Eu,
lavrador e criador de carneiros...
Minha querida neta Marina:
Ontem, estava no sítio
Lago Dourado, cuidando de minha roça quando sua ovelha e o carneiro de João
Marcelo passaram por debaixo da cerca e ameaçaram os pezinhos de milho.
Imediatamente retornei-os ao outro lado da cerca, corrigindo a situação. Salva
a roça, lembrei-me de dois fatos importantes que aconteceram quando eu era
criança, em Simão Dias, e que continuam em minhas lembranças.
Contarei para você... E
espero contar para Miguel quando ele estiver mais crescido e melhor compreender
os fatos.
Vamos lá:
Era uma manhã de
janeiro de 1953. Eu contava com 11 anos de idade. Morávamos na Rua dos
Ribeiros, que depois passou a ser chamada de Floriano Peixoto e em seguida
Júlio Manoel de Oliveira. Naquele ano o escritório de advocacia de meu pai era
naquela rua, em uma casa antiga, de propriedade de Seu Manoel Dantas. Era uma
casa larga, tinha como vizinhos, de um lado:
Seu Agenor, fogueteiro, marido de Dona Santinha; e do outo Seu Messias, pai de Tom Carlos.
O quintal era comprido e se prolongava até a
Praça de São João, que tinha o nome oficial de Praça Zacarias de Carvalho,
conhecida popularmente por Praça dos Três Poderes, devido a localização ali do
cemitério, quartel de polícia e hospital.
Pois bem. Naquela manhã
de verão, vendo o vasto quintal, tive a ideia de fazer a minha primeira roça de
milho. Faria uma plantação igual a que meu pai fizera na sua malhada, um
pequeno sítio que denominava “Vila Carlitos”,
em homenagem ao meu irmão Carlos Eugênio e ao grande ator Charles Chaplin.
Comecei imediatamente a limpar o mato, com uma enxada maior que eu. Já tinha capinado um bom pedaço, quando ouvi o
chamado de meu pai:
-
Alberto, que está fazendo? Vem cá...
Com o rosto suado e
corado, corri em direção a papai e exclamei com entusiasmo:
- Estou limpando o quintal para fazer uma roça de milho. Vai ser igual a
plantação da malhada...
Sem disfarçar o
sorriso, o velho me alertou que não era possível cuidar de roça naquela época,
em pleno verão, com o sol escaldante e, mais ainda, em poucos dias estaria se
mudando e entregaria a casa ao Seu Manoel Dantas.
Percebendo minha
tristeza e procurando consolar-me, prometeu fazer um cercado no quintal de
nossa casa para minha “roça”. Promessa que se tornou realidade dois meses
depois. No dia 19 de março - dia de São José - fiz a minha primeira plantação de
milho. Foi um sucesso. Todos os dias,
pela manhã, ia cuidar da “minha lavoura”.
Limpava e chegava terra aos pés de milho que cresciam viçosos.
Eu estudava no Grupo
Escolar Fausto Cardoso. Quando voltava da escola, ia cuidar da “roça”. A maior
alegria foi quando o milho pendoou e apareceram as primeiras bonecas (espigas
tenras). Logo depois veio a colheita e
a emoção pelos elogios de mamãe, tias Esterzinha e Nice. Numa sexta feira, à
noite, quando papai voltou de Aracaju, sentei-me à mesa, perto dele, para vê-lo
saborear o milho e afagar meus cabelos com sua bendita mão. Era a maior recompensa e eu fiquei orgulhoso
por aquele querido gesto...
Terminada a safra, meu
irmão Tutu (Artur Oscar) que passava as férias conosco, me fez uma pergunta que
não tive dúvida em responder. Disse mais ou menos o seguinte:
-
Beto, tenho um presente para você, mas terá que escolher. Quer uma couraça (bola
de couro de uso da época) ou um
carneiro? Lembre-se que o carneiro tem
que ser preso no cercado da roça, então você não poderá plantar mais nada...
Embora gostasse demais
de jogar bola e era craque com as bolas de meia, não titubeei:
- Quero o carneiro...
No dia seguinte, Artur foi
à Rua do Curral e, para minha imensa alegria, trouxe de lá um casal de
carneiros lanzudos. Disse-me que
comprara os dois pelo preço de um porque a fêmea tinha um defeito na pata,
mancava. Passei de agricultor a ser criador.
Logo depois não restava
mais nada da roça e nem qualquer mato no quintal. Tinha que levar os carneiros
para pastar na Praça de São João ou na malhada de seu Pierre Freitas. Às tardes, quando voltava do Grupo Escolar,
eu ia pegar os carneiros para pernoite em nosso quintal. Um dia, os carneiros entraram de mansinho no
quarto onde minha irmã Malô (Maria Eugênia) dormia e deu uma abocanhada em seus
longos cabelos. Malô acordou chorando e foi um alvoroço sem igual. Resultado: todos
recomendavam que eu me desfizesse dos carneiros.
Prof. Zefinha, que
morava com tia Nice, soube do fato e propôs a compra dos carneiros por seu
irmão marchante. Depois de muita conversa, fui convencido a aceitar a proposta
de Zefinha, e o pior, eu mesmo tive que levar os carneiros para casa de Nice de
onde seriam conduzidos para o sacrifício. Pior ainda, como dormia na casa de
tia Nice, passei a noite ouvindo os berros dos carneiros, que estranharam o
local. Chorei pela noite e resmunguei durante o dia. Foi um dos piores negócios
de minha vida. Dizia Nice que os carneiros berravam assim: - Beeeto, Beeeeeto, Beeeeto! Ouvir isso era uma
tortura...
Tal qual o cercado de
minha roça, este também foi um dos fatos inesquecíveis de minha vida.
São lembranças da
infância que não se apagam em minha memória. Com exceção do final, gosto muito
de relembrar da minha primeira roça e dos carneiros que ganhei de Tutu.
Um beijão para minha
querida neta que já sabe decifrar os garranchos
do vovô.
Aracaju, agosto de
2012.
Vovô Beto
Que beleza de história! memória fantástica. Gostei!
ResponderExcluirQue bom saber que você leu. Só tenho é agradecer.
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