, não titubeei:

- Quero o carneiro...

No dia seguinte, Artur foi à Rua do Curral e, para minha imensa alegria, trouxe de lá um casal de carneiros lanzudos.  Disse-me que comprara os dois pelo preço de um porque a fêmea tinha um defeito na pata, mancava. Passei de agricultor a ser criador.

Logo depois não restava mais nada da roça e nem qualquer mato no quintal. Tinha que levar os carneiros para pastar na Praça de São João ou na malhada de seu Pierre Freitas.  Às tardes, quando voltava do Grupo Escolar, eu ia pegar os carneiros para pernoite em nosso quintal.  Um dia, os carneiros entraram de mansinho no quarto onde minha irmã Malô (Maria Eugênia) dormia e deu uma abocanhada em seus longos cabelos. Malô acordou chorando e foi um alvoroço sem igual. Resultado: todos recomendavam que eu me desfizesse dos carneiros.

Prof. Zefinha, que morava com tia Nice, soube do fato e propôs a compra dos carneiros por seu irmão marchante. Depois de muita conversa, fui convencido a aceitar a proposta de Zefinha, e o pior, eu mesmo tive que levar os carneiros para casa de Nice de onde seriam conduzidos para o sacrifício. Pior ainda, como dormia na casa de tia Nice, passei a noite ouvindo os berros dos carneiros, que estranharam o local. Chorei pela noite e resmunguei durante o dia. Foi um dos piores negócios de minha vida. Dizia Nice que os carneiros berravam assim: -  Beeeto, Beeeeeto, Beeeeto! Ouvir isso era uma tortura...

Tal qual o cercado de minha roça, este também foi um dos fatos inesquecíveis de minha vida.

São lembranças da infância que não se apagam em minha memória. Com exceção do final, gosto muito de relembrar da minha primeira roça e dos carneiros que ganhei de Tutu.

Um beijão para minha querida neta que já sabe decifrar os  garranchos do vovô.

Aracaju, agosto de 2012.

Vovô Beto

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