quarta-feira, 17 de dezembro de 2014


Lembranças do Atheneu

Estudei no Atheneu em 1961/62, onde cursei os dois primeiros anos do científico. O terceiro ano conclui em Salvador, em 1963, juntamente com outros cinco colegas sergipanos. Fomos selecionados em um concurso da SUDENE para participarmos do curso pré-vestibular de engenharia na Escola Politécnica da Bahia.

Quando estudei no Atheneu, eu morava na casa de meu cunhado Haroldo, na Avenida Simeão Sobral, zona norte da cidade, bem distante do colégio, que ficava na zona sul. Mesmo assim, sempre fiz o trajeto a pé, como era o costume da maioria dos estudantes da época. Aliás, lembro que tinha um colega japonês (Ryuichi Watanabe) que morava na Granja Pedro II, lá próximo ao atual Fórum Gumercindo Bessa, e ele também fazia o percurso a pé. Nos dias de aula de educação física, sempre ao amanhecer, íamos correndo, para não perder o horário. Quando chegávamos à quadra do colégio, o professor olhava para minha palidez suada e dizia que, pelo meu porte e aparência, era possível que já tivesse realizado todos os exercícios. Mas mesmo assim não me dispensava das aulas.

Pose para foto no monumento
na Praça Comerino
À tarde saíamos de casa logo depois do meio dia e – recordo bem esse detalhe – caminhávamos em direção ao Colégio escutando a voz inconfundível de Silva Lima, que comandava o Informativo Cinzano na Rádio Liberdade. Era o líder absoluto de audiência. Em quase todas as casas o rádio estava ligado em altura considerável que dava para ouvirmos na rua. 

Pensando no Atheneu, lembrei-me do nome de alguns colegas daquela época: Joviniano, Fausto, Tércio Tojal, Madressilva, Sônia, Luzinete, Lindinalva, Rildete, os irmãos Luiz Alberto e Aloísio Siqueira, Ryuichi, Henrique, Roosevelt, Bidias, Antonio Freitas, Gilson Simões, Gélio, os irmãos Byron e Ney, José Trindade, Antônio Valadares, Danilo e muitos outros que recordo a feição, mas a memória, momentaneamente, falha ao registrar os nomes.

Vários colegas de turma.
Recordo-me de vários causos do Atheneu. Ocorre-me, agora, um fato curioso com o colega Gilson, que morava na Rua de Laranjeiras, próximo ao Colégio de Uchoa. Ele parecia ser o mais novo da turma, era baixo, com cabelos lisos, loiros, cortados à escovinha, e usava óculos de grau. Gostava muito de inglês e não perdia as aulas da Professora Micol que – diziam – era esposa do Dr. Otávio Espírito Santos, também professor e que foi Diretor do Atheneu. A lembrança que tenho é que, àquela época, a professora já tinha passado da meia-idade.  Ela era branca, meio gorda, cabelos alvos e um riso fácil. Na verdade era muito simpática e nos encantava com seus repentes, usando ditos populares.


Nossa turma na Praça Camerino.
Pois bem. Em uma tarde, no início da aula de inglês, o colega Gilson chegou atrasado. Parou bem no centro da porta de entrada do salão e, mostrando suas faces vermelhas banhadas de suor, dirigiu-se à Professora se expressando em inglês: – Excuse, teacher.  I’m late. Sorry! (que no nosso linguajar significa: Com licença, professora. Estou atrasado. Desculpe-me!).

A boa professora, também usando a linguagem inglesa, elogiou alegremente o desempenho do ‘aplicado’ aluno, autorizando-o entrar e sentar-se no respectivo lugar.

Gilson, um gozador sem igual, se mostrou encantado com os elogios da mestra. Passado aquele momento, ele veio ao meu encontro, levantou a cabeça para me olhar por baixo dos seus óculos de grau e disse-me que repetiria a dose.

Três dias depois, ele assim o fez e recebeu outro elogio, embora desprovido do entusiasmo demonstrado na primeira vez. Podemos afirmar que foi uma aprovação formal, já que os gestos da professora demonstravam certa desconfiança.

Na semana seguinte, chega Gilson à porta da sala e, com a cara mais lisa do mundo, começou a repetir sua desculpa em inglês. A Professora Micol não aguentou, interrompeu-o bruscamente e exclamou:

 – Currapaco, paco paco! Você fica aí repetindo como papagaio. Decora a frase e vem aqui impressionar. Você pensa que babado é bico e que urubu é meu louro... 

Subitamente, a professora também foi interrompida por um gaiato no fim da sala, que  acrescentou: – Ele tá pensando que beira de pinico é biscoito fino e que beiço de jegue é pão-de-ló... E foi seguido pelo riso geral da estudantada.

Ao ouvir o inesperado aparte e o alvoroço das risadas, a Professora Micol não pestanejou e acabou o barato da turma com uma enérgica advertência:

Vocês estão enganados com a cor da chita! Parem com isso! Ordem na sala!
E a classe, caladinha, voltou aos eixos...

 Aracaju, 30/11/2014
Beto Déda

 
 



 

Um comentário:

  1. Adorei o comentário que me fez reviver todos os fatos narrados, um retrato da nossa sala de aula.

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